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Rato, comida estragada e lotação: o que diz resgatado de 'escravidão' em SP

Ao todo, 15 pessoas foram resgatadas de restaurante na Vila Formosa - Polícia Civil de SP
Ao todo, 15 pessoas foram resgatadas de restaurante na Vila Formosa Imagem: Polícia Civil de SP

24/01/2023 04h00Atualizada em 24/01/2023 08h50

Resgatado vivendo em situação análoga à escravidão, um auxiliar de cozinha de um restaurante japonês localizado na Vila Formosa, zona leste de São Paulo, contou ao UOL que vivia em condições precárias com mais 15 colegas, comia comidas vencidas e não recebia corretamente o salário.

O homem de 30 anos, que preferiu não ser identificado, foi retirado do local pela polícia na quinta-feira (19) após uma denúncia feita ao Ministério Público. A gerente do restaurante, uma mulher de 39 anos, foi presa e liberada após audiência de custódia.

Ainda ontem, a Polícia Civil informou que o inquérito foi encerrado e encaminhado à Justiça.

Natural de Patos (PB) e vivendo na capital paulista há cinco meses, o funcionário chegou à cidade para trabalhar em outro restaurante da rede, em Pirituba, região noroeste da cidade. Mas resolveu mudar de unidade porque um amigo de infância contou que precisava de funcionários na Vila Formosa — onde trabalhava desde novembro de 2022.

Era tudo um horror. Tudo um horror. Parede mofada, bicho, rato. Contando comigo, eram 16 pessoas morando nesse quadrado, nesse alojamento. A gente vivia largado. Eu nunca tinha passado por um absurdo desse na minha vida
Funcionário de restaurante resgatado pela polícia em situação análoga à escravidão

Além de ter os valores da passagem para São Paulo e dos alimentos que comiam descontados do salário, os pagamentos atrasavam e eram irregulares, assim como a jornada de trabalho. O homem contou que trabalhava em dois períodos — de manhã até o início da tarde, e do fim do dia até a madrugada —, mas não recebia horas extras ou adicional noturno.

"Se eu soubesse que era essa situação, não tinha vindo. Era totalmente diferente. Eu soube ontem que ganhava R$ 1,4 mil, porque eles pagavam cada mês um valor. Às vezes, no dia 5 do mês, pagavam R$ 500, às vezes R$ 600 ou R$ 700. Depois, no dia 20, pagavam mais um tanto. Então não dava para saber quanto era o salário", explicou.

O funcionário também contou que uma das orientações era reaproveitar alimentos de um cliente para o outro.

Quando ia para a mesa e voltava sem vestígio de estar mexido, se a gente fosse jogar no lixo, eles descontavam do nosso salário, brigavam com a gente, e até advertiam
Funcionário do restaurante, em entrevista ao UOL

Durante a visita da polícia, alimentos em mau estado de conservação e vencidos também foram encontrados no local. Por fazer muitas das refeições no restaurante, o funcionário contou que ele e os colegas também acabavam comendo os produtos estragados.

Além disso, o homem contou que apesar de pedirem melhorias no alojamento, nunca foram atendidos. Segundo ele, os patrões faziam promessas que não eram cumpridas. Sobre a situação dos alimentos no restaurante, ele contou que havia medo de demissão entre os funcionários e, por isso, evitavam falar sobre.

Mas, após a operação policial no estabelecimento, a conversa mudou. O funcionário contou que está em um hotel custeado por um dos donos, e que foi procurado para tentar resolver a situação.

"Um dos donos do restaurante me ligou, falou que iria ajeitar para pagar meus direitos. Mas quando a gente foi fazer as contas, colocaram até coisas que não eram minhas, que eram de outros funcionários, para eu pagar. Então eu disse não. Vou procurar um advogado, procurar os meus direitos, e aí eu vejo isso", conta.

O UOL tentou contato com o estabelecimento, mas não obteve retorno. Ontem, o restaurante publicou uma nota de esclarecimento nas redes sociais dizendo que "os fatos alegados serão, em tempo oportuno, devidamente esclarecidos no bojo do processual judicial e administrativo".

"A empresa investigada se resguarda ao direito de se manifestar no momento processual adequado sobre o que for necessário à elucidação dos fatos e demonstração da verdade real", diz a nota.