'Fui picada por cobra e sofri acidente indo ao hospital, com ela no carro'
Paola Siebel, 24, estava em um acampamento religioso de Gravataí (RS) quando foi picada por uma cobra peçonhenta. A empreendedora conta que foi levada às pressas ao hospital, mas um acidente na estrada atrasou o socorro. O detalhe: a serpente estava em um dos bancos do carro.
A jovem morava havia quase um ano no acampamento e nunca soube de outros incidentes com cobras.
"Não é aquele acampamento com barracas, ele tem uma estrutura grande, com dormitórios, quadras, refeitório." Entre os ensinamentos, estava a sobrevivência em meio à vegetação, com trilhas quase diárias.
"Vimos cobras algumas vezes por lá porque é mato, mas a gente sempre mantinha distância e não chegava perto, desviava."
'Fisgadinha no pé'
Um dia, quando menos esperava, Paola foi atacada: ela conta que andava até o dormitório, em um caminho coberto por pedras, quando sentiu uma "fisgadinha" no pé. Era noite e, em meio a uma tempestade, Paola, que estava de chinelo, não enxergou o bicho no chão.
Senti a fisgadinha, mas achei que fosse um espinho, porque, como a cobra era filhote, o dente dela era muito fininho, não imaginei que era uma picada. Quando cheguei embaixo de um toldo e olhei para baixo, para arrancar o 'espinho', vi a cobra pendurada, se debatendo no meu pé.
Paola se desesperou e começou a balançar a perna, o que fez a cobra tirar os dentes. Uma das amigas se lembrou das instruções do acampamento sobre como agir em ataques do tipo. "A cobra ficou quietinha no chão e uma das meninas tirou uma foto."
O grupo também ligou para um biólogo que morava no lugar, em um dormitório vizinho. Com treinamento para isso, ele pegou a cobra com um equipamento especial e a colocou em um balde.
"Ele colocou a cobra dentro do carro para levá-la junto comigo ao hospital. Só que ali, no calor de emoção, não pensamos em matar a cobra antes", diz Paola.
A jovem seguiu para o hospital em uma cidade vizinha acompanhada de um missionário e dois colegas, uma técnica de enfermagem e um enfermeiro.
O caminho era longo: quase 50 km separavam Morungava, na zona rural de Gravataí, do hospital de pronto-socorro em Porto Alegre.
Cobra foi 'esquecida'
A situação ficou ainda mais tensa quando a pista molhada pela chuva fez o motorista do carro perder o controle, já na capital gaúcha.
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Quero receberDemoramos uma hora até Porto Alegre, mas, quando chegamos perto do hospital, o carro aquaplanou e a roda travou. A gente bateu, deu duas giradas e voltou para o meio da pista. Com a roda travada, o motorista não conseguia dirigir.
Paola e os três colegas de acampamento ficaram presos no carro, com a caixa da cobra junto a eles, em um dos bancos.
"Não estava inconsciente, mas já estava bem enjoada. Quando bateu, só abri a porta do carro e vomitei. Uns minutos depois, passou um táxi, viu a situação e me levou ao hospital."
A jovem chegou ao pronto-socorro sem documento ou telefone, o que atrasou ainda mais o atendimento. Quando finalmente foi atendida, mais uma "falta" foi notada: a cobra.
Na confusão, e preocupados em manter Paola acordada, os colegas esqueceram de retirar o animal, que foi levado pelo guincho que resgatou o carro.
O biólogo disse qual era a cobra, mas os médicos não quiseram confiar só na palavra dele, porque o soro é feito com o próprio veneno. Se eles me dessem um soro de uma cobra venenosa e não fosse, eu poderia ter sérias complicações.
Com a cobra "desaparecida", os colegas de Paola apostaram no plano B: a foto tirada pela amiga, logo depois da picada. Foi graças à imagem que ela finalmente recebeu o soro, quatro horas depois do incidente.
"A foto estava bem nítida e batia com o que o biólogo dizia, que era uma urutu-cruzeiro, com as listrinhas e o formato de cruz na cabeça. Daí para frente foi muito rápido, já fui medicada", diz Paola.
'Nem a marca dos dentinhos'
A jovem teve de tomar vários remédios contra a dor e, depois, passou uma semana internada, fazendo exames de sangue frequentes para acompanhar possíveis efeitos da picada.
"Foi tranquilo, mas porque eu só dormia e estava realmente dopada, os médicos não falavam nada diretamente para mim. Acredito que eles não queriam me preocupar, já que eu estava na UTI e tinha acabado de fazer 18 anos."
Paola recebeu alta depois que seus rins foram considerados "fora de perigo". Ela voltou para casa apenas com o pé inchado.
"Quando ganhei alta, não conseguia nem encostar o pé no chão, andei por um tempo de muleta." A recuperação sofreu uma reviravolta cerca de duas semanas depois da alta, quando o pé de Paola inchou ainda mais e começou a escurecer.
Meu pai é médico e ficou bem aflito, porque não era para o meu pé estar assim. Comecei a pensar que se eu não morresse, eu teria alguma necrose.
A gaúcha seguiu tomando medicações para dor e, com o passar dos dias, o pé começou a melhorar. Hoje ela não tem complicações causadas pela picada.
Depois de se recuperar, Paola voltou a morar no acampamento e, nos anos seguintes, retornou ao projeto como visitante, participando inclusive das trilhas.
Não fiquei nem com marquinha do dente da cobra, porque a pele caiu. Também não fiquei traumatizada com o acampamento, com as trilhas, as cobras. Sei que foi um acidente mesmo porque íamos para o mato quase todos os dias e nunca tinha acontecido alguma coisa.
A cobra foi encontrada e levada viva para um serpentário.
Foto é boa estratégia
A urutu é uma espécie relativamente comum no Brasil, do Centro-Oeste até o Sul, segundo Giuseppe Puorto, diretor cultural do Instituto Butantan.
Os sintomas causados pela peçonha dependem da quantidade injetada na picada, mas podem evoluir até mesmo para uma hemorragia. "Após o bote, o local pode apresentar dor, ficar inchado e com vermelhidão. Também podem ocorrer complicações locais como bolhas, necrose, abscesso (bolsa de pus), limitação de movimentos e amputação."
É importante saber se a cobra é peçonhenta e aplicar o soro o mais rapidamente possível, para reduzir as sequelas. Caso não seja possível transportar o bicho, uma foto pode ser uma ótima estratégia para ajudar na identificação.
É confiável identificar serpentes por fotos desde que a identificação seja realizada por profissional habilitado e conhecedor da fauna ofídica e as fotos estejam em qualidade que permita a identificação.
Giuseppe Puorto
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