Sem mapa, proposta de Lei de Zoneamento de São Paulo preocupa especialistas

Arquitetos e urbanistas criticam a proposta de revisão da Lei de Zoneamento elaborada pela prefeitura — a principal queixa é que não há mapas no documento que foi divulgado no último dia 4 e será discutido na Câmara Municipal.

O que aconteceu

Especialistas preveem um cenário "caótico" e com regras "inaplicáveis" caso a proposta sem mapas seja aprovada. Segundo eles, a situação dificulta tarefas como a definição das quadras próximas a estações e corredores de ônibus impactadas pelo incentivo à construção determinado na atualização do Plano Diretor — que foi aprovada em junho.

Procurada, a prefeitura informou que sua minuta "propõe a manutenção dos mapas da lei de 2016" — embora a cidade e as regras de construções tenham mudado. A nota enviada à reportagem diz ainda que os critérios estão "em discussão com a população" e "permitirão que debates futuros sobre zoneamento aconteçam a partir de um regramento geral definido conjuntamente com a sociedade civil".

A Lei de Zoneamento detalha a aplicação das diretrizes definidas pelo Plano Diretor. Enquanto o plano estabelece parâmetros gerais a serem cumpridos na cidade, cabe à Lei de Zoneamento dizer como esses parâmetros serão aplicados nas diferentes localidades, de acordo com as peculiaridades de cada região.

Não há nenhum [mapa] na proposta [ da Lei de Zoneamento]. Os mapas seriam um instrumento para dizer onde e como as mudanças descritas no texto poderão acontecer, além de serem uma forma de qualquer cidadão que pode ser impactado entender a proposta. É uma falha muito grave
Fernando Túlio, diretor do Instituto ZeroCem e pesquisador na ETH Zurique (Suíça)

A falta de estudos que sirvam de base para as mudanças previstas na Lei do Zoneamento também é criticada. Para especialistas, a divulgação desses levantamentos ajudaria a compreender alterações sugeridas.

A proposta não trata dos impactos da pandemia de covid-19, como um espaço para entregadores de delivery e as garagens mais vazias em prédios comerciais por causa do home office. Para o professor Daniel Montandon, doutor em planejamento urbano e membro da equipe que coordenou a elaboração da Lei de Zoneamento em vigor atualmente, "existe pouca inovação" no texto enviado pela administração municipal.

É urgente que o zoneamento exija espaços nos novos edifícios para que os entregadores não fiquem obstruindo a calçada e a rua. Outra coisa: o que fazer com tanta garagem vazia nos edifícios em função do home office?
Daniel Montandon, doutor em planejamento urbano

Consulta pública e discussões

A proposta de revisão da Lei de Zoneamento está em consulta pública até a próxima sexta (25). A sociedade civil pode enviar sugestões on-line. Ao fim do prazo, o texto deve passar pelos últimos ajustes antes de ser enviado para análise de vereadores.

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A expectativa é que discussões na Câmara Municipal comecem em setembro. Vereadores ainda não têm um cronograma para debate do texto, mas a previsão é que o trâmite siga o formato verificado na revisão do Plano Diretor — com duas audiências públicas, primeira votação, mais duas audiências e votação final.

Arquitetos pediram a suspensão do cronograma de debates por conta do prazo curto. Em carta ao prefeito, a seção paulista do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) afirmou que os 12 dias entre a divulgação do texto e a primeira audiência pública eram tempo "insuficiente" para uma análise crítica do texto.

O número limitado de audiências públicas é outro problema apontado. Para estudiosos, realização de apenas cinco encontros regionais e previsão de que todos aconteçam via internet desconsidera características de cada área e prejudica debate. O IAB defende que audiências devolutivas também sejam programadas.

O que disseram

Uma lei de zoneamento serve para definir parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo em todo o território municipal. Sem mapa, não tem como debater com a população. A proposta da prefeitura deixará a tarefa de elaboração de mapas para a Câmara Municipal. Isso nunca aconteceu na história do planejamento urbano municipal.
Daniel Montandon, doutor em planejamento urbano e professor colaborador do programa de pós-graduação em cidades inteligentes e sustentáveis da Uninove

Considerando a experiência recente de revisão do Plano Diretor, as expectativas não são nada promissoras. Como vai ser possível debater uma proposta de zoneamento que não define o zoneamento? Sem mapas, não temos a definição do zoneamento.
Bianca Tavolari, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Não existe lei de zoneamento sem mapa que demarque os perímetros de cada zona no território da cidade. A elaboração deste mapa deve ser realizada pela equipe técnica da SMUL [Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento] de maneira simultânea e em diálogo com o novo texto proposto. [...] A ausência de mapa inviabiliza o processo das audiências públicas e das reuniões colegiadas.
IAB-SP, em carta aberta à Prefeitura de São Paulo sobre a Lei de Zoneamento

A Prefeitura de São Paulo esclarece que a minuta da Revisão Parcial da Lei de Zoneamento propõe a manutenção dos mapas da lei de 2016 e uma definição de critérios a serem adotados em caso de expansão do adensamento construtivo no entorno dos eixos de transporte público. Tais critérios, agora em discussão com a população, permitirão que debates futuros sobre zoneamento aconteçam a partir de um regramento geral definido conjuntamente com a sociedade civil nesta revisão. A gestão municipal propõe neste momento discutir a revisão do Zoneamento de uma forma nova ao priorizar os critérios urbanos que devem atuar sobre o território da cidade.

Prefeitura de São Paulo, em nota enviada ao UOL

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