Estados gastam 4 mil vezes mais em polícias que em política para egressos

Doze estados brasileiros gastam, em média, 4 mil vezes mais em polícias do que em política para egressos do sistema prisional. O cálculo faz parte do estudo "Funil de Investimento", realizado pela plataforma Justa e obtido com exclusividade pelo UOL.

O que aconteceu

Em números exatos, para cada R$ 4.389 gastos com polícias em 2022, R$ 1.050 foi destinado ao sistema penitenciário e R$ 1 para os egressos em 2022, segundo o levantamento. Foram analisadas as fatias do orçamento de 12 estados brasileiros sobre a "porta de entrada" e a "porta de saída" do sistema prisional.

Somados, os orçamentos avaliados correspondem a R$ 781 bilhões — 68% do orçamento de todos os estados brasileiros. Foram usados dados do Acre, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo e Tocantins.

O investimento é sempre maior no policiamento do que em políticas para egressos do sistema prisional, segundo os pesquisadores. No total, são R$ 53,3 bilhões destinados ao policiamento, R$ 12,7 bilhões ao sistema penitenciário e R$ 12 milhões para políticas para quem já passou pela prisão.

Orçamento do policiamento prioriza polícias militares. Segundo a pesquisa, a Polícia Militar dos estados analisados concentra R$ 31,9 bilhões — o que equivale a 66,5% dos recursos. A Polícia Civil recebe R$ 11,4 bilhões (22,6%). Os demais valores são destinados à Polícia Técnico-Científica e a outras despesas.

Quatro estados têm orçamento específico para pessoas que já estiveram privadas de liberdade — São Paulo, Pará, Tocantins e Ceará. Contudo, em nenhum deles o valor comprometido com essas políticas chega a 0,01%.

As policias, em especial a militar, têm concentrado desproporcional poder político também no campo orçamentário e sem que haja, de outro lado, avanços democratizantes desse braço do Estado. Isso requer nossa máxima atenção.
Luciana Zaffalon, diretora-executiva do Justa

Estados que mais gastam com polícias

Rio de Janeiro e Ceará são os que, proporcionalmente, mais gastam com polícias. O primeiro usa 10,8% do orçamento e o segundo, 9,5%. "Há uma irracionalidade do investimento público. Como podemos ter tantos recursos empregados em uma política que não tem entregado melhorias na vida da população?", diz Luciana.

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Rio de Janeiro gasta R$ 9,4 bilhões com polícias. O estado destina ainda R$ 1,1 bilhão com o sistema prisional e não investe nenhum valor em políticas para egressos, aponta o levantamento. Segundo os dados, os recursos com polícias consomem quase 11% do orçamento estadual. "Na medida em que se coloca tantos recursos em polícia ostensiva, perde-se a oportunidade de investir em políticas públicas que podem mudar os rumos do estado."

A Polícia Militar absorve 80% do orçamento destinado ao policiamento — o que equivale a R$ 7,6 bilhões. Já a Polícia Civil, responsável pelos trabalhos investigativos, fica com R$ 1,9 bilhões, menos de 20% do orçamento. Para o secretário de Segurança do estado fluminense, Victor Santos, a diferença nos gastos se dá pela "necessidade de prevenção.

O investimento maior na Polícia Militar se dá pela natureza do trabalho ostensivo e preventivo. Normalmente, gasta-se muito mais nesse tipo de policiamento porque o que se quer é que o crime não ocorra.
Victor Santos, secretário de Segurança do Rio de Janeiro

Ceará gasta R$ 2 bilhões com a Polícia Militar. O valor corresponde a 66,8% do orçamento para o policiamento. Para a Polícia Civil são destinados R$ 688 milhões. "É um estado conflagrado pelas disputas entre facções criminosas, em que a violência atravessa de maneira determinante a vida da população", diz Luciana. Procurado, o governo não respondeu.

O estado cearense destina R$ 683 milhões para a manutenção do sistema prisional, fatia que corresponde a 2,1% do orçamento. "Trata-se de um estado com muitas oportunidades de crescimento, mas que segue a cartilha infértil de um investimento irracional em encarceramento em massa", complementa a pesquisadora.

Polícias, câmeras e egressos em SP

São Paulo, o estado mais populoso do país, é o que mais gasta com polícias e sistema prisional em termos absolutos. Os recursos usados em policiamento, prisões e políticas para egressos superam os R$ 19 bilhões. São R$ 14,7 bilhões para polícias, R$ 4,6 bilhões para o sistema prisional e R$ 9 milhões para quem já passou pela prisão.

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Recursos destinados à Polícia Militar também são mais do que o dobro dos gastos com a Civil. O policiamento militar utiliza R$ 9,8 bilhões e o civil, R$ 4 bilhões do orçamento da área. O UOL entrou em contato com a Secretaria Estadual da Segurança Pública, mas não obteve retorno.

O governo paulista gastou 0,7% do orçamento destinado à Polícia Militar com câmeras. Segundo o estudo, em 2022, o governo paulista destinou R$ 68,7 milhões para custeio das câmeras corporais. Procurado, o governo não respondeu.

No estado, para cada R$ 1.687 gastos com polícias, R$ 527 foram gastos com o sistema penitenciário e R$ 1 com polícias para egressos. A SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) afirmou que a atual gestão "manteve e até ampliou" recursos destinados a egressos. Segundo a pasta, o valor cresceu R$ 1,24 milhão neste ano. "O orçamento da pasta é proporcional à população prisional paulista — atualmente, são 197.183 pessoas sob custódia da SAP."

Gastos com prisões e políticas para egressos

Rondônia é o estado que mais destina recursos para o sistema prisional — são 2,8% do orçamento destinados à manutenção das prisões. O Acre ocupa a segunda posição com 2,5% dos valores utilizados nessa área. Os dois estados fazem parte da Amazônia Legal, território disputado por facções criminosas que, em sua maioria, nascem dentro do sistema prisional.

O Acre gasta R$ 234 milhões com o sistema penitenciário. Ao mesmo tempo, o governo não investe nenhum valor em políticas para egressos. O governo acreano não respondeu à reportagem.

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Tocantins criou uma ação voltada exclusivamente para egressos em 2022, segundo o estudo. Já o Pará reduziu em R$ 2 milhões os valores destinados a políticas para pessoas que já foram privadas de liberdade.

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