Fuga de presos do CV coloca em xeque segurança em penitenciárias federais
A fuga de dois presos da penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, coloca em xeque os protocolos de segurança no sistema penitenciário federal. Autoridades em segurança pública e especialistas afirmaram ao UOL que a ação pode endurecer políticas penais.
O que aconteceu
A força-tarefa montada em Mossoró investiga falhas de estrutura na unidade e falhas humanas que permitiram a fuga. O ex-membro do Depen — atual Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) — Fabio de Sá e Silva disse que as investigações devem apontar as vulnerabilidades do sistema. Foi a primeira fuga registrada em uma penitenciária de segurança máxima.
Sistema penitenciário federal é criado com o objetivo de desmobilizar e desarticular facções criminosas. "É um sistema pensado numa perspectiva de isolar certas lideranças e evitar que continuem tendo influência sobre a população carcerária dos estados", diz Silva. Além disso, cumprem pena em unidades federais presos sob algum tipo de risco.
Fuga comprovou que sistema não é à prova de fuga ou falhas, diz Silva. "Precisamos esperar as investigações. Não é incomum a cooptação de agentes", diz ele, que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Universidade de Oklahoma, nos EUA.
Conjunto de falhas expõe fragilidade da segurança da unidade. Para a pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça (Seviju) da UFABC, Mayara Gomes, houve falha em mais de um protocolo de segurança da unidade. "Seja pela existência de uma obra, seja pela ausência de uma muralha ao redor da unidade, a segurança interna falhou primeiro. Houve uma falha de compreensão de como os agentes poderiam de antecipar a isso", afirma ela, que pesquisa o sistema federal há cinco anos.
Mesmo sem muralha, há monitoramento do perímetro ao redor do presídio. Ao contrário da penitenciária federal do Distrito Federal, que é cercada por um muro, a unidade de Mossoró não conta com a mesma infraestrutura. Contudo, segundo a pesquisadora, há monitoramento do entorno.
Falha humana no cumprimento dos protocolos. Embora a força-tarefa montada pelos governos investigue se houve cooptação de servidores públicos da unidade, a falha humana ocorreu, na avaliação da pesquisadora, já na garantia do cumprimento dos protocolos. "É preciso entender se foram erros de várias pessoas, se essas pessoas favoreceram que isso acontecesse, se houve cooptação e qual seria o benefício oferecido", diz ela.
Ação durante a madrugada pode ter facilitado a ação. "Nesse período noturno, via de regra, não há a execução dos mesmos protocolos que funcionam durante o dia. Eles podem ter se valido desse contexto", avalia Mayara.
Um das perguntas que o governo federal precisa responder é como dois presos isolados conseguiram fugir juntos e ao mesmo tempo. Como eles podem ter conversado e planejado essa estratégia de fuga? Eles conseguiram entender a rotina da unidade para fugirem e, não à toa, a fuga ocorreu num horário com menos corpo funcional. A não captura dos presos pode ocasionar uma crise.
Mayara Gomes, pesquisadora do Seviju, da UFABC
'Imunes' a fugas?
A ausência de detalhes é uma das críticas de autoridades e especialistas. Não há informações oficiais até o momento sobre outros acontecimentos na unidade na madrugada da terça (13) — como reforma, mudanças ou ausência no equipamento de segurança. "Mesmo quem acompanha de perto não sabe bem como funciona, mais informações ajudariam a apontar vulnerabilidades do sistema", diz Silva.
A falta de transparência é uma das vulnerabilidades apontadas por Silva. O ex-membro do Depen afirma que há "poucas informações" disponíveis sobre o funcionamento do sistema penitenciário federal. "Há algum tempo, existem questionamentos sobre os excessos cometidos contra os presos no RDD [Regime Disciplinar Diferenciado]. Ao se colocar pessoas nessas condições desumanas, coloca-se a possibilidade de fuga."
Menos unidades e carreiras mais bem remuneradas. Segundo Silva, a ideia de que as unidades federais são "imunes" a fugas e rebeliões vêm também das condições do sistema penitenciário federal. "Há uma carreira mais bem remunerada do que nos estados para fazer a custódia de presos, com salário maior, e cinco unidades em funcionamento. Além disso, o governo federal tem recursos que podem aparelhar esses presídios para ser mais bem resguardados."
O governo deve aproveitar esse momento para fazer um 'inventário' do que levou a isso e como melhorar. Se foi uma falha logística ou de corrupção, não foi uma ação planejada agora. Isso não começa no governo Lula 3. Politizar é desinformar.
Fábio de Sá e Silva, ex-membro do Depen e integrante do FBSP
Revisão dos protocolos
O Ministério da Justiça anunciou ontem o afastamento da direção da Penitenciária Federal em Mossoró. O ministro Ricardo Lewandovski também determinou intervenção federal no presídio.
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Quero receberProtocolos de segurança em todas as unidades do sistema penitenciário federal serão revistos, segundo o ministério. Entre as medidas, estão a revisão de todos os equipamentos e protocolos de segurança nas cinco penitenciárias federais.
Ação conjunta das polícias para investigar a fuga. Segundo a pasta, Lewandowski acionou a Direção-Geral da Polícia Federal para abertura de investigações e o deslocamento de uma equipe de peritos ao local. A PRF também atua no monitoramento das rodovias. O governo estadual monitora divisas com outros estados.
Nomes dos fugitivos no sistema da Interpol. O ministro afirmou, por meio de nota, que instruiu a PF para registrar os nomes dos presos no Sistema de Difusão Laranja da Interpol e no Sistema de Proteção de Fronteiras, para que sejam procurados pela comunidade policial internacional.
Presos são "matadores" do Comando Vermelho. Deibson Cabral Nascimento, 33, e Rogério da Silva Mendonça, 35, que integram a principal facção criminosa do Rio de Janeiro, foram transferidos para a unidade federal após terem participado de uma rebelião no presídio Antônio Amaro Alves, no Acre, em julho do ano passado, segundo fontes ouvidas pelo UOL.
Endurecimento dos sistemas
"Respostas que o governo sempre dá", afirma Silva. "O endurecimento dos protocolos, como uma possível prolongação do RDD de alguns presos, faz parte das respostas comumente dadas pelo governo. Mas é preciso identificar as causas para que se possa evitar."
Segurança federal enfraquecida. Para Mayara, ao contrário de outros momentos de fuga, a ação em Mossoró atinge um dos pilares do sistema de segurança pública. "A segurança federal se vê enfraquecida, não foi nem uma ação estratégica, essa ação aconteceu numa configuração de que não existia uma previsibilidade", diz.
Outros episódios no sistema federal também ocasionaram o endurecimento de protocolos, como a morte de agentes penitenciários. Segundo uma portaria do governo, a visita aos presos custodiados nas penitenciárias federais pode ocorrer somente pelo parlatório e por meio virtual desde 2021. Para a pesquisadora da UFABC, até mesmo o debate das saídas temporárias pode ganhar força com a fuga em Mossoró.
A tendência é que o governo federal faça um aporte para tornar mais rigoroso o sistema federal para que se evite que existe esses pontos de falhas. Os agentes vão ser cobrados por terem falhado. Mas o desfecho sempre se apresenta com políticas mais conservadora e endurecimento.
Mayara Gomes, pesquisadora do Seviju, da UFABC
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