Tiro, caixão e ruas vermelhas: moradores do litoral relatam violência da PM

Moradores de Santos e São Vicente relatam ameaças, intimidações e agressões por parte de policiais militares após a morte de agentes da corporação. O policiamento ostensivo foi reforçado na região pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo.

O que aconteceu

Um homem desarmado foi baleado por um policial militar no parque Bitaru, na periferia de São Vicente. Um vídeo gravado por moradores mostra o momento em que o rapaz, que é funcionário da prefeitura da cidade, é baleado à queima-roupa pelo agente. Ele foi internado em um hospital da região.

O mesmo vídeo mostra ainda os agentes com as armas em punho enquanto discutem com moradores. Um dos policiais empurra um idoso com uma bengala, que cai no chão. Na sequência, o mesmo policial continua a discussão com mais moradores. Em outro momento, ele chega a agredir o homem. Pessoas que testemunharam o disparo gritam e pedem socorro.

Lideranças comunitárias que atuam em Santos e São Vicente afirmam que moradores relatam clima de medo e tensão. Por meio de mensagens de textos, moradores afirmam: "o recado dado é que as ruas vão ficar vermelhas [uma referência ao sangue das vítimas]", "principalmente Morro e Zona Noroeste". "Não vão perguntar quem são, nome, nada, é tiro e caixão, cuidado na rua, tá cheio de policial".

Outro relato é de uma moradora do Morro São Bento, em Santos, que disse ter presenciado ao menos duas mortes. Por meio de uma mensagem de áudio, ela diz que dois homens teriam morrido. 'Não quero nem aparecer na janela, não vou aparecer em lugar nenhum", diz a mulher que pediu para não ser identificada.

Eles [policiais] atiraram pelas costas. [Um dos mortos] ficou implorando, pelo amor de Deus, para não morrer. [Ele dizia]: 'Eu sou morador, eu sou morador', implorando pelo amor de Deus. Os caras [policiais] mandaram ele correr e atiraram pelas costas. Olha, eu não quero nem aparecer na janela. Não vou aparecer em lugar nenhum.
Moradora do Morro São Bento, em Santos, em áudio

Meu irmão está aqui na barreira baleado. Os caras não querem nem deixar nós pegar o corpo.
Moradora do Morro São Bento, em Santos, em outro áudio

O que diz a secretaria da Segurança Pública

A pasta diz que a Polícia Militar instaurou inquérito para investigar o caso do agente que baleou um morador de São Vicente. "A Polícia Militar, assim que tomou conhecimento das imagens, instaurou um inquérito policial militar para apurar todas as circunstâncias relativas aos fatos."

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PM diz que foi acionada para uma ocorrência e que "um homem investiu contra policiais que intervieram". "Atingido, o homem foi prontamente socorrido ao hospital. A referida ocorrência não tem relação com a operação de combate ao crime organizado que está em curso na Baixada Santista", disse a pasta.

Nos últimos dias, a SSP enviou agentes dos Baeps para ações de combate ao crime organizado no litoral. A pasta afirma que o policiamento ostensivo e ações de inteligência da Polícia Civil tem como objetivo "identificar, localizar e prender os responsáveis pelo tráfico de drogas, visando enfraquecer a estrutura criminosa na região e restaurar a ordem e a segurança nas comunidades da Baixada Santista."

O que diz o Ministério e a Ouvidoria

O ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania disse que as denúncias se tratam de "graves violações". O órgão informou, por meio de nota, que vem a vem a público externar "a preocupação do governo federal diante dos relatos recebidos pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos de que que graves violações de direitos humanos tem ocorrido durante a chamada 'Operação Escudo'".

A pasta afirmou ainda que acompanha as ações de policiamento nas cidades desde o início das operações. "Por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e do Disque 100, [o ministério] acompanha a situação desde o início e permanecerá em contato com as autoridades locais e com organizações de direitos humanos, para que a violência cesse e a população do litoral de São Paulo possa viver em segurança."

O ouvidor da polícias Cláudio Silva disse que o órgão tem recebido denúncias nos últimos dias e acionado a Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo. "A partir de denúncias que nos tem chegado através de moradores e grupos em redes sociais, com vídeos, fotos e áudios, nota-se um recrudescimento assimétrico da violência nos últimos quatro dias, com ênfase para a sexta-feira (9)", disse o órgão, por meio de nota.

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Envio de policiais dos Baeps do ABC paulista, Guarulhos e da Grande São Paulo para a região aumenta o risco de mortes, segundo Silva. "À medida que se coloca mais pessoas armadas em um ambiente já tenso e em situação de conflito, o risco de mais pessoas morrerem se coloca iminente", diz Silva. Em entrevista coletiva, na quarta (7), Derrite afirmou que chegariam à região homens do 5º, 6º e 15º Baeps.

O ouvidor afirma que a Baixada Santista "sempre foi um território de dificuldade em todos os aspectos da segurança pública". Ele pondera, porém que enviar policiais "carregados por sentimentos de perda" não é uma ação adequada. "Sempre que se colocam policiais emocionados, sem conhecer os territórios, as pessoas se sentem mais inseguras", disse.

'"Acionei o ministro [de Direitos Humanos e Cidadania], Silvio Almeida, com algumas denúncias graves que recebi e ele se prontificou a acionar algumas autoridades para buscar respostas a essas questões que estão chegando.
Cláudio Silva, ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo

Mortes na Baixada Santista

Em entrevista, Derrite não confirmou o número total de mortos durante ações da PM desde o último fim de semana. Foram noticiados ao menos oito casos, mas órgão de defesa dos direitos humanos criticam a falta de transparência das ações. A polícia afirma que um suspeito em fuga morreu ao cair de um prédio na mesma ação que deixou um PM morto e outro ferido na quarta — o cabo José Silveira dos Santos, que foi atingido por um tiro no abdômen e não resistiu.

Santos foi o terceiro policial militar morto em 13 dias; a primeira morte aconteceu em 26 de janeiro. Nesta data, o PM Marcelo Augusto da Silva, do 38° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) de São Paulo, foi alvejado por três tiros quando voltava do trabalho para casa, em Diadema, de moto.

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