Por que Pernambuco se tornou estado que mais mata pessoas trans no Brasil?
Em 2022 —pela primeira vez—, Pernambuco foi o estado que mais matou pessoas trans e travestis no Brasil. Em números absolutos foram 13 assassinatos, de acordo com o dossiê anual da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). De 2017 a 2022, foram 59 homicídios no estado —que está na sexta posição.
Para Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da Antra, o principal motivo para Pernambuco ocupar o topo da lista é a omissão no enfrentamento a violência. "Nos últimos seis anos, Pernambuco circulou entre os dez estados que mais assassinam pessoas trans e o Estado ignorou as constantes denúncias, as campanhas e a própria divulgação dos dados", afirma.
Estados que tiveram mais assassinatos em 2022:
- Pernambuco: 13
- São Paulo: 11
- Ceará: 11
- Minas Gerais: 8
- Rio de Janeiro: 7
Nos últimos anos, Pernambuco subiu gradativamente no ranking brasileiro.
- Em 2018, ocupava a décima posição (7 mortes).
- Em 2019, a quarta (8).
- Em 2020, a sétima (7).
- Em 2021, a quinta (11).
A reportagem procurou a Secretaria Estadual da Defesa Social, que informou que 30 casos envolvendo pessoas LGBTs foram registrados como CVLI (Crime Violento Letal Intencional), em 2022 —e "um deles foi registrado tendo vítima identificada como pessoa trans".
A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança, Juventude, Prevenção à Violência e às Drogas, por outro lado, reconhece que Pernambuco ocupa "a triste posição de estado brasileiro onde mais morrem pessoas trans e travestis".
Para elaborar o dossiê —que somou mais casos de homicídio—, a Antra analisa reportagens e dados governamentais, de processos judiciais e de segurança pública —além de fontes secundárias, como instituições de direitos humanos, redes sociais e relatos testemunhais.
A Secretaria da Defesa alega que o Estado tem uma política de prevenção e repressão aos crimes envolvendo a população LGBT+. "Há uma determinação para que haja celeridade e foco na resolução dos inquéritos, de modo que os autores sejam responsabilizados na forma da lei."
A pasta de Desenvolvimento Social afirma que o governo "está trabalhando em ações e planejamentos estratégicos de enfrentamento à violência contra as pessoas trans de maneira transversal, envolvendo diversas secretarias, órgãos estaduais e sociedade civil".
Nos últimos três anos, São Paulo ocupou o primeiro lugar no ranking —foram 21 assassinatos em 2019, 29 em 2020 e 25 em 2021. Em 2022, o estado caiu para a segunda posição, com 11 casos.
No ano passado, a região Nordeste liderou os casos, concentrando 40,5% dos assassinatos (52 casos), de acordo com o levantamento da Antra. Na sequência, estão Sudeste com 35 mortes (27%), Centro-Oeste com 17 (13%), Norte com 16 casos (12,5%) e Sul com 9 casos (7%).
Em Pernambuco, das 13 mortes, ao menos 7 tiveram requintes de crueldade. O primeiro assassinato em 2022 foi registrado em janeiro, quando a auxiliar de cozinha Blenda Schneider, 34, foi morta a tiros quando voltava da casa de uma amiga. O crime aconteceu no bairro Bela Vista, em Cabo de Santo Agostinho, região metropolitana do Recife.
Em fevereiro, foram três assassinatos. No dia 11, uma mulher trans identificada como Júlia, 23, foi morta por um homem que pilotava uma motocicleta. Testemunhas relataram que ele se aproximou, sacou uma arma de fogo, atirou nela e fugiu. Foi no bairro Santa Rosa, em Palmares, na Zona da Mata Sul do estado.
No dia seguinte, na zona rural de São Bento do Una, no Agreste, duas mulheres trans, uma de 18 e outra de 31 anos, foram atacadas a tiros e mortas no distrito de Queimada Grande. Os nomes delas não foram divulgados.
Em maio foram dois casos. Em 13 de maio, uma mulher trans, identificada como Bruna, foi morta com vários disparos de arma de fogo em Lagoa Grande, no Sertão. No dia 30, Rany Fada, 19, foi assassinada a pedradas por um homem em Belém do São Francisco, também no Sertão.
Em dezembro, a vítima foi Lully Pimentel, alvejada a tiros na Travessa Mariana Amalia, no centro de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco.
A advogada Robeyoncé Lima, vice-presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/PE, afirma que a violência está enraizada no estado. "No interior temos crimes com requintes de crueldade, mas, em termos de quantidade, a violência maior está na Grande Recife, porque a maioria da população trans vive aqui", afirma.
O recorte racial e de classe também precisa ser levado em consideração, destaca a advogada — a maioria das vítimas é negra.
São situações de violências extremas, que somam muitos fatores: machismo, misoginia, patriarcado, LGBTfobia, racismo. Não conseguimos fazer uma mudança da realidade sem levar em consideração elementos como esses."
Outro desafio, diz Robeyoncé, é a subnotificação. "Precisamos de dados estatísticos para quantificar o tamanho dessa violência para mostrarmos a realidade e exigir mais segurança para essa população."
A ausência de políticas públicas contribui para a vulnerabilidade, exclusão e, consequentemente, produção de violência. Segurança pública, educação, empregabilidade e renda requerem custos."
Segundo Chopelly Santos, coordenadora geral da Amotrans (Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco), as mudanças dependem do governo estadual, que atualmente é liderado por Raquel Lyra (PSDB).
Ela se queixa que uma das primeiras medidas de Lyra, porém, foi esvaziar a Coordenadoria Estadual de Política LGBT —parte da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude. A reportagem procurou a pasta —e não houve resposta.
"A Coordenadoria LGBT virou uma gerência, com uma pessoa. Antes eram três para tomar conta do estado. Temos o mecanismo, mas não existe equipe técnica e financeira suficiente para expandir para o estado todo", critica.
Ao UOL, a Secretaria de Desenvolvimento Social afirmou que o governo vai implantar e fortalecer os serviços de atendimentos especializados —e relatou mudanças no organograma da pasta para atender diferentes segmentos da população. "O trabalho é de proteger as existências LGBTQIA+ e colocar Pernambuco na direção da equidade, possibilitando vida digna e segura para todas as pessoas."
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