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Espíritos oportunistas: o que espiritismo diz sobre a brincadeira do copo?

Brincadeira do copo abre porta para espíritos não iluminados, diz espiritismo - Reprodução
Brincadeira do copo abre porta para espíritos não iluminados, diz espiritismo Imagem: Reprodução

Franceli Stefani

Colaboração para o UOL

25/11/2022 04h00

Falar com espíritos é milenar e habita a curiosidade de indivíduos ao redor do mundo. A notícia de que onze adolescentes foram encontrados desmaiados depois de brincarem com uma tábua de Ouija, no Instituto Técnico Agrícola, em Hato, na Colômbia, reacendeu o debate na busca por informações referentes ao tema. Na mesma linha, no Brasil, a brincadeira tradicional feita pelas pessoas é a do copo ou do compasso.

Todas elas, segundo o doutor em Teologia pela Faculdades EST, Helio Teixeira, as religiões espíritas, assim como o mundo evangélico e católico condenam esse tipo de jogo. "Não apenas o do tabuleiro, mas qualquer jogo que se pretenda comunicar com o mundo dos mortos".

Conforme o estudioso, qualquer uma dessas práticas, antes de mais nada, é uma prática de espiritismo, no sentido da palavra. A teologia cristã diz que "a comunicação com o mundo dos mortos está interditada", não é possível qualquer forma de contato. "Há quem compreenda, pelo lado protestante, que a comunicação entre os santos e os fiéis seja algo espírita, uma vez que há disputas doutrinárias seculares entre católicos e protestantes quanto à dignidade de mediação dos santos católicos".

O teólogo ainda diz que, por outro lado, há certas perspectivas da tradição católica que afirmam que a comunicação entre os santos, especificamente as manifestações de Maria, conhecidas como Nossa Senhora, não se daria entre o mundo dos mortos e dos vivos, mas sim entre entes que foram transfigurados e devotos. "Já entre religiões de matriz africana e indígenas, é possível dizer que são tradições de resistência étnico-cultural, portanto, tradições mais abertas e mais tolerantes, uma vez que não respondem a um cânone teológico e hierárquico de uma organização religiosa como é a Igreja Católica, por exemplo".

Dessa forma, essas tradições possuem maior abertura para o diferente e o que surge da espontaneidade. "Elas dialogam com aquilo que é designado pela Teologia ou Ciências da Religião de religiosidade popular, isto é, compreensões religiosas que não estão interditadas por confissões religiosas com estruturas rígidas de policiamento dogmático", afirma. "São manifestações mais livres, porém, mais porosas ao senso comum".

Por sua vez, o espiritismo é uma perspectiva teológica "mais rigorosa e séria", no que diz respeito à verificação dos mecanismos da mediunidade. "Nesse sentido, o tabuleiro Ouija - definitivamente - não possui nada de comum à doutrina espírita, assim como a brincadeira do copo. Há quem diga que esse tipo de jogo poderia abrir, sim, a possibilidade diante do desejo de seus participantes ao contato com espíritos oportunistas, sem luz, por assim dizer. Em última instância, o espiritismo trata da caridade, não de curiosidades destituídas do verdadeiro interesse espiritual".

Espiritismo como forma de lucro

O estudioso detalha que o tabuleiro é um produto do século 19 e corresponde ao próprio processo de popularização do espiritismo nos Estados Unidos sob inspiração do capitalismo, isto é, "transformar a comunicação entre vivos e mortos em coisa rentável". A própria tábua, que passou a ser conhecida por sua capacidade de 'responder a qualquer pergunta' fez com que a empresa lucrasse mais de um milhão de dólares com o produto. A brincadeira do copo não tem impacto financeiro, já que a maioria das pessoas utiliza objetos que tem em casa. O teólogo detalha que não há dado preciso quanto ao surgimento dessa prática, mas teria sido uma adaptação do modelo norte-americano.

O estudioso lembra que o espiritismo aterrissou nos EUA com força a partir das atividades das três irmãs Leah, Margaretta e Catherine Fox, e respondia à crença popular de que seria possível a comunicação entre as forças sobrenaturais com os vivos. "O espiritismo havia sido sistematizado há anos na Europa, e a partir da metade dos século 19 começava a se espalhar pelos EUA, ficando mais conhecido pela metodologia tornada conhecida por meio de batidas nas paredes por supostos espíritos, como conta a história acerca das Irmãs Fox".

Teixeira detalha que o trio fazia perguntas e os supostos espíritos respondiam por meio de batidas nas paredes. A história das irmãs acerca de um espírito que havia sido assassinado naquela casa onde moravam acabou se tornando um tema explorado à exaustão, principalmente nos cinemas. "Quem nunca assistiu a um filme com esse enredo? O fato é que essa postura metodológica de estabelecer contato com o mundo dos mortos por meio de dispositivos como batidas, movimentos de objetos - como a brincadeira do copo -, sons, etc. - tornou o espiritismo uma forma atrativa e lucrativa de eventos em salões e recintos privados".

"Hoje está bem sedimentado que se trata de um fenômeno bem humano"

Muitos mágicos de profissão se aproveitavam dessa prática de "comunicação" iludindo a audiência. "Ficou bem conhecida a história do grande ilusionista Harry Houdini, que depois de se sentir iludido em um sessão na qual a esposa do escritor Conan Doyle, autor de Sherlock Holmes, teria recebido uma mensagem de sua mãe morta algum tempo antes, passou a desmascarar aqueles 'truques mágicos' dos supostos médiuns e seus dons espirituais".

É nesse contexto de poderoso desenvolvimento industrial que surge o Tabuleiro Ouija. "Desconhece-se sua origem, mas seu surgimento coincide com o desejo popular por ter em casa um instrumento que permitia às pessoas fazerem as suas próprias consultas aos espíritos. Era o surgimento do espiritismo consumido tanto como espiritualidade quanto atividade lúdica, pois era um jogo entre vivos e mortos".

A partir de então, ao redor do mundo, ocorreram adaptações, como no Brasil, o jogo do copo. "Não se sabe se possui uma origem histórica ou se é algo do 'mundo espiritual' ou mesmo uma simples jogada de marketing". Quanto à eficácia desses jogos, o especialista afirma que "hoje está bem sedimentado que se trata de um fenômeno bem humano, e não um instrumento efetivo de comunicação com os mortos".

Ele explica que o movimento das mãos sobre o tabuleiro - ou no próprio jogo do copo - é devido às ações ideomotoras dos participantes, somado às formas de interação simbólica de cada um daqueles que participam. Seria a somatória de perspectivas simbólicas e religiosas dos participantes às expectativas e mesmo fragilidades emocionais que podem surgir de luto, tragédias e frustrações individuais; tudo somado ao processo inconsciente de mexer o tabuleiro segundo propensões inconscientes que os cientistas chamam de atividade ideomotora, "isto é, a interação dos participantes com a lógica do jogo, com a lógica simbólica de desejar inconsciente elaborar uma resposta a um desejo dos vivos".