'Tive 30% do corpo queimado e hoje sou feita de retalhos de mim mesma'
Em meio às comemorações do final do ano de 2018, Heloísa da Cruz Jordão sofreu um acidente que mudaria sua vida para sempre.
Em um churrasco com os amigos, a jovem, então com 21 anos, foi atingida por uma explosão com álcool. Ela ficou quase um ano internada e, até hoje, faz cirurgias e tratamentos para retomar a rotina que tinha antes. Ela ainda não conseguiu voltar ao trabalho.
Ao UOL, Heloísa contou sobre o acidente e o processo de recuperação.
'Dor indescritível'
"Era véspera de Natal de 2018, estava em uma confraternização com alguns amigos e estávamos com a churrasqueira acesa. A gente pensou que a brasa já tinha sido apagada e, ao tentar colocar mais álcool ali para reacender, acabou tendo uma explosão.
A garrafa de álcool veio em cima de mim e eu fechei os olhos muito forte, coloquei o braço na frente. Quando o fogo apagou, eu me olhei e não raciocinei. Não conseguia nem sentir a dor por causa da adrenalina.
Vi a pele caindo do meu braço, dois dos meus dedos praticamente derretidos. Eu tive 30% do meu corpo queimado
Minha irmã, Yane, que estava perto também, teve 19% do corpo queimado. Levaram a gente para o hospital Souza Aguiar, no centro do Rio, e me recordo perfeitamente de me falarem que iríamos para o Centro de Tratamento de Queimados que existe lá dentro. Minha irmã não se recorda de nada porque desmaiou.
Na hora que me colocaram em uma maca, para me sedar, senti uma dor indescritível. Só quem passou por uma queimadura tão severa, que chegou a segundo e terceiro grau, entende. Não tinha nem onde pegar veia, então eles pegaram um acesso perto da virilha
Ali eu apaguei e me levaram para a balneoterapia, dentro do setor de queimados, que é onde fazem a raspagem da pele que se soltou.
No dia seguinte ao acidente, acordei toda enfaixada e estava quase sem voz porque inalei fumaça. Minha irmã também estava enfaixada e acordou pensando que estava morta. Ela queimou os olhos e eles ficaram colados por uma semana, por pouco não pegou na retina.
'Tive de reaprender tudo'
Minha mãe foi visitar a gente e, depois que ela saiu do quarto, comecei a passar muito mal. Comecei a enxergar tudo preto e consegui sussurrar para minha irmã chamar um médico. Senti que estava morrendo. Fui levada à UTI, onde fiquei durante um mês.
Eu não conseguia mover a mão, não ouvia mais nada. Tive de reaprender tudo: falar, me movimentar, andar. Minha irmã teve alta antes de mim, porque o caso dela foi mais superficial.
Ela precisou fazer uma cirurgia também, porque teve uma pequena retração no pescoço. Hoje em dia, já voltou à rotina do trabalho e só tem uma sequela, que é não conseguir estender totalmente um dos braços que foi queimado.
Neste período, conheci várias pessoas queimadas [no hospital]. Uma delas era uma menina que tinha a mesma idade que eu, e a gente criou uma amizade muito grande ali dentro. Infelizmente, ela morreu na minha frente. Um outro senhor que estava internado comigo, também. Comecei a pensar que eu seria a próxima
Tive de pensar na minha família, na minha mãe, nos meus irmãos, no meu sobrinho que estavam lá fora me esperando. Quis me esforçar, fazer fisioterapia, voltar a andar, beber água.
Depois de um mês e alguns dias, tive minha primeira alta. Só que já fui para casa com condrite (inflamação na cartilagem) nas orelhas. Uma semana depois, fui internada novamente para começar os procedimentos de cirurgia.
'Tudo o que podiam fazer, já tinham feito'
Foi nesta época que eu criei uma vaquinha e comecei com as rifas para ajudar a custear meu tratamento. Entre quatro internações, fiquei quase um ano internada. De lá para cá, já fiz 10 cirurgias.
Alguns enxertos do meu pescoço foram rejeitados pelo meu próprio organismo, então eu perdi toda aquela parte — caiu na minha mão. Em um momento, a médica falou para eu fazer um plano de saúde e procurar outro médico, porque aquele hospital não tinha mais recursos para cuidar de mim.
Tudo o que podiam fazer por mim já tinham feito. Procurei vários cirurgiões plásticos e acabei achando o médico que cuida de mim hoje, que eu falo que é o meu anjo da guarda.
Sou do Rio, ele é de São Paulo e só atende em dois hospitais particulares. Foi quando eu voltei a fazer a vaquinha para conseguir pagar um plano de saúde que atendesse nestes locais. Há dois anos, comecei [o tratamento] com ele e vou a São Paulo.
'Sou feita de retalhos de mim'
Também comecei o tratamento com a fonoaudióloga, porque o músculo do meu rosto estava paralisado. Tinha dificuldade na fala, na mastigação. Agora estou começando o tratamento dermatológico.
Não sei quantas cirurgias ainda tenho pela frente: devo fazer uma nova nos próximos meses. Por enquanto, faço laserterapia e microagulhamento para preparar a pele para outro procedimento cirúrgico.
Eu sempre falo: sou feita de retalhos de mim mesma. Porque cada cicatriz, cada pedacinho de mim, representa a mulher forte que eu sou. Eu me amo assim, da forma que eu sou
Eu sou uma Heloísa hoje muito mais madura do que a Heloísa de antes, aprendi muito com várias pessoas que conheci neste caminho. Sou extremamente feliz hoje com essa nova Heloísa."
Dicas de segurança
Churrasqueiras precisam ser manuseadas com cuidado e produtos corretos. A principal dica é nunca usar líquidos inflamáveis, entre eles, álcool, solventes e similares.
O álcool em gel pode ser uma opção, mas há ainda formas mais seguras de acender a churrasqueira com pequena quantidade de óleo e papel toalha.
Em caso de acidente, a recomendação é buscar socorro e extinguir a fonte de calor o mais rapidamente possível.
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