'Ninguém acreditaria': ela faz sucesso mostrando tesouros achados no lixão
"Olha o 'achadinho' de hoje, pessoal." É assim que Roseli Ferreira Alves, 39, de sorriso no rosto, inicia seus vídeos divulgados nas redes sociais.
A frase seria comum para quem caça acessórios e vestimentas em brechós, por exemplo, mas além de peças do vestuário, ela vai salvando comidas, eletrônicos, perfumes e vários itens que encontra diariamente na estação de transbordo de lixo de Miracatu (SP), a 137 km da capital.
Em meio a uma montanha de sacos plásticos e uma multidão de urubus, Roseli coleciona achados e também seguidores — já são 901 mil no TikTok e 804 mil no Instagram.
Além de relógios, utensílios de beleza ainda lacrados e até uma peça inteira de carne pesando 4 kg, ela diz já ter encontrado coisas que mantém em segredo porque "ninguém acreditaria se ela mostrasse tudo o que vê".
Ao longo dos anos em que frequenta o transbordo, local onde resíduos são despejados até serem transportados por caminhões maiores a um aterro sanitário, a influenciadora conta que nem tudo que localiza é agradável.
Os "piores" achados são cachorros, gatos e outros animais mortos. "Não faço vídeo de tudo que a gente acha porque é muita coisa. Tem gente que pensa que é mentira. Então tem coisa que a gente não mostra mesmo."
Fico com dó [de ver tanta comida boa jogada no lixo] porque, se você pedir um prato de arroz para sustentar sua família, eles [comerciantes] não dão. Chamam de 'vagabundo', dizem que a gente 'não tem vontade de trabalhar', mas aí pegam e jogam a comida fora. Dono de mercado é a mesma coisa: diz que não pode doar, mas tem vezes que joga um carro [cheio] de coisa fora.
Roseli Ferreira Alves, influenciadora
Uma vida no lixo
Roseli conhece a realidade de lixões de longa data. A mãe e o padrasto costumavam pegar roupas, doces, bolachas, que não tinham condições de comprar, para levar à família.
Na juventude, Roseli trabalhou fora e se casou aos 18 anos. Teve quatro filhos do mesmo pai e voltou ao local ao se tornar mãe solo, quando se separou do então companheiro, que não ajudou mais a família.
Foi muito sofrido. Às vezes, os meus filhos não gostam que eu fale porque eles começam a chorar. Era mãe solteira, com filhos pequenos, não tinha condição de pagar ninguém para tomar conta das crianças.
No desespero de ver os filhos pequenos pedirem o que comer, Roseli chegou a machucar as mãos enquanto tentava pegar os itens mais rapidamente no lixo. Ela precisou fazer uma cirurgia e começou a trabalhar em uma cooperativa após a recuperação.
Quando as crianças eram pequenas, a comida diária da família era chuchu e restos de carne jogados no lixo pelos açougues do bairro.
Sucesso sem luxo nas redes sociais
O trabalho como influencer começou com vídeos no YouTube, principalmente fazendo comida. Depois, ela pediu ajuda à sobrinha para publicar em mais redes e "mostrar a realidade para esse povo que fica reclamando da vida".
Um dos filhos foi contra: ele alertou que as pessoas poderiam "tirar sarro" dela e de suas características físicas — Roseli é uma mulher negra e gorda.
Os comentários maldosos realmente vieram — dizem que ela não deveria estar naquele lugar e que, com tantos seguidores, não precisaria mais pisar num lixão. "Ninguém acredita na gente. 'Ah, porque tem não sei quantos seguidores, está bem, está rica'. Mas ninguém sabe o que acontece na minha casa", conta.
Além de questionamentos sobre o trabalho, Roseli ainda enfrenta gordofobia no "tribunal" da internet — e tenta não se importar. Mas o preconceito, no entanto, não se limita às redes sociais.
A pessoa já começa a tapar o nariz [quando entramos em algum lugar]. Isso é chato porque tudo é trabalho. Se eu estivesse roubando, vendendo droga, poderia me envergonhar, mas estou em um serviço honesto. Eles mexem muito com a minha gordura, meu Deus do céu. Se cada vez que mexessem comigo [na questão da aparência], eu perdesse dez gramas, eu era a mulher mais magra do mundo.
Dinheiro ainda contado
Hoje, após o crescimento do público na internet, Roseli consegue ter renda para ir ao mercado e fazer a "compra do mês", todo dia 28.
Ela e a família — o filho mais jovem hoje tem 17 — vivem com o dinheiro recebido pelas visualizações no TikTok, rifas que ela faz com o sorteio de prêmios aos seguidores e venda da reciclagem de itens achados no transbordo.
Em janeiro, pela primeira vez, ela recebeu R$ 2 mil do TikTok. Nas outras plataformas, porém, ainda não recebe nenhum centavo.
[O dinheiro que eu recebo] é quase para a família inteira. É para minha mãe, dou uma ajudinha para minha irmã, parentes pedem ajuda também.
Ela diz que a família ainda come alimentos que encontra no lixão, mas somente se não forem perecíveis e estiverem dentro do prazo de validade — carnes estão entre os itens descartados.
A influenciadora afirma que, hoje, não deixaria a área de transbordo para trabalhar em um emprego formal e ganhar um salário mínimo, mas aceitaria se o valor fosse maior. "Hoje em dia as coisas estão caras, tenho de ajudar minha mãe que é idosa e tem câncer. Com R$ 1,2 mil, o que vou fazer?", indaga. "A gente vê a internet como um trabalho também."
O sonho é um dia não precisar mais ir ao local para conseguir o sustento: o plano é abrir uma loja ou lanchonete e também não depender dos ganhos com a internet, que são incertos.
Não posso cuspir no prato que eu comi, mas, para mim, seria o dia mais feliz da minha vida [quando eu e minha família] deixarmos o transbordo]. Não adianta ficar lá trabalhando com meus filhos, sabendo que, quando ficarmos velhos, as doenças virão.
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