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SP: Afegãos enfrentam 'medo, falta de banho e surto de sarna' em aeroporto

Afegãos aguardam acolhimento em corredor de mezanino (à esquerda); Menina refugiada sofre com coceiras após surto de escabiose - Heloísa Barrense/Do UOL
Afegãos aguardam acolhimento em corredor de mezanino (à esquerda); Menina refugiada sofre com coceiras após surto de escabiose Imagem: Heloísa Barrense/Do UOL

Do UOL, em São Paulo

29/06/2023 04h00Atualizada em 29/06/2023 08h45

Ao menos 20 refugiados afegãos foram diagnosticados com escabiose, mais conhecida como sarna humana, em um acampamento improvisado onde estão abrigados no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. A informação é do Coletivo Frente Afegã, que vem acompanhando a situação. Segundo o coletivo, as péssimas condições de higiene podem ter provocado a disseminação da doença.

O caso veio a público na quinta-feira passada (22), quando o coletivo acionou as autoridades. Na manhã de ontem, o UOL esteve no aeroporto e ouviu uma mãe cuja família inteira foi afetada. Sem querer se identificar, ela informou que todos os oito membros, incluindo as crianças, estavam com muitas coceiras no corpo.

"O que mais incomoda é que coça muito", disse a mãe, em persa, para um colega refugiado afegão, que traduzia a conversa para o inglês. "O medo é de continuar aqui e ter problemas piores de saúde", acrescentou. A família estava há duas semanas sem acesso a banho.

A Prefeitura de Guarulhos informou que foi ao local na sexta-feira (22) para fazer um levantamento sobre a situação e realizar a distribuição de medicamentos orais para 165 afegãos.

À reportagem, Miguel Freire Couy, integrante do Coletivo Frente Afegã, afirmou que houve problemas de comunicação entre a Prefeitura e os refugiados e que a ação não é suficiente para prevenir a doença.

Não tinha uma pessoa traduzindo para explicar o que estava sendo tomado, qual era a necessidade do medicamento. Algumas pessoas me contaram que não estavam entendendo como era o tratamento e o que estavam tomando. Muitos nem sabiam que estava acontecendo um surto de sarna". Miguel Freire Couy, integrante do Coletivo Frente Afegã.

"É o início de uma pequena endemia no local, visto que a transmissão da escabiose é alta. Apenas a medicação não é o suficiente, porque estamos enfrentando um problema sistêmico."

acampamento - Heloísa Barrense/Do UOL - Heloísa Barrense/Do UOL
Acampamento improvisado está localizado no Terminal 2, do Aeroporto de Guarulhos
Imagem: Heloísa Barrense/Do UOL

A sarna humana é causada pelo ácaro parasita Sarcoptes scabiei, que pode ser transmitido pelo contato com uma pessoa infectada ou por meio de roupas contaminadas. Pomadas ou sabonetes com formulações que sejam capazes de eliminar o ácaro e os ovos do ácaro, além de medidas de higiene são essenciais para o tratamento e prevenção.

No caso do Aeroporto Internacional de São Paulo, os refugiados estão com acesso limitado a banhos. Segundo Miguel, há alguns estabelecimentos parceiros que disponibilizam o uso do chuveiro, mas não é o suficiente para atender todo o público. Assim, muitas pessoas ficam dias sem tomar banho.

'Condições de higiene insatisfatórias'

Questionada sobre os refugiados diagnosticados com escabiose, a Prefeitura de Guarulhos informou em nota que há três casos confirmados e que o local tem "condições de higiene insatisfatórias, uma vez que não há local para banho, o que impossibilita uma higienização pessoal adequada".

A Prefeitura de Guarulhos informou que está acompanhando o surto e "prestando todas as orientações necessárias para a interrupção da cadeia de transmissão."

Nesta semana, o Coletivo Frente Afegã realizou distribuição de sabonetes, novas toalhas e kits de higiene pessoal para os refugiados.

"Aqui é tudo a base de doação. Temos um alto número de pessoas. Infelizmente, algumas pessoas ficam semanas com o mesmo cobertor, e isso acaba com a falta do acesso à higiene deles, é um potencializador de agravação de doenças transmissíveis. É extremamente preocupante."

Atualmente, 163 afegãos se encontram no local, segundo atualização realizada na manhã de ontem. O acampamento foi criado em agosto do ano passado e é onde os refugiados permanecem até serem encaminhados a um abrigo especializado. O tempo de espera pode chegar a 20 dias, de acordo com o Coletivo Frente Afegã e refugiados ouvidos pelo UOL.

Guarulhos possui 177 vagas para acolhimento, sendo 127 geridas pela municipalidade e outras 50 pelo governo estadual. No momento, todas estão lotadas e não há previsão para ampliar a rede.

A Anvisa informou que o acampamento "configura uma situação totalmente atípica" e que as ações relativas ao acolhimento e encaminhamento de refugiados estão fora da competência da agência.

No entanto, como medida de prevenção de eventuais problemas de saúde, a Anvisa exige que o acampamento seja desmontado diariamente para realização de limpeza e desinfecção pela administração do aeroporto, montando novamente em seguida. A reportagem esteve presente em uma das ações de desmonte enquanto conversava com os refugiados.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que está acompanhando desde o início do ano a situação dos afegãos que chegam ao Brasil e que deve enviar ainda hoje um grupo de servidores para trabalharem na gestão da crise.

Desde 2021, cerca de 3,5 milhões de pessoas deixaram o Afeganistão quando os radicais do Talibã assumiram o poder, segundo a Acnur (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). O novo regime viola uma série de direitos, como o acesso à educação para meninas e mulheres.

O Brasil tornou-se destino para muitas dessas pessoas após uma portaria Interministerial em setembro de 2021, que facilita a entrada em território nacional dos afetados na região. O Governo brasileiro autorizou a concessão de 11.576 vistos humanitários. Desse número, 9.003 já foram entregues aos requerentes, de acordo com a Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados).