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A que crimes a aluna da USP que desviou dinheiro pode responder?

Alícia entrou no curso de medicina da USP em 2018 - Lattes/Reprodução
Alícia entrou no curso de medicina da USP em 2018 Imagem: Lattes/Reprodução

Alexandre Santos

Colaboração para o UOL

21/01/2023 04h00

Investigada por ter desviado R$ 937 mil do fundo de formatura dos alunos do curso de medicina da USP, a universitária Alicia Muller, 25, poderá responder pelos crimes de apropriação indébita, estelionato e lavagem de dinheiro.

O que diz a legislação brasileira sobre esses crimes:

  • apropriação indébita: crime previsto no artigo 168 do Código Penal, com pena de 1 a 4 anos de prisão e multa;
  • estelionato: crime previsto no artigo 171 do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos de prisão;
  • lavagem de dinheiro: crime previsto na lei 12.683/12, a chamada Lei de Lavagem, com pena de 3 a 10 anos de prisão.

Em depoimento na quinta-feira (19) à delegada Zuleika Gonzales Araújo, Alicia confessou o desvio de R$ 937 mil arrecadados pela turma de formandos e o crime de apropriação indébita de parte desse valor. Antes, a informação era de que ela havia desviado R$ 927 mil —a diferença de valores não foi explicada.

Segundo uma das linhas de investigação, a jovem tentou obter lucro por meio de apostas na Lotofácil usando o dinheiro da formatura.

Apropriação indébita. Membros da comissão de formatura afirmam que Alicia descumpriu um estatuto ao movimentar o montante sem a assinatura de nenhum outro membro do grupo e transferindo-o a uma conta pessoal.

Conforme o que já foi noticiado até agora, se a estudante teve a posse desse dinheiro de forma lícita, por meio de uma transferência na conta dela, podemos enquadrar como uma apropriação indébita, que tem a redação legal bastante clara, que diz: 'Apropriar-se de coisa alheia móvel de quem tenha a posse ou a detenção'.
Lucas Dantas, advogado especialista em direito público e com atuação em direito criminal

Na avaliação de Dantas, o estatuto em questão também poderá ter valor judicial para responsabilização civil da investigada.

Estelionato e lavagem de dinheiro

Há uma série de etapas a serem analisadas. Mas não é comum que uma única pessoa possa fazer isso sem a autorização dos demais integrantes do grupo. Normalmente, a autorização para a retirada só seria possível com anuência das pessoas envolvidas. Na tese de ela ter se utilizado de engodo, de fraude ou ardil para obter vantagem econômica, pode-se cogitar uma possível ocorrência de crime de estelionato.
Glauter del Nero, membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB-SP

Sobre a lavagem de dinheiro, o advogado explica que trata-se de um crime complementar, que depende da prática de outro delito. No caso de Alicia, isso se caracterizaria pelas apostas lotéricas feitas com o dinheiro da formatura — caso tenham sido feitas como forma de mascarar a origem do montante. A lei pode ser aplicada contra quem tenta ocultar ou dissimular a natureza, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Ressarcimento

Até o momento, me parece que a faculdade não tem nenhum vínculo com esse tipo de arrecadação ou do repasse desses valores para a própria investigada. Então acho muito difícil descambar para uma responsabilização da faculdade.
Lucas Dantas, advogado especialista em direito público e com atuação em direito criminal

Quanto à versão da estudante, de que fora vítima de uma fraude da corretora Sentinel Bank, só a apuração policial poderá esclarecer tal acusação. Dantas ainda afirma que, se de fato ela foi alvo de um golpe, também deverá tomar providências legais para se resguardar.

"Ela tem que prestar um boletim de ocorrência na polícia e demonstrar de todas as formas os prejuízos que diz ter sofrido diante da suposta fraude praticada contra ela. Isso, porém, não vai isentá-la de responsabilidade com a apropriação dos valores sacados sem autorização", analisa o advogado.

Já a possibilidade de o caso ser solucionado por meio de um acordo extrajudicial dependeria de um consenso entre a investigada e as partes prejudicadas.