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Mãe amputada no RJ cobra prótese ao ouvir de médico: 'era a vida ou a mão'

Gleice Kelly Gomes, 24, teve a mão e o punho amputados após dar à luz em um hospital no Rio de Janeiro - Arquivo pessoal
Gleice Kelly Gomes, 24, teve a mão e o punho amputados após dar à luz em um hospital no Rio de Janeiro Imagem: Arquivo pessoal

Daniele Dutra

Colaboração para o UOL, no Rio

25/01/2023 10h55Atualizada em 25/01/2023 15h20

Após reunião com administração e médicos do Hospital NotreDame Intermédica, no Rio de Janeiro, a mulher que foi internada para dar à luz e acabou tendo mão e punho amputados após o nascimento do filho, acredita que houve erro médico em seu tratamento e disse ter interesse que a unidade de saúde providencie uma prótese para facilitar a adaptação à nova vida.

Gleice Kelly Gomes Silva, 24, disse que ouviu de médico representante do hospital, nesta terça-feira (24), que, em seu caso, "era a vida ou a mão". Hoje, a família dela presta depoimento à polícia, na 41ª DP.

Ela aguarda agora o resultado da perícia feita pelo IML (Instituto Médico Legal) e pelas investigações conduzidas pelo Conselho Regional de Medicina e Ministério Público do Rio de Janeiro para ter respostas definitivas.

Um dos dois médicos, acompanhado de duas mediadoras e um representante jurídico, negou, em nome do hospital, ter havido negligência no atendimento e disse: "realmente não tinha mais nada para fazer, e os procedimentos feitos foram ou para salvar a vida dela ou a mão. Uma coisa ou outra".

A amputação de mão e punho esquerdos ocorreu no pós-parto do terceiro filho de Gleice, no dia 9 de outubro. Antes de o caso ser divulgado na imprensa, a fiscal de caixa disse ter lutado por respostas oficiais, sem sucesso. Na reunião organizada pelo hospital, foram discutidas as ofertas de prótese, reabilitação e uma indenização, sem valores acordados.

Não aceitamos acordo nenhum nesse momento, mas vamos continuar em contato com o hospital. A prótese e a reabilitação, a Gleice com certeza vai aceitar. Eles já poderiam ter feito isso há muito tempo, inclusive. Existe seguro de saúde para isso, para esse tipo de fatalidade.
Monalisa Gagno, advogada da paciente

Para Gagno, um possível erro médico "ficou evidente". Ela destaca que familiares perguntaram diversas vezes sobre o que estaria acontecendo com o braço de Gleice, mas nada foi feito por pelo menos 12 horas.

A advogada e a paciente dizem que também ouviram, durante a reunião, que a divulgação na imprensa "tem causado muito prejuízo para a empresa". "Essa reunião só serviu para mostrar que nada foi feito mesmo. Será que todo mundo que tem hemorragia perde uma mão? Um membro? Estão todos muito revoltados e estamos esperando um posicionamento da Cremerj, com uma boa sindicância e da ANS para saber se o que foi feito de fato foi o suficiente", conclui Gagno.

Entenda o caso

  • Gleice foi admitida para um parto normal em 9 de outubro de 2022, com 39 semanas de gestação.
  • Após apresentar complicações devido a uma hemorragia, ela precisou ser transferida para a unidade hospitalar de São Gonçalo, na região metropolitana.
  • Enquanto tratava o quadro hemorrágico, o acesso para receber medicamentos no braço esquerdo, feito no Hospital da Mulher de Jacarepaguá, preocupava Gleice e a família, devido ao inchaço e coloração arroxeada na mão.
  • Cerca de 12 horas depois, segundo a família da paciente, os funcionários decidiram pegar um acesso no outro braço e em seguida, um acesso profundo no pescoço da paciente.
  • Gleice foi transferida, sua mão e seu antebraço estavam roxos, e quatro dias depois, ela recebeu a notícia que precisaria fazer uma amputação.

O médico falou que não foi o acesso venoso que causou a amputação da Gleice, que não teve relação. Ele disse que ou salvava a vida dela, ou a mão. Quer dizer, você só pode ter um problema, se tiver dois, vai ter que escolher? Tinha que ter uma equipe médica capacitada para fazer as manobras corretas.
Monalisa Gagno, advogada da paciente

Confira, na íntegra, o que o hospital diz ter acontecido:

O Hospital da Mulher afirma, em nota ao UOL, que, no atendimento de Gleice, foram disponibilizados todos os recursos materiais e humanos, incluindo três anestesiologistas, nove obstetras e três cirurgiões vasculares, além de equipe de enfermagem. Diz ainda que "foram seguidos todos os protocolos para casos de hemorragia grave antes da transferência da paciente. "Foram ministrados os medicamentos necessários; uma curetagem foi realizada; e dois balões de Bakri foram colocados".

"Com objetivo de garantir à paciente Gleice as melhores condições de assistência na recuperação, o Hospital da Mulher pôs a sua inteira disposição profissionais capazes de prestar acompanhamento médico, apoio psicológico e serviços de fisioterapia. Também lhe ofereceu a possibilidade de colocação de uma prótese que permita sua readaptação à rotina", diz o comunicado.

Anteriormente, a unidade de saúde descreveu o passo a passo do atendimento e o que pode ter levado à amputação:

  • A paciente tinha histórico de múltiplas gestações, inclusive com algumas complicações, o que aumenta risco de hemorragia pós-parto, além de diabetes gestacional;
  • O parto ocorreu sem intercorrência, com bebê nascido vivo e bem;
  • A paciente apresentou quadro importante de hemorragia pós-parto, evoluindo para um choque hemorrágico grave secundário a atonia uterina e inversão uterina. Tal quadro é responsável por 60% de mortes maternas no período pós-parto: 45% destes óbitos ocorrem nas primeiras 24 horas. A hemorragia pós-parto é responsável por 25% de todas as mortes maternas no mundo, segundo a literatura médica;
  • As medidas imediatas tomadas na unidade hospitalar garantiram a manutenção da vida da paciente;
  • O braço esquerdo foi imediatamente tratado desde os primeiros sinais de isquemia secundário ao choque hemorrágico, conforme consta no relatório médico;
  • Todas as medidas e decisões tomadas priorizaram salvar a vida da paciente até que ela apresentasse melhores condições para transferência para um hospital de maior complexidade;
  • A paciente recebeu assistência de todos os médicos, especialistas e recursos necessários na tentativa de preservar o braço esquerdo. Porém, devido à irreversível piora do quadro com trombose venosa de veias musculares e subcutâneas, houve a necessidade de se optar pela amputação do membro em prol da vida da paciente.