Brasil teve 50 mil homicídios fora das estatísticas em dez anos, diz estudo

No Brasil, 49.413 mortes com características semelhantes a homicídio ficaram fora das estatísticas oficiais na última década.

O que aconteceu

Em média, o número de homicídios ocultos ao ano foi de 4.492, entre 2011 e 2021. "Este índice corresponde à média anual de homicídios que ocorre no estado de São Paulo", diz o Atlas da Violência, divulgado hoje pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o levantamento, o Estado foi incapaz de identificar como homicídio 39,1% das mortes tratadas como sem causa determinada.

A falta de compartilhamento de informações é um dos motivos apontados para a precarização dos dados. "Quando uma pessoa morre por morte violenta, o médico legista, muitas vezes, não consegue apontar as razões para o evento. Com isso, as secretarias de saúde pedem ajuda às polícias. A falta de dados vai desde o município até o Ministério da Saúde", diz Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea.

O número de homicídios ocultos "coloca em xeque" os registros oficiais de homicídios no país. "Houve uma redução no número de assassinatos, mas, talvez, não nos patamares informados pelos órgãos oficiais", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

São Paulo foi o estado com maior número absoluto e maior taxa de homicídios ocultos em 2021. Foram 2.379 mortes com características de assassinato e uma taxa de 5,1 assassinatos por 100 mil habitantes.

Homicídios registrados

O Brasil registrou 47.847 homicídios em 2021, o que corresponde a uma taxa de 22,4 mortes por 100 mil habitantes. Os dados foram obtidos com base no Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.

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Entre os anos de 2011 e 2021, foram 616.095 assassinatos no total — o equivalente à população de Aracaju. A taxa de homicídios no país passou de 27,4 por 100 mil habitantes, em 2011, para 22,4 por 100 mil habitantes em 2021.

Política armamentista e disputas locais entre facções menores estão entre os fatores que motivam os assassinatos. "Se não fosse a política armamentista dos últimos anos no Brasil, a queda dos homicídios poderia ter sido maior. Houve um aumento das violências contra populações minoritárias e os efeitos da pandemia que ainda precisam ser estudados", diz Cerqueira.

O levantamento revela que as taxas podem estar subnotificadas. "Ainda não sabemos os motivos que explicam esses homicídios, mas esses dados podem estar invisibilizando uma estatística mais alta do que conseguimos estimar", diz Samira.

Jovens assassinados e crianças e adolescentes agredidos

O relatório aponta que 326.532 jovens de 15 a 29 anos foram assassinados desde 2011. "A violência é a principal causa de morte dessa parcela da população. A cada 20 minutos, um jovem é assassinado", diz Cerqueira.

Em 2021, a cada 100 jovens mortos, 49 foram vítimas de homicídio. O estudo calculou ainda o custo da violência juvenil —só em 2021, essa violência custou R$ 150 bilhões.

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Dos 47.847 homicídios ocorridos no Brasil em 2021, 50,6% vitimaram jovens entre 15 e 29 anos. A média foi de 66 jovens assassinados por dia no país.

Foram cerca de 1 milhão de episódios de agressões contra crianças e adolescentes em dez anos. Isso significa dizer que, a cada hora, 11 crianças e adolescentes são agredidas a ponto de precisar de ajuda médica. "É um processo de violência que nasce dentro do lar, no lugar em que eles deveriam estar protegidos, e que atinge outras instâncias da sociedade".

Morte de mulheres, indígenas, LGTBs e pessoas com deficiência

Os dados mostram também que 49.005 mulheres foram assassinadas no período analisado.

Em dez anos a taxa de homicídios de mulheres aumentou 4,72% em ocorrências dentro de casa. Os casos em que mulheres morreram fora da residência diminuíram 31,1%. Segundo Samira, as hipóteses para o crescimento são a redução do orçamento federal voltada às políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, ascensão de um movimento conservador e a pandemia.

Mulheres-negras chegam a morrer 1,8 vezes mais do que mulheres não negras. Nos últimos dois anos, houve um crescimento de 0,5% na taxa de homicídio mulheres negras enquanto que na de não negras, a redução foi de quase 3%.

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A chance de um negro ser assassinado no Brasil é quase três vezes superior a de um não negro. Em 2021, 77% das vítimas da violência letal no país foram pretos e pardos, o que resultou em 36.922 homicídios.

O assassinato de indígenas aumentou 29% desde o início da série histórica. Os estados de Roraima, Amazonas e Mato Grosso concentram seis em cada dez mortes dessa parcela da população.

O relatório mostra ainda que aumentaram todas as formas de violência contra pessoas LGBTQIAP+ entre 2020 e 2021.

Outros dois grupos alvos de violência foram as pessoas com deficiência e os idosos. Foram 11.577 PcDs (Pessoas com Deficiência) vítimas de violência, sendo que a maior parte sofreu violência física. Entre os idosos, a maior parte das vítimas são mulheres negras, seguidas por mulheres não negras e, por último, homens negros.

O que dizem os pesquisadores

A morte de mulheres fora de casa está mais relacionada à violência urbana, enquanto a morte dentro está ligada à violência doméstica, que está aumentando.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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As políticas públicas não estão dando conta de chegar aos grupos mais vulnerabilizados. Existe uma redução de assassinatos, mas quando olhamos para negros, mulheres e LGBTs, percebemos que a violência não está caindo, e quando cai não é na mesma proporção.
Samira Bueno

O racismo estrutural no Brasil está presente em todas as vertentes do levantamento. Mulheres, crianças e idosos negros são os grupos que mais sofrem violência.
Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea

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