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'Meu presente de aniversário': a busca de uma mãe pelo filho na cracolândia

Isabel saiu de Pirassununga, interior de São Paulo, à procura do filho na cracolândia paulistana - Mariana Fernandes/UOL
Isabel saiu de Pirassununga, interior de São Paulo, à procura do filho na cracolândia paulistana Imagem: Mariana Fernandes/UOL

Do UOL, em São Paulo

23/06/2023 04h00

Era pouco antes de meio-dia de segunda-feira (19) quando uma mulher parou na esquina das ruas Guaianases e Vitória, na República, região central de São Paulo. Estava vestida com calça jeans e levava uma bolsa bege a tiracolo.

Sentados na calçada, usuários de crack acendiam seus cachimbos, alheios àquela movimentação. Outros andavam enrolados em cobertores de um lado para o outro, em meio ao lixo.

Então a mulher, cheia de coragem e desespero, entrou no meio da multidão de usuários de drogas da cracolândia e peregrinou pela rua cantando música gospel. Ela tinha só um objetivo: encontrar o filho que se perdeu no túnel escuro das drogas.

"Talvez, as pessoas pensassem que eu era só mais uma louca, mas minha loucura é o amor pelo meu filho", disse Isabel Cristina Barbosa Ribeiro, de 46 anos, pouco depois de caminhar pelo fluxo.

Meu desespero é para salvá-lo, abraçá-lo e dizer que estou aqui."

Ela carregava no celular uma foto do filho, de 21 anos, na tentativa de que alguém na região o reconhecesse. Na imagem e em tantas outras, aparece ao lado do jovem, o seu menino doce e "que nunca teve vergonha de andar abraçado com a mãe".

Isabel é uma das várias "mães da cracolândia", mulheres que fazem uma busca desesperada por seus filhos nas ruas degradadas do Centro. Elas levam cartazes com os rostos dos jovens e apelam a comerciantes e assistentes sociais atrás de algum sinal de suas crianças.

Policiais, guardas municipais e vendedores na região dizem que a cena é comum: todos os dias, mulheres andam pelas ruas do Centro à procura de parentes, param em praças, conversam com os agentes, entram no fluxo.

Às vezes, elas até encontram seus filhos, mas nem sempre os jovens querem ou conseguem deixar a cracolândia.

Um levantamento da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) de setembro do ano passado estimou em 1.343 o número de frequentadores ali, em média diária, com variações ao longo do dia. Desde o ano passado, houve uma dispersão de usuários de drogas, que passaram a ocupar várias ruas do Centro.

Cracolândia - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Fluxo da cracolândia, na região central de São Paulo; estudo estimou 1,3 mil frequentadores
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Um dia de buscas

A jornada de Isabel começou às 5 horas da manhã, quando ela saiu de Pirassununga, interior de São Paulo, com destino à Rodoviária do Tietê. Foram três horas e meia de viagem de ônibus.

À reportagem, ela conta que era o dia do seu aniversário e que o seu presente seria encontrar o seu "companheiro da vida inteira". Depois de caminhar pelo fluxo sem encontrá-lo, ela foi até a entrada do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Redenção, na avenida Duque de Caxias, atrás de notícias.

O último contato de Isabel com o filho aconteceu pouco depois do Dia das Mães. A família não sabia do paradeiro do jovem, usuário de crack, que saiu de casa há quase dois meses.

Na tentativa de localizá-lo, Isabel resolveu fazer uma publicação nas redes sociais.

"Foi por meio das minhas publicações no Facebook que alguém viu e falou: 'olha, encontrei seu filho. Eu vejo esse moço'. A pessoa morava em Diadema [na Grande São Paulo] e veio até o Centro para falar com ele", lembra.

Fizemos uma videochamada, ele chorou feito criança, desesperadamente. Disse que estava com vergonha. E eu sabia o tempo todo que ele estaria envergonhado. Disse que o Dia das Mães foi o pior dia da vida dele, e eu sei, porque foi o meu.

O contato com o filho, mesmo que pelo celular, deu esperanças à mãe inquieta por notícias. "Ver que ele estava vivo me deu alívio." Depois dessa ligação, porém, Isabel não teve mais respostas. Sem sossego em casa, resolveu — ela mesma — ir atrás do jovem.

