Respostas de ataques a escolas expõem ausência de políticas de saúde mental
Invadir uma escola com uma faca para atacar professores e alunos ou pular o muro de uma creche para matar crianças são ações que expõem fragilidades na política de saúde mental do país. Médicos e psicólogos ouvidos pelo UOL afirmam que o debate sobre assistência especializada tem sido ignorado em casos como os de São Paulo (SP) e Blumenau (SC).
Qual a relação entre os ataques e o atendimento à saúde mental?
Comportamentos do adolescente de 13 anos em São Paulo e do homem de 25 em Blumenau (SC) poderiam ter sido identificados e tratados antes de as tragédias ocorrerem, segundo especialistas que conversaram com a reportagem.
A atenção primária do SUS (Sistema Único de Saúde) prevê a atuação de médicos e agentes de saúde dentro dos territórios, destaca o psiquiatra e professor do departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina Walter Ferreira de Oliveira. "[Aperfeiçoar a atenção primária] É uma forma de a saúde agir com inteligência."
Na prática, se as diretrizes do SUS funcionassem em todas as regiões, os agentes de saúde criariam vínculos com moradores dos bairros identificando casos de transtornos mais rapidamente. "As escolas e os conselhos tutelares poderiam informar sobre esses casos às equipes".
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.
A política de saúde mental é tratada de maneira antiquada. O mundo moderno está redefinindo e criando transtornos. Vivemos em uma sociedade que cria transtornos"
Walter Ferreira de Oliveira, médico psiquiatra e professor da UFSC
Solução passa por políticas integradas
O professor defende ainda que é necessário reforçar a educação interdisciplinar —que articula diferentes áreas do conhecimento. Ele ressalta que os jovens são abastecidos de informações por diferentes meios —, por exemplo, a internet. E podem reagir como aprendem nesses ambientes —em alguns fóruns, a violência norteia as conversas. "Em meios extremistas, a maneira de conversar se transforma em atirar."
"O desmonte de políticas sociais, a promoção do discurso do ódio, o pânico moral e a atuação de grupos de extrema direita criaram um cenário favorável para situações como essas, que explicitam quadros de sofrimentos psíquicos", diz a professora da Faculdade de Educação da USP e integrante da coordenação da articulação contra o ultraconservadorismo na ONG Ação Educativa, Denise Carreira.
Esses fatores contribuem para intensificação dos problemas de saúde mental. "Precisamos de um programa nacional robusto de saúde mental, que não se restrinja somente a oferecer psicólogos à distância."
Precisa haver um esforço intersetorial, com o fortalecimento da assistência social, de programas de cultura, educação e da rede de proteção às crianças e adolescentes previstas no ECA. A escola não vai resolver sozinha."
Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da USP e integrante da ONG Ação Educativa
Quais são as ações projetadas em SC
O governo de Santa Catarina estuda fazer o monitoramento de pessoas com tendências psicóticas. A ação será elaborada em conjunto entre agentes de saúde, educadores, assistentes sociais e a Polícia Civil.
A ideia é que seja criado um banco de dados com o perfil psicológico com base em ocorrências policiais. Mesmo sem cometer um crime grave para cumprir pena ou ser preso, esse indivíduo pode ter tido condutas que indiquem a possibilidade de um surto psicótico.
A Secretaria Estadual da Saúde de Santa Catarina quer ampliar a quantidade de leitos de psiquiatria para internações e de CAPs (Centros de Atenção Psicossocial).
A pasta também projeta uma expansão das comunidades terapêuticas para fortalecer a rede de saúde mental. O objetivo é que as ações ocorram em conjunto com as prefeituras e com o governo federal.
Qualquer gatilho pode fazer com que uma pessoa com tendências psicóticas sem qualquer tipo de acompanhamento possa cometer um crime."
Ulisses Gabriel, delegado-chefe da Polícia Civil de SC
Ninguém tem uma fórmula mágica para apontar medidas capazes de resolver os transtornos mentais no país. Mas passa pelo fortalecimento de ações de assistência social e dos órgãos de segurança. A solução está além dos muros altos e dos detectores de metais."
Carmen Zanotto, secretária da Saúde de SC
Sucateamento, banalização e atenção à saúde
Profissionais da área dizem que a política de saúde mental no país sofreu desmontes na última década. "Estávamos percorrendo um caminho interessante na década de 1980. Mas, em 2010 começou um retrocesso. A polarização política entrou na área da saúde", avalia Oliveira.
Em 2017, lembra, a nova política de saúde mental retirou financiamento dos CAPs e investiu em hospitais psiquiátricos. "Foi um agravamento do sucateamento", afirma.
O médico alerta ainda para o risco da banalização e para a individualização de condutas em casos de violência escolar. "O pensamento mais moderno é olhar para os fenômenos de uma forma interssetorial. Mas os sistemas de saúde, segurança e educação não são pensados de forma integrada." Na prática, os ataques são tratados como casos isolados.
O Grupo de Trabalho [formado na quarta, 5, pelo governo federal] pode seguir preceitos antiquados como prisões, internações e patologias ou partir do entendimento que a saúde é um problema social. É importante buscar pessoas que compreendam isso para trazer sugestões além de números e dos serviços existentes."
Walter Ferreira de Oliveira, médico psiquiatra e professor da UFSC
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