Liberado ou pecado? O que as religiões dizem sobre álcool, drogas e tattoos

Nas últimas semanas, o STF (Supremo Tribunal Federal) começou a votar a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Enquanto os ministros votavam, parte da sociedade reagia, seja favorável ou contrariamente à pauta. Quem discorda, muitas vezes, usa o argumento religioso como forma de rebater quem se diz favorável.

Diante deste, e de outros casos que podem deixar as pessoas com dúvidas, o UOL ouviu especialistas de seis religiões: católica, evangélica, budista, afro-brasileira, islâmica e judaica, para saber o que cada uma prega e orienta sobre os seguintes temas consumo de bebidas alcoólicas, drogas, piercings e tatuagens.

Católicos

Consumo de bebidas alcoólicas: segundo o professor Padre Cláudio Vicente Immig, da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), a Igreja Católica não proíbe o consumo de bebidas alcoólicas, apenas orienta contra o excesso. "A virtude da temperança leva a evitar toda a espécie de excessos, o abuso da comida, da bebida, do tabaco e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou por gosto imoderado da velocidade, põem em risco a segurança dos outros e a sua própria, nas estradas, no mar ou no ar, tornam-se gravemente culpados", pontuou Immig.

Consumo de drogas: a Igreja Católica proíbe o consumo de drogas por parte dos fiéis. "O uso de estupefacientes causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. A não ser por prescrições estritamente terapêuticas, o seu uso é uma falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas, e constituem uma cooperação direta, pois incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral", explicou o professor, sobre as doutrinas.

Uso de piercings e tatuagens: Segundo o professor, a Igreja Católica não tem uma definição clara sobre o tema. Ou seja, o fiel é livre para escolher se faz tatuagem e coloca piercing. A única recomendação é pelo cuidado com o culto ao corpo. "Se a moral apela para o respeito da vida corporal, não é que faça dela um valor absoluto. Pelo contrário, insurge-se contra uma concepção neopagã, tendente a promover o culto do corpo, sacrificando-lhe tudo, e a idolatrar a perfeição física", disse Immig.

Evangélicos

Consumo de bebidas alcoólicas: segundo o professor Diego Omar, da UEA (Universidade Estadual do Amazonas), as igrejas evangélicas desaconselham o consumo de álcool. "Não como um mal em si, mas por pretensamente conduzir ao mal ou abrir caminho para ele. Normalmente, os segmentos mais liberais não recriminam abertamente o consumo moderado de bebidas, embora, como qualquer igreja, também não vejam com bons olhos os excessos. Mas, há uma marca do protestantismo mais ascético, muito forte nas Igrejas (neo)pentecostais, que é associar as bebidas alcoólicas às várias outras formas de experiência mundana. Assim o problema não está exclusivamente no álcool, mas nos ambientes e situações nos quais ele é encontrado e que encaminhariam para uma vida de pecado, incompatível com doutrinas religiosas que prezam a salvação da alma e, para tanto, a abstenção de prazeres corporais", explicou o professor.

Consumo de drogas: o consumo de drogas é terminantemente proibido dentro das Igrejas Evangélicas. "Há, entretanto, denominações mais abertas, não empenhadas nesse tipo de assunto ou que não dedicam tanta atenção a recriminações sobre o tema. Por outro lado, os neopentecostais veem a questão como campo de batalha, em uma nova etapa da chamada 'guerra às drogas'. Para vários pastores, o tema rende audiências nas igrejas, uma vez que sustenta novos moralismos contra o desregramento dos costumes", disse Omar.

Uso de piercings e tatuagens: o professor explicou que esses temas são divididos dentro do segmento evangélico. "Há Igrejas que recriminam duramente, que impõem apagamentos dessas marcas, quando possível, ou tentam as ressignificar, como traços de uma vida desregrada e salva por Cristo. Mas há também Igrejas inclusivas que tratam com tranquilidade essas inscrições, como marcas culturais e que dizem sobre a trajetória dos indivíduos, não necessariamente como marcas do pecado."

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Budistas

Consumo de bebidas alcoólicas: o consumo de bebidas alcoólicas não é estimulado. "Algumas escolas são totalmente a favor da abstinência completa de álcool, principalmente entre a comunidade de monges. Outras escolas já têm uma tolerância ao consumo moderado de álcool, embora o consumo de drogas não tenha a mesma tolerância. O vício provocado pela bebida alcoólica não é estimulado e o alcoólatra deve ser visto com compaixão, pelo sofrimento que pode causar a si e aos demais seres", explicou Ivonaldo Dantas, doutor em filosofia pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba).

Consumo de drogas: no caso das drogas, há uma proibição completa dentro do budismo. "Há um preceito no budismo que condena o consumo, facilitação de consumo, comércio ou apologia às drogas que alterem a consciência ou que sejam intoxicantes. O budismo prega conservar uma mente clara e lúcida para o desenvolvimento da sabedoria. Ao mesmo tempo, os seres que estão na dependência de drogas devem ser vistos com compaixão e ajudados a superar esse sofrimento, caso assim o queiram", ressaltou Dantas.

Uso de piercings e tatuagens: Ivonaldo explicou que não há proibição dentro do budismo. "Culturalmente, no Oriente, caso os piercings e tatuagens contenham símbolos budistas, é desrespeitoso que estejam nas partes inferiores do corpo. Para os praticantes mais comprometidos, os seus mestres vão questionar a motivação ligada à vaidade ou busca de destacar-se na multidão. Quanto às pessoas não budistas ou com pouco comprometimento com a prática budista, não há incentivo e nem proibição."

