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Fomos esquecidos, diz moradora de São Sebastião abrigada em casa de patrões

Com sua própria casa interditada, moradora da Vila Sahy está morando com os empregadores na Baleia - Arquivo pessoal
Com sua própria casa interditada, moradora da Vila Sahy está morando com os empregadores na Baleia Imagem: Arquivo pessoal
Ana Paula Bimbati e Fabíola Perez

Do UOL, em São Paulo

18/03/2023 04h00

Um mês após a tragédia provocada pelas chuvas no litoral norte de São Paulo, moradores de São Sebastião não têm moradia definida, reclamam das dificuldades de retomar a rotina e da demora da resposta do Poder Público.

"Fomos esquecidos", diz Rosemeire Nascimento dos Santos, 48, empregada doméstica abrigada na casa dos patrões, na região da Baleia.

Outros moradores da Vila Sahy, a região mais atingida pelo temporal, afirmam que a prefeitura falha ao planejar políticas públicas de reconstrução e habitação. A administração municipal, por sua vez, afirmou à reportagem que adota medidas para remoção da população atingida.

"Ninguém do Poder Público sentou com a comunidade", destaca a presidente da Associação de Moradires da Vila Sahy, Ivanildes Alves dos Santos Andrade. De acordo com ela, os vizinhos querem ajudar a pensar em um plano de urbanização para o bairro.

Uma parcela dos atingidos pelos desmoronamentos passou a morar na casa de amigos, parentes e empregadores por ser o caminho mais viável para retomar a rotina.

"Tem gente que mesmo com a plaquinha [de sinalização] de interdição e com o risco voltou para casa. Outros foram para a casa de amigos. Mas ninguém quer ficar nessas condições", conta Ivanildes.

O prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), informou ao UOL que o município dividiu a operação de suporte às famílias em quatro fases:

  • Abrigo emergencial em escolas;
  • Abrigo em hotéis e pousadas;
  • Casas de passagens, com previsão de serem construídas pelo governo do Estado em terrenos cedidos pela prefeitura;
  • Casas modulares com previsão de construção em 150 e 180 dias, segundo a prefeitura.

Mas, segundo Ivanildes, esse plano tem alguns entraves: o valor pago por meio do auxílio aluguel não é suficiente para bancar hospedagem na região. "Aqui é tudo muito caro", diz.

Além disso, nem toda a rede hoteleira recebe a população afetada.

Outra queixa dos moradores da Vila Sahy é a "falta de informações" à população sobre a necessidade de deixar os imóveis. "Por aqui, só chegam boatos, não temos um parecer técnico. Não apresentam um laudo ou um documento para as pessoas", afirma a presidente.

Família separada

Rosemeire perdeu quase todos os móveis após as chuvas de 19 de fevereiro em São Sebastião. Moradora da Vila Sahy desde os 16 anos, Rose, como é conhecida, vivia com dois filhos, um sobrinho e um neto. Depois do desastre, viu a família se separar para voltar à rotina.

Após chuvas em São Sebastião, moradora da Vila Sahy tem casa interditada - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Após chuvas em São Sebastião, moradora da Vila Sahy tem casa interditada
Imagem: Arquivo pessoal

Abrigada na casa dos patrões na região da Baleia, Rose ficou os primeiros dias em uma das escolas que receberam as vítimas das chuvas, depois em uma pousada.

"Fiquei em uma pousada em Juquehy, mas trabalho na Baleia. Era muito longe para mim."

Foi então que Rose recebeu dos patrões a proposta de ficar na casa deles até que a situação se normalizasse. "Estou num quartinho pequeno, não posso ficar o resto da vida aqui dentro", diz ela, que divide o espaço com o neto.

A filha Larissa, 24, está morando na casa de uma amiga com um pouco mais de espaço. Agora, mãe e filha esperam uma resposta da prefeitura sobre quando serão removidas para a moradia popular em Bertioga. "Eles falaram que tinha de esperar porque muita gente está querendo moradia lá", diz Larissa.

"Se tiver outra chuva de novo, como eu vou fazer? Minha filha teve depressão. Ela viu as amigas dela falecendo, foi tudo perto da minha casa."
Rosemeire dos Santos, moradora da Vila Sahy

Sem respostas de auxílio aluguel

A doméstica Jessica Karla Costa Santos, 31, precisou se mudar com o marido e filho de 11 anos para casa dos seus patrões, na Baleia, após sua casa ser interditada pela Defesa Civil. O imóvel também fica na Vila Sahy.

Quando saí de casa falaram que eu podia ir para Bertioga ou receber auxílio aluguel. Preferi o auxílio, mas eles pedem um laudo e ninguém sabe me informar sobre esse documento."
Jessica Karla Costa Santos, doméstica

Jessica e sua família tiveram a casa interditada e foram acolhidos na casa dos patrões - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jessica e sua família tiveram a casa interditada e foram acolhidos na casa dos patrões
Imagem: Arquivo pessoal

A família Jessica saiu com a roupa do corpo de casa, então eles receberam doações de alimento das organizações da região. A escola em que seu filho estuda ainda está fechada, pois a lama invadiu o prédio.

"A gente se sente um nada. Tenho noção da gravidade da situação, mas é só uma informação [das autoridades] para seguirmos nossas vidas", desabafa a doméstica.

O que diz a prefeitura

A administração municipal não respondeu sobre os casos específicos citados pela reportagem. Ao UOL, o governo municipal afirmou que a "população afetada pelas fortes chuvas tem recebido suporte e auxílio necessários".

A prefeitura também citou as ações de moradia feitas em parceria com o Estado como o encaminhamento das famílias em hóteis da cidade, além da construção de casas populares.

Na segunda-feira passada (13), por exemplo, começou a transferência de famílias para um conjunto habitancional em Bertioga, uma cidade ao lado —1,2 mil pessoas devem ser beneficiadas. "A medida faz parte da cessão de 300 unidades habitacionais em parceria com a entidade Frente Paulista de Habitação Popular do Estado", afirma.

Também está prevista a construção de mais 900 imóveis. O governo estadual afirmou que as primeiras unidades devem ficar prontas em até 150 dias.