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Advogado é impedido de atuar em tribunal por usar trajes do candomblé

O advogado Gustavo Coutinho, 30, com trajes candomblecistas - Reprodução
O advogado Gustavo Coutinho, 30, com trajes candomblecistas Imagem: Reprodução

Daniele Dutra

Colaboração para o UOL, do Rio de Janeiro

01/07/2023 04h00

Um advogado de Brasília foi impedido de fazer a sustentação oral de defesa de um cliente no TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) por usar trajes típicos do candomblé, uma religião de matriz africana. O caso ocorreu na tarde de quarta (28).

O que aconteceu:

O advogado Gustavo Coutinho, 30, não pôde realizar a defesa de um cliente durante uma sessão marcada para a tarde de quarta (28) no TJDFT.

Na ocasião, a 7ª Turma Cível da 2ª Câmara do tribunal decidiu, por unanimidade, que ele não poderia falar na corte por ser necessário vestir "traje formal, em atenção à regra regimental".

Adepto do candomblé, Gustavo Coutinho vestia terno, blusa e calça branca acompanhados de suas guias e seu eketé, uma espécie de chapéu, cobrindo a cabeça. A vestimenta é obrigatória por três meses para quem realiza a chamada "iniciação" na religião.

O advogado chegou a se cobrir com uma beca preta, como é tradição no tribunal, mas ainda assim não pode atuar no caso do cliente. A defesa foi realizada por outra advogada. Após a sessão, Coutinho acionou a comissão de Prerrogativas da OAB/DF.

Me senti violentado, desrespeitado e impedido de exercer a minha profissão. (...) [O desembargador] falou que aquilo não se tratava de um preconceito racial ou religioso, mas que era uma questão de respeito à corte. Ele chegou a falar que se eu tivesse trazido uma beca mais composta, que 'eles não perceberiam'. Acho que ele se referiu às minhas guias, certamente.
Gustavo Coutinho, advogado

O que a corte justificou

Ao UOL, o juiz desembargador Fabrício Fontoura Bezerra disse que o advogado entrou no tribunal usando calça e camisa brancas e um "turbante", e não terno e gravata. Disse ter ouvido as explicações sobre a tradição religiosa. No entanto, a decisão foi unânime em relação à obrigatoriedade de vestimenta formal para a explanação da defesa. "Destaquei o respeito às religiões e ao eventual acolhimento de entendimento contrário pelo Colegiado", disse.

Foi assegurado ao ilustre advogado a oportunidade de apresentar naquela oportunidade um áudio a ser ouvido em sessão pelos desembargadores votantes; ou mesmo o seu adiamento do julgamento para depois do período em que deve usar as vestimentas próprias da religião escolhida. Porém, considerando que ainda deverá usá-la por três meses, declinou a sugestão e repassou o exercício da palavra.
Fabrício Fontoura Bezerra, desembargador

Coutinho disse ao UOL que preferiu não adiar a defesa para não prejudicar o cliente. "Optamos que ela [advogada parceira] fizesse essa defesa. Mas, de certa forma, ele já foi prejudicado porque eu acompanho o caso do cliente desde o início", explica.

Ao UOL, o TJDFT disse que não iria se pronunciar sobre o caso.

O que diz o regimento do tribunal

O regimento do TJDF diz que os advogados têm que estar com vestes compatíveis com a dignidade da profissão, com respeito à corte e compatíveis com a liturgia. Não há menção às cores que podem ser usadas, embora haja uma padronização por tons escuros.

Também não há menção a algum tipo de proibição do uso de símbolos religiosos, como guia ou terço. "O regimento interno do TJ trata apenas uso de beca e traje civil completo", explica Newton Rubens, diretor de Prerrogativas da OAB/DF (Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal).

A padronização das vestimentas dentro dos tribunais é tema recorrente no direito. O cientista político e advogado especialista em direito constitucional, Nauê Azevedo, também lembra que, até pouco tempo atrás, mulheres eram impedidas de usar calças em tribunais.

Os tribunais ainda possuem algumas dificuldades para equilibrar a expressão religiosa de algumas matrizes e a não banalização da liturgia necessária em seus espaços. Pode ser uma oportunidade para que os magistrados e magistradas façam um debate mais profundo sobre isso e encontrem uma forma de adaptar o regimento interno de modo razoável, que não permita a supressão de práticas religiosas e também não afete a liturgia do Judiciário.
Nauê Azevedo, advogado e cientista político