Afro-brasileiras

Consumo de bebidas alcoólicas: Segundo a professora Regina Negreiros, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), nas religiões afro-brasileiras, há o consumo de bebidas durante os rituais religiosos. Portanto, não há proibição para os seguidores. "No catimbó-jurema, ou simplesmente jurema, é utilizada a jurema, bebida feita da árvore da planta de mesmo nome, para se atingir o plano astral. Na umbanda nordestina, há usos rituais de bebidas como cachaça, vermute, vinho, cerveja, espumante. Com relação ao candomblé, os orixás são figuras antropomorfizadas, seus atributos são extremamente humanos, eles bebem e comem. Mas, em algumas casas de candomblé, a bebida não é permitida para uso dos visitantes, apenas servida ao Orixá em terra. Em outras casas não há essa proibição."

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Consumo de drogas: Já em relação a drogas, há proibição. "A utilização de drogas ilícitas não é permitida, pois desequilibra e enfraquece a energia vital individual e o equilíbrio coletivo. Lembrando que no candomblé estamos todos conectados pelo Axé, a energia vital de humanos e não humanos, portanto, se um ponto desequilibra, todos desequilibram, pois o terreiro é um espaço de laços familiares espirituais no qual todas as pessoas estão conectadas pelo axé das Orixás", ressaltou a professora.

Uso de piercings e tatuagens: Segundo a professora Regina Negreiros, não há proibições no uso de piercings e tatuagens. "Assim como a questão das pinturas corporais (tatuagens) utilizadas na estética afro e indígena, os adereços como piercings não são proibidos, eles podem ser utilizados, no entanto, deve-se respeitar os períodos de preceitos e fundamentos previstos na tradição utilizada pela casa ou terreiro no qual se está inserido ou inserida", explicou Negreiros.

Islamismo

Consumo de bebidas alcoólicas: No islamismo há proibição no consumo de bebidas alcoólicas. "O consumo de bebidas alcoólicas e o vinho são proibidos. Além disso, determinou-se a ilicitude de toda bebida que pode embriagar o consumidor muçulmano, seja em pequena ou maior quantidade", explicou o Sheikh Ali Momade, membro da Fambras (Federação das Associações Muçulmanas do Brasil).

Consumo de drogas: "É um pecado. Não pode ser consumida uma gota de álcool, um consumo mínimo de droga, nada que possa prejudicar o ser humano", explicou a professora Francirosy Campos Barbosa, antropóloga da USP (Universidade de São Paulo).

Uso de piercings e tatuagens: No islamismo há algumas restrições para o uso de piercings e tatuagens. "A tatuagem permanente é totalmente proibida, independentemente da natureza ou tipo de produto usado, químico ou natural. Já a henna é permitida para a tatuagem temporária. Os desenhos não podem ser de humanos, animais, imorais, ou símbolos de religiões. No que tange ao gênero, um homem considerado islamicamente estranho não pode manusear e aplicar em uma mulher muçulmana e vice-versa", explicou o Sheikh. Já em relação aos piercings, somente as mulheres podem usar. "Algumas mulheres dos companheiros do profeta do Islã (paz de Deus esteja com ele) furavam as orelhas e usavam brincos (piercings) como adornos. Por outro lado, proíbe seu uso para os homens", afirmou Barbosa.

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Judaísmo

Consumo de bebidas alcoólicas: "O judaísmo não oferece recriminações ao consumo de bebidas alcoólicas. Contudo, é sempre recomendado o consumo respeitando os limites, sem arriscar a saúde, colocar a vida de outras pessoas em perigo ou comprometer a consciência", afirmou o professor e antropólogo Márcio Teixeira Bastos, da USP. "O contexto da ingestão de bebidas alcoólicas, na Tradição Judaica, é dado em uma refeição sagrada ou em uma reunião celebrativa (bar-mitsvá, aniversário, casamento), quando pequenas quantidades de bebidas alcoólicas são consumidas a fim de abrir os corações. A bebida alcoólica nestes contextos de uso é vista como algo que ajuda a pessoa a relacionar-se com seu próximo. Nesse sentido, o vinho, especialmente, é usado como um dos instrumentos de devoção judaica."

Consumo de drogas: Segundo o professor Márcio Teixeira Bastos, não há uma proibição explícita ao consumo de drogas. O judaísmo prega que não se pode consumir algo que faça mal à saúde do fiel ou de terceiros. "Portanto, as orientações sociais abrangentes sobre a faixa etária de consumo e os princípios judaicos de não arriscar a saúde, comprometer a consciência ou colocar a vida de outras pessoas em perigo, permanece", explicou.

Uso de piercings e tatuagens: No judaísmo, as tatuagens são proibidas e os piercings liberados com restrições. "Embora seja explícita a reprovação de tatuagens no judaísmo, o mesmo não acontece quanto aos piercings. A lei judaica discute a permissão de usar argolas no nariz e nas orelhas fora do Shabat, indagando se há motivo para temer que isso possa levar alguém a transgredir a lei. Portanto, desde que os piercings não sejam degradantes, nem estejam desfigurando o corpo, eles são permitidos."

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