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RJ: Pais que perderam bebês denunciam hospital que amputou braço de mulher

Hospital da Mulher NotreDame Intermédica, de Jacarepaguá, é parte em pelo menos 10 inquéritos da 41ª DP - Reprodução/Google Street View
Hospital da Mulher NotreDame Intermédica, de Jacarepaguá, é parte em pelo menos 10 inquéritos da 41ª DP Imagem: Reprodução/Google Street View

Daniele Dutra

Colaboração para o UOL, no Rio

01/02/2023 12h56Atualizada em 01/02/2023 14h29

Após a divulgação do caso da mãe que foi dar à luz e teve mão e punho amputados, o Hospital da Mulher NotreDame Intermédica, de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, passou a ser alvo de diversas denúncias de ex-pacientes. A procura de Gleice Kelly Gomes Silva, 24, por uma explicação para o fato de ter perdido parte do membro esquerdo acabou inspirando 15 famílias a buscarem a polícia, pela 41ª DP, para pedir investigação sobre o que teria "dado errado" em seus atendimentos que resultaram de infecções a perdas de úteros ou de bebês.

Há um ano, a redatora Gabriela Marques, 27, luta por justiça pela perda do seu filho único, que nasceu com vida, saudável, mas quando começou a ter problemas respiratórios, não foi socorrido a tempo. Era janeiro de 2022 e o parto ocorreu sem intercorrências. Mãe e filho foram conduzidos a um quarto, mas o pai do menino, o professor de educação física Carlos Leonardo Marques dos Santos, 28, percebeu que tinha algo errado.

O bebê não parava de chorar e demonstrava algum tipo de desconforto. De imediato, o pai pediu ajuda aos enfermeiros e solicitou a presença do médico. Segundo o casal, os profissionais só teriam aparecido após cerca de quatro horas, e a criança já estaria com baixa saturação e necessitada de um respirador àquela altura.

"Levaram meu filho para a UTI pelo meio da rua, pois não tinha ambulância para transportá-lo. Só apareceu a equipe médica após às 22 horas para nos socorrer, sendo que fomos para o quarto pouco depois das 18h", diz Gabriela. "O sentimento de impotência foi muito grande, jamais imaginávamos que o nosso filho fosse ficar tanto tempo sem um suporte", completa Carlos Leonardo.

O casal conta que uma enfermeira e uma pediatra, acompanhadas do pai, foi correndo com o bebê no colo até uma outra unidade de saúde, pois no hospital não havia respirador, equipamentos para suporte emergencial ou ambulância para transportar o recém-nascido em segurança. O primeiro filho do casal não resistiu e acabou morrendo antes de ser entubado.

Naquele momento não deu para mensurar o sentimento de desespero e o tamanho da gravidade do caso. Era algo que estava fora do controle, pois a única ambulância que era para estar ali de prontidão, estava em outro local muito distante, e a espera dessa ambulância acarretaria em um possível óbito do meu filho.
Carlos Leonardo Marques dos Santos, professor de educação física

casal - Gabriela Marques/Arquivo pessoal   - Gabriela Marques/Arquivo pessoal
Criança nasceu saudável em janeiro de 2022, segundo os pais
Imagem: Gabriela Marques/Arquivo pessoal

"Até hoje, tudo o que recebi do hospital foi um atendimento negligente e agressivo. Entrei com meu filho saudável na barriga e saí apenas com o corpo frio, depois de tanto tempo agonizando, enquanto funcionários nos atendiam de mau humor e sem qualquer técnica", relata Gabriela ao UOL. O caso é investigado pela 41ª DP, que também averígua o episódio da amputação.

Sinto que parece que a vida do meu filho, assim como a de diversas outras crianças ou mães, não valessem nada. Como se não houvesse qualquer consequência para tanta imperícia por parte do hospital.
Gabriela Marques, denunciante

A balconista Maria Lúcia Alves de Lima, 35, acredita que ela e sua filha tenham sido mal atendidas. No dia 26 de dezembro, já internada, ela recebeu a notícia que sua bebê estava morta, dentro do ventre. Mas ela ainda precisou fazer o parto sem acompanhamento especializado.

Na hora do parto não tinha nenhuma médica para me ajudar. Eu estava em choque, só sabia chorar muito. Sentia muitas contrações, meu marido chamou as enfermeiras, mas elas disseram que a médica só viria depois que o bebê nascesse. Eu gritava, mas ninguém vinha onde eu estava. Consegui ter a neném sozinha, apenas com a ajuda do meu esposo.
Maria Lúcia Alves de Lima, balconista

A exposição de mãe e filha teria começado muito tempo antes do parto em si, por precisar esperar 12 dias para finalmente conseguir ser internada. No dia 6 de dezembro, quando estava com 24 semanas de gestação, Maria foi ao médico para exames de rotina, mas o resultado da ultrassonografia transvaginal e morfológica deu revelou um afunilamento do colo do útero, que colocaria em risco sua gravidez. A recomendação foi de internação com urgência, para que uma equipe tentasse manter o bebê no ventre até a 32ª semana.

Apesar disso, a mulher se consultou com outras duas médicas nos dias seguintes. A primeira, que a acompanhava, apenas fez um exame do toque e lhe pediu apenas repouso do trabalho, sem qualquer atestado médico. A segunda foi num plantão de emergência, quando passou a sentir dores e ardência na urina. Foi admitida na hora. Oito dias depois, descobriu a perda.

"Fiquei internada do dia 18 ao dia 26, mas fui muito negligenciada. Só tinha médico pela manhã. Passava muito mal durante a noite, madrugada, vomitava, sentia enjoo, dores e contrações. No dia 26, recebi a notícia que minha filha estava sem vida. Me deram um remédio para forçar o parto, mas estava em choque, só chorava. Eu lembro que eu nem conseguia abrir as pernas, não tinha forças e nem tinha ninguém para me ajudar, já que a médica tinha avisado que só viria quando nascesse. Só Deus me ajudou naquele momento", relatou a mulher. "Depois eu fiquei sabendo que a unidade não tinha UTI Neonatal. Como eu teria a minha filha ali, prematura?", questiona.

De acordo com a 41ª DP (Tanque), até o momento, há 15 registros denunciando possíveis erros médicos do hospital, e os casos estão em diferentes etapas da investigação. Vítimas, familiares, testemunhas e representantes do hospital foram ouvidos e outros depoimentos estão previstos. Exames e documentos médicos foram solicitados e, os que já foram juntados, estão sendo analisados. Agentes da unidade realizam diligências a fim de esclarecer todas as circunstâncias envolvendo os casos registrados.

Gleice - Zô Guimarães/UOL - Zô Guimarães/UOL
Após complicações no parto, Gleice Kelly precisou amputar a mão e o pulso
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Entenda o caso Gleice Kelly, que inspirou novas denúncias

  • Gleice foi admitida para um parto normal em 9 de outubro de 2022, com 39 semanas de gestação.
  • Após apresentar complicações devido a uma hemorragia, ela precisou ser transferida para a unidade hospitalar de São Gonçalo, na região metropolitana.
  • Enquanto tratava o quadro hemorrágico, o acesso para receber medicamentos no braço esquerdo, feito no Hospital da Mulher de Jacarepaguá, preocupava Gleice e a família, devido ao inchaço e coloração arroxeada na mão.
  • Cerca de 12 horas depois, segundo a família da paciente, os funcionários decidiram pegar um acesso no outro braço e em seguida, um acesso profundo no pescoço da paciente.
  • Gleice foi transferida, sua mão e seu antebraço estavam roxos, e quatro dias depois, ela recebeu a notícia que precisaria fazer uma amputação.

Depois do caso da Gleice, outras mães começaram a identificar que foi no mesmo local que elas tiveram problema. Essas mulheres querem não só entrar com um processo, mas serem testemunhas e colaborarem de alguma forma, com o que for preciso, porque elas também passaram por isso. Tenho relatos de pessoas perdendo útero, com infecção hospitalar, mulheres perdendo seus bebês, uma avó que perdeu a filha e o neto. Já são mais de 18 casos e mais de 10 registrados na 41ª DP.
Monalisa Gagno, advogada de Gleice Kelly, paciente amputada

Mulher amputada após dar à luz filho tenta reaprender atividades simples

O que diz o hospital

Sobre a amputação de Gleice, o hospital nega que tenha ocorrido erro médico e negligência. Em nota, eles ainda dizem que ela "recebeu assistência de todos os médicos, especialistas e recursos necessários na tentativa de preservar o braço esquerdo. Porém, devido à irreversível piora do quadro com trombose venosa de veias musculares e subcutâneas, houve a necessidade de se optar pela amputação do membro em prol da vida da paciente.

Sobre as pacientes que passaram a acusar o hospital, o Hospital da Mulher diz "entender" que "todos os pacientes e familiares têm direito a todos os esclarecimentos e dirimir suas dúvidas".

A administração da unidade de saúde afirmou, em nota ao UOL, que instaurou uma investigação interna "dentro da maior lisura e transparência. Se identificado qualquer falha, atuará com o rigor exigido".

O hospital destacou ainda que realizou mais de 2 mil partos em 2022, que mantém indicadores dentro da normalidade e não registrou mortes maternas em 2022. A empresa, no entanto, não se manifestou sobre casos de mortes infantis na unidade.