Cliente irritado por buzinada faz ameaça e entregadora desiste da profissão
Após ter sido ameaçada e ouvir insultos contra sua orientação sexual, uma entregadora de 27 anos desistiu da profissão. A jovem gravou as ofensas ditas por um corretor de seguros, de 46 anos, e pela esposa dele durante uma entrega de comida em um condomínio de luxo. Cliente nega agressão física e afirma que agrediu verbalmente, mas também foi agredido de volta.
O caso aconteceu em Arujá, cidade da Grande São Paulo, a 40 quilômetros da capital, na madrugada de 13 de novembro. Agora a entregadora teme pela própria integridade física e não consegue mais sair de casa.
O motivo da discussão foram as buzinadas feitas pela entregadora no momento em que chegou na porta do cliente. Na versão da jovem, não passaram de quatro, mas o cliente afirma que foram mais. Assim que buzinou, afirma a entregadora, o cliente já saiu de casa estressado e a xingando.
No dia seguinte do caso, um grupo de motociclistas foi até o condomínio realizar um "buzinaço" em apoio à entregadora. O corretor de seguros foi procurado pela reportagem, mas ainda não se manifestou.
O que mostram as imagens? Nos vídeos obtidos pelo UOL Notícias, é possível ouvir a discussão entre a entregadora e o cliente. Na gravação, a jovem afirma que a agrediu. "Olha minha moto como está. Você me chutou, minha moto tá no chão. Eu não faltei com respeito para você. Eu só buzinei. Buzinar não ofende. Se você não quer que eu buzine, fica na porta da sua casa", diz a jovem.
O cliente não nega e questiona por que ela buzinou tantas vezes. Na sequência, ele começa a xingá-la. "Ficar na porta? Presta atenção. Leva essa porra do lanche embora. Enfia no seu rabo". A jovem, então, retruca: "Você jogou meu capacete longe. Vai buscar meu capacete". O cliente, então, responde de volta: "Vou pegar merda nenhuma, vou pegar o caralho".
Nesse momento, a esposa de corretor de seguros aparece e tenta acalmar o marido. Assim que vê a mulher, ele fala "vai para dentro". A esposa responde: "Não seja sem educação. Onde está o capacete, moça? Eu pego".
A discussão entre a entregadora e o cliente continua. A jovem reafirma a ele que "era só ficar na porta", e o cliente responde que ela deveria ter apertado "a porra da campainha, filha da puta". "Parabéns, você tem o caráter de um porco. Meu serviço não é apertar a campainha, é entregar seu lanche", responde a entregadora.
Ofensas e insultos. Em outro vídeo enviado para a reportagem, de dentro de casa, é possível ouvir o cliente e a esposa ofendendo a jovem após a entregadora falar "se você bater na sua mulher a polícia também vai saber porque eu vi ela e ela não tinha nenhum roxo no olho". "Sapatão do caralho, ele não vai me bater, não. Quem vai te bater sou eu, sapatão do caralho. Vou te arrebentar", responde a esposa do cliente.
No terceiro vídeo, depois que a entregadora aciona a polícia, o corretor de seguros grita: "Fim de semana é assim mesmo, demora. Se eu tivesse te espancando até chegar [a polícia] você estaria no IML [Instituto Médico-Legal). Liga de novo para o 190, caralho".
'Me senti humilhada'. Em entrevista ao UOL Notícias, a jovem afirmou que trabalha com entregas há apenas seis meses. Por oito anos, ela trabalhou com banho e tosa de animais domésticos, mas perdeu o emprego. "Infelizmente, o orçamento [da população] do Brasil caiu bastante e o pessoal prefere deixar o cachorro sem tomar banho e fazer outras coisas. Banho e tosa não é prioridade. Mas o trampo de motoboy é".
Ela encontrou renda com entrega de comidas, alimentos, medicamentos e até documentos. Afirmou que trabalha todos os dias das 18h às 4h. Até àquela noite, nunca havia passado por algo parecido, nem em relação ao seu trabalho nem sobre sua orientação sexual.
"Me senti muito humilhada. O sentimento de humilhação e inconformismo com uma situação dessa porque eu estava trabalhando", definiu. "Eu não merecia passar por isso porque eu sou muito trabalhadora. Eu fiquei muito revoltada, triste, chorei quando os policiais chegaram lá."