História nas drogas

O alívio por ter notícias, ainda que por videochamada, tem explicação: a mãe do jovem também já sentiu na pele o que é morar nas ruas e sabe dos riscos.

"Fui usuária de drogas. Já fiquei em situação de rua, fiquei por quase seis meses em um abrigo. Vi pessoas trocando o abrigo para viver na cracolândia e achava aquilo um absurdo", lembra.

"Ainda não estou perfeita, mas, graças a Deus, já tem mais de dois anos que não faço uso de substância química. E meu filho caiu nessa situação e não consegui ajudar."

A saga para salvar o filho, segundo Isabel, teve início em 2018, quando ele começou a usar maconha. Depois, veio a cocaína.

Chegou um tempo em que eu já não conseguia mais ter o controle. Ele passou pela mão do Conselho Tutelar, ficou em situação de rua e foi parar na Fundação Casa [espaço para adolescentes autores de atos infracionais], já dependente químico de cocaína, e depois, quando saiu, entrou no vício do crack, em 2020.

Esse período, segundo a Isabel, foi muito difícil. "Ele foi o meu companheiro minha vida inteira. É o meu melhor amigo, meu parceiro, era meu cúmplice."

Isabel não desistiu do filho. "É fácil apontar o dedo e julgar. Muitas pessoas conseguem se levantar sozinhas, outras precisam de apoio. Eu tive apoio de pessoas que acreditaram em mim, que não desistiram de mim. E não vou desistir do meu filho. Não desisto também das outras pessoas, não."

Mudança de vida

Isabel vê sua própria história como um exemplo de que é possível se reinventar, mesmo depois do vício. Ela conta, orgulhosa, que hoje tem condições de cuidar e de estar próxima do jovem e de suas outras três filhas.

A mudança na vida de Isabel teve início na pandemia. Antes, ela trabalhava como faxineira, mas durante o isolamento por causa da covid-19, encontrou uma oportunidade e abriu o seu próprio negócio: uma empresa de equipamentos usados para provedores.

"Minha vida mudou, ganhou um novo sentido. Eu sempre tive objetivos, por isso estou aqui hoje. Trabalhando em casa, posso ajudar meu filho, mas ele não quis a mesma coisa que eu, não teve a mesma força que eu."

Mesmo sabendo que tem o apoio da mãe, Isabel acredita que o filho não teria forças para buscar sua ajuda. "Se a minha história chegar em algum lugar, quero dizer para os filhos deixarem de ser orgulhosos. E é melhor a gente pedir apoio, porque as pessoas que bancam droga pra gente só querem ver o fundo do poço."

O presente de aniversário

Por volta das 14 horas, próximo ao metrô da República, Isabel recebeu o presente que "tanto pediu a Deus": o reencontro com o filho.

Ela já havia passado pelo local naquele dia, mas voltou lá ao receber a informação de que o jovem vendia balas no semáforo. Foi quando, segundo ela, um outro menino apareceu pedindo dinheiro para comprar balas.

"Falei do meu filho, da tatuagem que ele tem no braço. E ele falou assim: 'É o índio. Ele é o meu melhor amigo'. Eu respondi dizendo que era mãe dele. Na mesma hora, ele ficou emocionado e disse que ia me ajudar."

Segundo Isabel, o jovem contou que seu filho estava ali perto e que já tinham avisado que havia pessoas à sua procura. Quando ela estava se preparando para entrar novamente no fluxo, seu filho apareceu.

Foi emocionante, eu perdi um pouquinho a força no meu corpo, devido ao baque, à emoção. Eu cheguei a pensar que meu filho tinha morrido. Pensei muitas coisas por medo. E graças a Deus o encontrei.

Em contato com a reportagem depois, ela contou que buscou atendimento médico para o jovem e o levou de volta a Pirassununga. Agora, ele deve ser internado para tratar o vício.

Abracei ele de novo e consegui trazer ele comigo. Foi épico, né? Porque esse dia 19 de junho não foi só o meu aniversário, não foi só um dia a mais para comemorar todas as bênçãos na minha vida, mas também o reencontro com o meu filho, o meu filho querido, meu filho amado.