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Chamada de 'petista de merda', mulher acusa PM bolsonarista de agressão

Helida afirma ter sido vítima de violência policial com motivação política - Arquivo pessoal
Helida afirma ter sido vítima de violência policial com motivação política Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo

09/11/2022 04h00

A comerciante Helida Duarte de Almeida, 50, diz ter sido ameaçada com fuzil, chamada de "petista de merda", agredida e sofrido perseguição de policiais militares em Santos, no litoral de São Paulo. Apoiadora do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Helida estava em um carro com vários adesivos sobre o político e o partido.

O episódio aconteceu na madrugada de 31 de outubro, quando a comerciante voltava de uma comemoração da vitória do petista contra Jair Bolsonaro (PL), que disputava a reeleição. Segundo a defesa de Helida, um dos policiais envolvidos, o PM Luiz Henrique da Silva Goes, é apoiador do atual presidente e se mostra nas redes sociais como membro do "Exército do Bolsonaro".

O advogado Rui Elizeu, que cuida da defesa de Helida, afirmou que o PM Goes procurou a família de Helida, dias depois do ocorrido, pressionando a comerciante a "abafar o caso" e dizendo ele que "irá até as últimas consequências", caso ela mantenha sua denúncia.

"Ele procurou a família da vítima e isso não se faz. A vítima já está apavorada. Podemos tomar isso como ameaça", afirmou o advogado. A SSP negou as afirmações da defesa e disse que a comerciante foi detida por desacato e desobediência após desobedecer a uma ordem de parada de policiais militares, fugir e tentar avançar contra os PMs.

O que aconteceu em 31 de outubro? Segundo a defesa, Helida estava no carro acompanhada de uma idosa de 80 anos, a quem deu uma carona depois da comemoração de apoiadores de Lula no bairro Gonzaga, em Santos. A comerciante se dirigia para São Vicente, também no litoral, onde vive.

Na primeira abordagem, de acordo com o documento, que aconteceu por volta das 2h15 da madrugada, os PMs questionaram sobre o licenciamento do veículo e Helida parou o carro para conversar com eles. A comerciante informou que a documentação estava em ordem e questionou se eles gostariam de ver as informações em um aplicativo. Os policiais afirmaram que não era necessário e a liberaram.

Nova abordagem

O que aconteceu após a primeira abordagem? Alguns quilômetros em frente, já na divisa de Santos com São Vicente, Helida foi abordada novamente, pela mesma viatura, que ordenou que ela parasse pois decidiram que o veículo deveria ser apreendido. Neste momento, a idosa que acompanhava Helida disse: "filha, estou com falta de ar".

A comerciante, ainda de acordo a defesa, informou que precisava deixar a idosa no hospital da região. Os policiais avisaram que chamariam o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), mas Helida insistiu para levar a idosa, pois o hospital estava a poucos minutos do local. Ela, então, ligou o pisca-alerta do carro e seguiu em velocidade reduzida, com as viaturas atrás dela.

Um pouco adiante, porém, havia um bloqueio com vários policiais. Um deles já estava fora da viatura com um fuzil nas mãos. Segundo a defesa, este policial era o PM Goes, que começou a gritar:

"Petista de merda, vocês são todos vagabundos, sua vagabunda, vocês merecem tudo morrer!
PM Goes para Helida em abordagem policial, segundo a defesa da comerciante

Na sequência, a comerciante questionou o PM sobre as ofensas e ele teria batido nela na altura do lado esquerdo de seu abdômen. Nesse momento, Helida pegou o celular e conseguiu fazer um pequeno registro do PM com o fuzil. Os policiais teriam tomado o celular dela.

pm goes - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
PM Goes, que teria agredido Helida, em postagem no Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Trancada na delegacia. A defesa de Helida ainda afirmou que a comerciante ficou trancafiada na delegacia das 2h45 até as 6h sem poder ir ao banheiro. Ela acabou urinando na roupa enquanto esperava. Somente às 6h14 ela pode ligar para um advogado.

A defesa disse que, durante as horas de espera, nenhum delegado, escrivão ou policial civil foi falar com a comerciante. Somente às 9h, um delegado procurou a defesa para afirmar que "já estava a par do ocorrido" e que iria registrar o boletim de ocorrência.

Helida teria sido ouvida pelo delegado sem a defesa. A defesa também argumenta que não recebeu nenhuma cópia do registro da ocorrência na delegacia.

Para a defesa, Helida sofreu abuso de autoridade, lesão corporal e manifesta tortura. "Mulher, mãe, [ela] foi agredida física e psicologicamente, em razão de sua condição de militante política", afirmou o advogado.

Versão dos policiais

A versão policial registrada na delegacia é diferente da de Helida. Segundo os PMs, Helida abandonou o local da abordagem quando ficou ciente de que seu carro seria guinchado. Os policiais também afirmaram que solicitaram que Helida parasse o carro, mas que ela não atendeu as ordens.

Quando o carro foi parado mais adiante, de acordo com o depoimento dos PMs, a comerciante fez menção de jogar o carro em cima dos policiais. Helida teria sido parada e questionou a abordagem policial, proferindo xingamentos contra os policiais e se recusando a fazer o teste do bafômetro.

pm - Reprodução - Reprodução
Imagem feita por testemunha mostra distância do carro de Helida para as viaturas
Imagem: Reprodução

Ainda segundo os policiais, a comerciante começou a filmar a ação policial dizendo "você me chamou de petista de merda?", mas, de acordo com os oficiais, essa frase nunca foi dita.

O relato dos policiais apontou ainda que uma policial feminina para revistar Helida e que toda a ação foi filmada. Os PMs apontaram que, mesmo detida na viatura, a comerciante se exaltou, urinou em si e a porta da viatura precisou ser fechada.

Relato de agressões

Elizeu refuta a versão dos policiais e disse que a conduta deles foi "lamentável". "A abordagem, desde o início, era desproporcional. Eram muitos policiais militares e ficaram mais de 20 minutos no meio da avenida. Depois, teve a arbitrariedade de colocar ela dentro de uma viatura."

A única motivação do caso, apontou o advogado, é política. "Não teve outro motivo a não ser o fator político. O policial encarregado ostenta nas redes sociais que é bolsonarista. É lamentável. Isso tem que ser punido, investigado com rigor".

Outros policiais da barricada, então, teriam agarrado a comerciante e colocada na parte de trás da viatura. A defesa afirma que eles tentaram retirar o bottom vermelho com o rosto de Lula e escrito "Lula 2022", que estava em sua roupa, mas ela resistiu.

Os PMs, então, tentaram tirar duas correntes que ela usava. O advogado também afirmou no documento que Helida recebeu chutes nas pernas.

hematomas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcas da agressão que Helida afirma ter sofrido da PM em Santos (SP)
Imagem: Arquivo pessoal

O que diz a SSP? Questionada sobre a contradição das versões, a Secretaria de Segurança Pública validou a versão dos policiais, afirmando que Helida fugiu do local e tentou avançar contra o bloqueio policial.

A instituição afirmou que o caso foi registrado como desobediência, desacato, lesão corporal e injúria na Delegacia de Polícia de São Vicente.

Ainda de acordo com a SSP, "a autoridade policial realizou as diligências cabíveis, ouviu todas as partes envolvidas e encaminhou o caso para o Ministério Público para as devidas providências".