Sem banho e bebendo água da pia: intercambista relata abandono em aeroporto
Giovany Freitas, de 18 anos, imaginou que realizaria o sonho do intercâmbio, mas a viagem se transformou em um pesadelo.
O jovem de Osasco (SP) conta que ganhou uma promoção feita por uma agência para estudar na França durante três semanas, mas nem chegou a pisar no país.
Nos últimos nove dias, ele conta a saga para tentar chegar a Paris: em supostas escalas improvisadas, voou para o Chile, Peru e Colômbia.
Cansado, teve de contar com a ajuda de amigos, que custearam a passagem de volta ao Brasil ontem.
Fiquei sem tomar banho quase quatro dias, sem comer dois. Tomei água da torneira do banheiro do aeroporto, porque estava sem dinheiro
Giovany
Concurso nas redes sociais
A promoção foi feita pela agência Agnus, de Agudos, no interior de São Paulo.
O sorteio consistia em publicar fotos e vídeos usando a tag da agência nas redes sociais. "Ganhei em primeiro lugar. O prêmio era uma viagem com tudo pago, que foi marcada para o dia 7 de janeiro."
Conforme o post, o prêmio incluía três semanas de curso e acomodação, além de passagem aérea de ida e volta. O estudante vencedor poderia escolher o destino.
O contrato firmado entre Giovany e agência, enviado por ele ao UOL, indica que o curso de francês seria do dia 9 ao 27 de janeiro, com 20 horas semanais na Accord Paris.
A escola, no entanto, diz que não encontrou "nenhuma troca de e-mail com esta agência sobre Giovany Freitas, o que significa que nós, aqui em Paris, não fomos contatados por esta agência e este aluno nunca foi registrado conosco".
A Accord Paris confirmou que já recebeu três alunos pela Agnus entre os anos de 2021 e 2022. Mas, no momento, não tem nenhuma inscrição ou solicitação para 2023 pela agência.
A saga das conexões
Na primeira semana deste ano, o jovem disse que recebeu uma ligação da agência para reagendar a viagem para o dia 14. Ele não poderia, então negociou de viajar no dia 10 e ganhar dois passeios na França, para compensar.
"Já tinha entregado minha casa, pedido demissão do meu emprego, não tinha familiar perto e não podia ficar na casa de amigos", explicou.
Ele chegou ao Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no dia 9 para embarcar no dia seguinte.
Neste momento, diz que sequer tinha a passagem aérea em mãos, porque a agência alegou que o sistema de emissão estava fora do ar.
Entraram em contato comigo na terça, dizendo que estavam felizes por mim e que o 'grande dia' tinha chegado. Mas a passagem nunca chegava."
No início da noite, ele recebeu dois bilhetes: um para Lima e outro para Bogotá. Mas, quando chegou o horário de embarcar, descobriu que o voo para Lima ainda tinha escala em Santiago.
Sem muita opção, embarcou para o Chile. No dia seguinte de madrugada, voou para o Peru. Chegou à Colômbia às 3h29 do dia 14 de janeiro. Ou seja, quatro dias depois.
Eu estava cansado, exausto. Pedi para cancelar, falei que não estava aguentando. Pediram para eu esperar, porque já estava quase chegando
Giovany
Foi apenas no dia 16, que a ficha caiu: ele entendeu, finalmente, que não conseguiria chegar a Paris.
Mas a saga não terminou.
Em Bogotá, ele foi para um hotel indicado pela agência, mas no dia 16, teve de sair porque a reserva era para apenas um dia.
Entrei em contato com a Agnus para pagarem a diferença e me enrolaram. Fui chamar o Uber, e o cartão da empresa deu problema. O homem da recepção viu que não tinha o que fazer e disse que eu não precisava pagar. Agora, estava na rua e com o celular descarregado, sem suporte. Fiquei muito assustado e cheguei a ter crise de ansiedade, porque demoravam a responder e eu não sabia o que fazer
Giovany
Ele diz que nunca foi informado de que a viagem teria tantas conexões, então ele não levou moeda local.
Nem na hora de voltar para casa Giovany teve assistência da agência, diz.
Ele só embarcou para o Brasil, porque outros clientes lesados pela Agnus se uniram e ajudaram a pagar a passagem dele.
O único valor pago pela Agnus, até agora, segundo Giovany, foi o transporte dele para o aeroporto.
"Quando falei que desisti, me responderam rápido."
Nota da empresa
Após a publicação da matéria, o advogado da Agnus enviou nota em que afirma que "a empresa aérea cancelou no dia 11/01 o voo que seria de Bogotá - Paris", sem apresentar dados sobre o número do voo que teria sido cancelado nem outros detalhes.
Um dos documentos enviados pela agência e atribuído a uma companhia aérea diz que "o pedido de compra foi rejeitado devido a inconsistências nos dados introduzidos" e que a reserva — feita pela agência — foi cancelada.
A agência também afirmou que, "em razão do alto custo que envolve a compra de passagem, a Agnus precisou aguardar o reembolso da cia aérea para poder realizar uma nova compra".
A Agnus argumenta, ainda, que os custos pagos pela agência "eram relacionados apenas ao voo, escola e acomodação" e que resolveu auxiliar Giovany com gastos, "mesmo com tais valores não fazendo parte do prêmio sorteado". Eles também dizem que ficaram em contato com Giovany "a todo momento".
No entanto, segundo o presidente da comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior, se o voo foi mesmo cancelado por problemas operacionais da companhia aérea (e não por erro de pagamento ou no fornecimento de dados), a companhia aérea deveria alocar o jovem em outro voo — e a agência tem obrigação de prestar assistência para que isso ocorresse o mais rapidamente possível.
"Não existe isso de esperar reembolso. O consumidor não pode ser prejudicado. Se a companhia aérea falhou com o voo, quem teria de resolver isso é a agência. Ele tinha curso com prazo determinado [a partir do dia 9/1]", avalia Almeida Júnior.
Relação de consumo
Ainda que Giovany tenha sido vencedor de um concurso e não tenha pagado pela viagem, a relação de consumo existe, diz o presidente da comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP.
O fato de o jovem não ter chegado a Paris a tempo de iniciar o curso no dia 9 de janeiro, como previsto em contrato, já implica quebra da cláusula do documento — o que pode gerar indenização por danos materiais e morais.
"Criou uma expectativa nele, ele viajou em vão para outro país. A proposta do contrato não foi cumprida", avalia Jesualdo.
O especialista explica, ainda, que mesmo que o contrato traga ressalvas que não apareciam na peça publicitária divulgada pela empresa nas redes sociais — como a inclusão de taxas e translados — na dúvida, a interpretação sempre deve ser favorável ao consumidor.
Ao UOL, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou que a empresa é alvo de quatro processos por dano moral e material desde setembro de 2022.
Já o Procon-SP localizou sete reclamações contra a empresa. São quatro sobre "dificuldade na devolução de valores pagos", uma sobre "cobrança por serviço não fornecido", uma sobre "dificuldade para alterar ou cancelar o contrato" e uma sobre "multa indevida/abusiva".
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