Aos 30 anos, PCC exporta gestão do tráfico e 'forma' exército de batizados
O Primeiro Comando da Capital, o PCC, exportou o modelo de gestão do tráfico de drogas que se tornou hegemônico em São Paulo para todo o país. Segundo autoridades de segurança pública que conversaram com o UOL, o novo foco da facção, que completa 30 anos desde a fundação no anexo da Casa de Custódia de Taubaté, é a conquista territorial do Norte do país.
O que aconteceu
Maior facção criminosa do país, o PCC tem atualmente cerca de 40 mil membros batizados distribuídos em todos os estados, estima o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público de São Paulo.
O cálculo é feito com base em investigações, interceptações telefônicas e no último mapa elaborado pelo Gaeco, em 2021 — que já apontava a filiação de 32 mil integrantes.
O PCC não tem a pretensão de ser a única organização [do país], mas de estar em todos os estados que favoreçam as rotas do tráfico, para que a droga chegue a São Paulo e escoe para o exterior.
Lincoln Gakiya, promotor de Justiça do Gaeco que investiga a organização há quase 20 anos
Em São Paulo, há cerca de 10 mil membros batizados pela organização. Ao contrário de outros estados, o promotor explica que o número de batizados em território paulista não aumentou significativamente nos últimos anos. Segundo Gakiya, os critérios para o batismo no estado em que a organização foi fundada são mais rígidos do que os utilizados nas outras unidades da federação.
Nos demais estados, o objetivo da facção é "formar" mão de obra para fortalecer o tráfico de drogas. Fora de São Paulo, segundo Gakiya, não há exigência que os novos integrantes tenham necessariamente uma "trajetória criminal" extensa e bem-sucedida.
No Ceará e em outros estados do Nordeste, a filiação de novos integrantes inclui o batismo de adolescentes, prática proibida em São Paulo. Em 2021, o estado cearense tinha 2.241 batizados, conforme apontam as investigações do Gaeco.
Nos anos 1990, década em que a organização foi fundada, o batismo dependia da apresentação de um "padrinho" no crime, explica Ivana David, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo. "O batismo acontecia dentro do presídio, a forma de integrar a facção dependia de um ritual. Hoje não é mais assim e isso facilitou o ingresso de mais membros", diz ela, que acompanha processos envolvendo membros da facção há 24 anos.
O domínio do Norte
Embora a facção esteja presente em todos os estados do país, a atuação no Norte é menos predominante. "Em 2017, houve uma tentativa de o PCC dominar os estados dessa região, mas não deu certo, uma vez que a Família do Norte é aliada ao Comando Vermelho e ambos os grupos fizeram frente ao grupo paulista", afirma Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
A meta da facção é alcançar o monopólio do comércio ilegal da droga no país, segundo Christino. "Se eles tomam o Norte, cortam o fornecimento de drogas para o Rio de Janeiro. É a grande questão", afirma o procurador.
Como o Sul e o Sudeste são consideradas regiões dominadas, a briga está mais concentrada no Norte do país, complementa Ivana. "O PCC quer o domínio da fronteira do norte do país. Para isso, vai fortalecer o exército de soldados para controlar essas rotas."
O promotor Gakiya vê com preocupação o domínio de Roraima pelo PCC, principalmente pela proximidade com a Venezuela e a Colômbia. O Ministério Público de Roraima já identificou venezuelanos batizados pela organização para atuar na região.
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Quero receberLucro e gestão nos estados
Os lucros da facção hoje vêm do tráfico nacional e internacional de drogas. Mas o que é arrecadado nos estados fica sob a responsabilidade dos líderes em cada estado. "Não existe um caixa único da organização. Eles ensinaram os estados a serem autossuficientes, replicando as formas de arrecadação utilizadas em São Paulo", diz Gakiya.
O promotor afirma que, a partir de 2008, o PCC em São Paulo "convidou" pessoas ligadas ao crime e à organização em outros estados para que acompanhassem pessoalmente a rotina do "Progresso", o setor responsável pela fabricação de cocaína. " É como se fosse um estágio para que integrantes de outros estados aprendessem a transformar a pasta base em cocaína ou crack."
