Topo

'Olho treinado': este paleontólogo acha fóssil até em banheiro de shopping

Cisneros "lê" ossos e rochas; fósseis podem passar batido para quem não pesquisa o tema - Arquivo pessoal
Cisneros 'lê' ossos e rochas; fósseis podem passar batido para quem não pesquisa o tema Imagem: Arquivo pessoal

Marcela Schiavon

Colaboração para o UOL

05/12/2022 09h52Atualizada em 05/12/2022 13h33

O paleontólogo Juan Carlos Cisneros, 49, causou surpresa ao divulgar um achado inusitado: ele encontrou fósseis no banheiro de um shopping em Teresina. "Faz parte da vida de um paleontólogo achar fósseis em qualquer lugar a qualquer hora", escreveu o pesquisador da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Cisneros publicou no Twitter as fotos dos fósseis incrustados em uma divisória de pedra no banheiro do Pintos Shopping, na capital piauiense. As imagens, que mostram vestígios de moluscos do período Cretáceo, há 100 milhões de anos, já alcançaram centenas de curtidas.

Entre os comentários, havia dúvidas e admiração. "Incrível", afirmou um usuário no Twitter. "Como faço para identificar rochas com potencial para achar fósseis?" questionou outro.

Ao UOL, o paleontólogo especializado na área de vertebrados explicou que, embora a descoberta tenha chamado a atenção, não é incomum. E, para encontrar esses vestígios, basta estar atento.

"A gente tem um olho já treinado para isso. Temos costume de observar pedras, rochas e não é tão raro a gente encontrar fósseis em lugares, assim, digamos, pouco comuns", afirmou o pesquisador.

As rochas calcárias se formam no fundo do mar, por meio do acúmulo de sedimentos. Por isso, pode haver animais marinhos incrustados nelas. Alguns exemplos citados por ele são conchas e pequenos peixes.

Essas rochas são usadas em construções recentes, deixando evidentes os vestígios do passado. Pelas características da rocha do banheiro do shopping, ele acredita que ela veio da Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte.

E como ele sabe que o achado no banheiro se trata de um fóssil e não de um desenho qualquer na pedra?

"As formas correspondem com o interior das conchas de um gastrópode. Uma forma parecida poderia surgir de maneira aleatória, mas é muito improvável ter várias delas na mesma pedra", explica.

Cisneros - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cisneros mostra fóssil em rocha de shopping; material é do período Cretáceo
Imagem: Arquivo pessoal

Segundo o pesquisador, esse tipo de registro também ocorre em outras áreas urbanas. Teresina e todo o estado do Piauí é como um paraíso para os paleontólogos.

Na capital do Piauí, há uma floresta petrificada que aflora às margens do Rio Poti. "O Piauí é um lugar muito bom para o trabalho de um paleontólogo porque é um estado com uma riqueza geológica muito grande."

Ele já viu troncos petrificados em calçadas e diz que as pessoas talvez não tenham se dado conta de que se tratava de um fóssil. Na parte externa do Teresina Shopping, também há vestígios milenares, segundo ele.

Pintos Shopping - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fóssil foi encontrado em rocha no banheiro do Pintos Shopping
Imagem: Arquivo pessoal

Cisneros, que se descreve como um leitor de ossos e as rochas, encontra objetos fossilizados na calçada até quando vai passear com seus cachorros. "É um estado com uma história muito rica e relativamente inexplorada. Por isso é bom se dedicar à paleontologia aqui", diz o pesquisador salvadorenho naturalizado brasileiro.

Em outras cidades brasileiras, já houve registros de fósseis inusitados, como no Museu do Amanhã, no Rio. "Deve ser algo que existe em outras construções pelo Brasil, mas que as pessoas ainda não se deram conta."

No museu do Rio, fósseis de moluscos marcam o calcário usado na cobertura do piso e ao redor da instituição. As descobertas viraram pesquisa — um artigo científico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) abordou o tema. Segundo os autores, há pelo menos cinco tipos de fósseis em diferentes estados de conservação no museu.

Teresina Shoping - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vestígios encontrados por Cisneros no Teresina Shoping
Imagem: Arquivo pessoal

O que fazer se esbarrar em um fóssil?

No banheiro, no shopping, no museu... Se você suspeita de que encontrou um fóssil, há algumas dica a seguir:

  • Não retirar. A primeira recomendação é deixar onde está sem tentar removê-lo. Em alguns casos, o fóssil pode ser frágil e quebrar quando extraído sem as técnicas que os profissionais utilizam, segundo Cisneros.
  • Preservação. Deixar o fóssil no local também é o ideal para preservar o passado e para que mais pessoas conheçam a história do planeta.
  • Fotos. Outra dica é tirar fotos dos vestígios com algo que remeta ao tamanho, como uma régua ou uma caneta.
  • Pesquisa. As imagens podem ser encaminhadas para a UFPI, que avalia se são de fato fósseis ou não.