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'Cemitério' de 80 navios, Guanabara acumula sofás, geladeiras e cadáveres

Rafael Souza

Colaboração para o UOL

18/11/2022 04h00

A colisão do navio São Luiz na Ponte Rio-Niterói expôs um problema antigo e que já era denunciado há anos por ambientalistas: a quantidade de embarcações abandonadas na Baía de Guanabara.

O depósito de navios descartados existe há pelo menos 30 anos, mas o problema é mais antigo e remete à poluição que há na região desde o período colonial. A sujeira provoca diversos riscos à segurança, à pesca, ao turismo e, principalmente, ao meio ambiente devido à presença de metais pesados e até à possibilidade de derramamento de óleo.

Atualmente, um mapeamento feito pela Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica, da Universidade Federal Fluminense (UFF), apontou que, além do São Luiz, há ao menos 58 embarcações abandonadas na região da Baía, que já virou um 'cemitério de navios'.

Em outro levantamento, de 2021, o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) diz que são aproximadamente 78 embarcações abandonadas dos mais diversos portes na região, especialmente na Ilha da Conceição e ilhas adjacentes, o que tem causado impactos na operação do Terminal Pesqueiro de Niterói.

Como chegou a esse ponto?

De acordo com o pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, Guilherme Galvão, o uso desenfreado da Baía por embarcações ocorre desde o período colonial brasileiro, quando todas as iniciativas de ocupação europeia se concentraram na mesma região e continuaram até a fundação da cidade do Rio de Janeiro pelos portugueses, em 1565.

"Utilizando os conhecimentos dos indígenas, os portugueses aproveitaram sua bacia hidrográfica no deslocamento de pessoas e mercadorias. Neste contexto, o Rio foi caracterizado como uma "cidade fluvial", explica o historiador.

A chegada de mercadorias pela Baía ao Rio naquele período foi o principal motivador do crescimento urbano. Por outro lado, trouxe também diversas indústrias, como refinarias de petróleo, altamente poluentes.

Com o passar do tempo, a região se tornou o local preferido de despejo de lixo, tanto doméstico, quanto industrial, além das próprias embarcações.

"Hoje, quase todos os rios que desaguam na Baía de Guanabara estão contaminados por esgoto doméstico, industrial e metais pesados. A Baía de Guanabara tornou-se a grande lata de lixo da Região Metropolitana: de sofás e geladeiras a cadáveres humanos - fruto do crescimento da violência - e grandes embarcações, como o navio São Luiz, que atingiu a ponte Rio-Niterói", diz Galvão.

Nas últimas décadas, aliado à falta de iniciativa governamental, outras regiões, como os canais do Cunha e do Fundão, o Caju, a Ilha da Conceição (Niterói) e as margens da BR-101 (Niterói-Manilha), também passaram a concentrar embarcações que são deixadas livremente por diversas empresas.

Para resolver o problema, além da atuação firme dos órgãos de fiscalização, Guilherme Galvão propõe o envolvimento do poder público em toda a Região Metropolitana do Rio. Para ele, falta vontade política.

"A solução envolve municípios que não são banhados pela Baía de Guanabara, mas que, por não possuírem rede de saneamento eficaz, acabam destinando seus esgotos para lá através de seus afluentes. É o caso, por exemplo, de Belford Roxo, um dos principais poluidores do Rio Sarapuí. Quem vai convencer o município de que a poluição da praia de Mauá ou da enseada de Botafogo também é de sua responsabilidade?", questiona.

A respeito da fiscalização sobre as embarcações que ficam ancoradas na Baía de Guanabara, a responsabilidade é da Capitania dos Portos, ligada à Marinha, que foi questionada sobre o assunto, mas não se pronunciou até a publicação desta reportagem.