A entregadora afirmou que foi chutada pelo cliente e com o impacto sua moto caiu no chão e acabou amassando. Ela contou que ao chegar no condomínio os seguranças avisam os clientes. Quando chegou em frente à residência, buzinou. "Eu nem sei onde fica a campainha ali".
A postura da esposa do cliente mudou, afirmou a entregadora, depois que eles entraram para casa e ela ouviu eles discutindo. "Aí nisso eu tentei gravar e falei que já tinha chamado a polícia", contou. Foi aí que as ofensas lesbofóbicas começaram.
Eu nunca sofri preconceito por ser lésbica. Sempre fui muito estudiosa, trabalhadora, então minha orientação sexual nunca afetou ninguém. Foi a primeira vez e eu fiquei tipo 'meu, isso está acontecendo em pleno 2022?'. É humilhação demais, eu não merecia estar lá ouvindo aquilo
Entregadora vítima de insultos lesbofóbicos
Na delegacia, contou a jovem, ela foi orientada a dar seguimento na denúncia, para acionar uma medida protetiva contra o cliente.
Ameaças. Segundo relatos, o cliente foi ao antigo local de trabalho da entregadora para procurá-la. Ele pediu o endereço e o telefone da jovem alegando que precisava dessa informação para registrar um boletim de ocorrência.
"Ele foi lá no estabelecimento, armado, perguntando o meu endereço e o meu telefone. Ele está atrás de mim. Então, eu acho melhor, nesse momento, eu não trabalhar na rua", desabafa a entregadora. "Agora, eu estou parada, mas pretendo voltar a fazer bicos de banho e tosa para me manter."
'Houve apenas um bate-boca, agressão verbal', disse o corretor de seguros ao UOL Notícias. O homem, que pediu para não ser identificado nem ter sua imagem exposta, disse que é cliente do estabelecimento há anos.
Segundo ele, a entregadora já chegou irritada porque sua empresa passou o endereço errado para a entrega. Ela teria esperado 20 minutos no condomínio ao lado. "A empresa se equivocou. Entregadores ganham por entrega, ela ficou brava comigo, mas devia ficar com o patrão dela", disse.
Quando chegou na rua, afirma o cliente, a entregadora buzinou "como se fosse uma manifestação". "O segurança [do condomínio] avisou que ela não podia buzinar e eu desci correndo. Ela buzinou mais de 40 vezes".
"Realmente desci bravo, xinguei. Mas não teve agressão física. Ela também me xingou e disse que levaria o lanche embora. Foi quando eu desliguei a moto dela. Ela tirou o capacete para me agredir. Eu tomei o capacete e joguei ele longe. Ela tava montada na moto, aí desequilibrou e caiu".
O corretor alegou que foi ele que chamou a polícia. "Eu chamei e eles viram que não teve agressão. No boletim de ocorrência não tem encaminhamento para o IML. Eu fui na delegacia no meu carro, não fui conduzido".
"Na delegacia, mostrei a foto dela e disse: 'A moça é essa aqui, mas ela não é moça. Ela nasceu mulher, mas ela se veste como homem, tem cabelo de homem, tem postura de homem. Se a gente sair numa balada ela vai pegar mais mulher do que eu e você. Ela não pode ser considerada mulher'", disse.
O cliente afirmou que vem recebendo ameaças de outros entregadores "em todos os comércios que tem motoboy". Em mensagens trocadas em um grupo no WhatsApp, de acordo com prints encaminhados pelo corretor, os entregadores falam em "atormentar" sua vida.
Registro na delegacia. O caso foi registrado como ameaça, lesão corporal e dano. Em depoimento na delegacia, o corretor de seguros afirmou que a entregadora buzinou diversas vezes, sem apertar a campainha. Ele também disse que achou que ela jogaria o capacete nele, então atirou o objeto longe. Negou ter chutado a entregadora.
A entregadora levou uma testemunha para a delegacia, que afirmou que ouviu outras pessoas comentando que o cliente havia chutado a jovem, mas não presenciou a agressão, só presenciou a discussão.
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