"O Rio Grande do Norte, por exemplo, tinha uma dificuldade em se manter. Então, os membros de São Paulo tinham uma filosofia de 'ensinar os irmãos a pescar'", afirma.
O procurador Christino afirma que nos últimos anos há uma grande quantidade de pessoas presas sob influência do PCC, mas que não necessariamente são batizadas pela facção. "Existe uma diferença entre ser ligado ao PCC e estar sob influência da facção. Quem é batizado pode executar as ordens."
A desembargadora Ivana afirma que enquanto o número de batizados apontado pelas investigações varia entre 30 mil e 40 mil, os "companheiros" e "colaboradores" da organização chegam a 60 mil. Por isso, o cálculo de estudiosos é que o exército de soldados do PCC pelo país chegaria a 100 mil membros.
O número total de pessoas ligadas à facção, segundo o procurador — que é autor do livro "Laços de Sangue"—, varia conforme a expansão dos negócios no tráfico. "Onde o mercado do tráfico fica mais aquecido, aumenta o número de pessoas vinculadas ao PCC."
Depois de São Paulo, os estados com maior número de batizados estão na região Nordeste. "O número de integrantes é muito grande comparativamente ao tamanho dos estados. Os riscos ficam evidentes quando há guerra com outras facções", diz Gakiya.
Em termos de estrutura no tráfico, o promotor afirma que estados fronteiriços como Paraná e Mato Grosso estão à frente dos demais.
Do Piranhão ao controle das rotas internacionais
Fundado em 31 de agosto de 1993 por presos que cumpriam pena no anexo da Casa de Custódia de Taubaté, conhecida como "Piranhão", no interior de São Paulo, o PCC era chamado de "Partido do Crime". Segundo Gakiya, o grupo tinha como objetivo lutar pelo direito dos presos, combater a opressão no sistema prisional e protestar contra o massacre no Carandiru.
No início, a facção buscava se tornar amplamente conhecida no sistema prisional por meio de rebeliões e atos de violência. A ascensão no tráfico de drogas coincide com o momento em que Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, assume o poder na organização.
Em 2003, presos do sistema prisional paulista começam a ser enviados para presídios do interior. No ano seguinte, outros faccionados de São Paulo passam a ser transferidos para presídios de todo o país. "A partir do momento que as lideranças são enviadas para os estados, começam os batismos em outros locais", afirma Ivana.
Contudo, a expansão do PCC não se traduziu em melhores condições de vida para os integrantes da facção no sistema prisional, diz Gakiya. Isso gerou um descontentamento entre grupos de presos.
Um dos aspectos que marca os 30 anos da organização, segundo o promotor do Gaeco, é o isolamento de Marcola no sistema penitenciário federal desde 2019. A transferência do homem apontado como líder da facção provocou um vácuo no poder, segundo Ivana.
Com o isolamento de Marcola e outros detentos apontados como líderes, o PCC avança para uma estrutura mais "horizontalizada" em comparação ao passado. "Ainda existe uma sintonia final, mas caminha para uma estrutura com líderes dentro e fora da prisão e com grandes traficantes como colaboradores", afirma Ivana.
A gestão do Marcola está cada dia mais ameaçada. Embora a facção tenha crescido muito, há integrantes que jamais tiveram contato com Marcola. Existe também uma insatisfação do sistema penitenciário, os integrantes que estão presos estão se sentindo abandonados com a estratégia de se dedicar ao tráfico internacional. Não temos mais rebeliões reivindicando melhores condições. A cúpula do PCC abandonou essa bandeira.
Lincoln Gakiya, promotor de Justiça do Gaeco, do MP-SP
A facção vai perdendo o cerne que era defender os presos dos abusos e da opressão. O PCC se afasta disso e começa a ser uma narco-organização com o olhar voltado para o lucro nacional e internacional. Nos estados em que isso fica mais evidente, começam a se formar grupos dissidentes, que fundam a própria facção.
Ivana David, desembargadora do TJ-SP
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