Traficantes e 'pastor': a facção que exige conversão e práticas religiosas

Composto por cinco comunidades, o Complexo de Israel é comandado por uma "facção evangélica" chamada Tropa do Arão, que usa a religião para atuar.

Entenda o Complexo de Israel

Referência bíblica. O local foi batizado de Complexo de Israel em uma referência à "terra prometida" para o "povo de Deus" na Bíblia.

O nome teria sido dado por Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Arão, chefe do grupo criminoso que se autodenomina Tropa do Arão. Arão, no caso, é uma figura bíblica, irmão de Moisés.

Também conhecido como "Peixão", ele tem uma persona cercada de mistério: dizem que ele seria pastor, mas ninguém sabe exatamente de qual denominação.

Considerado foragido da Justiça, o chefe da facção transmite orações via rádio. Além disso, utiliza o espaço para compartilhar visões e revelações que recebe, segundo a pesquisadora Viviane Costa, autora do livro "Traficantes Evangélicos", em entrevista à Ponte.

Domínio estendido para comunidades vizinhas. A Tropa do Arão surgiu na comunidade Parada de Lucas, e com o tempo tomou o controle de Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas — formando a vasta área de favelas chamada hoje de "Complexo de Israel".

A posição ocupada pela facção está em crescente expansão, ao atuar com propósito de ocupar novas áreas, principalmente as de geografia favorável para a implantação do tráfico de drogas.

A Tropa de Arão possui uma conexão com o chamado Terceiro Comando Puro, rival do Comando Vermelho, mas aparenta tratar-se de uma facção independente. Ela atua no sistema de alianças e acordos típicos do crime organizado, que estão em constante mudança, à medida que territórios são invadidos ou que ocorram mudanças nas estruturas de liderança.

Alvaro Malaquias Santa Rosa conhecido como Peixão e considerado o chefe do TCP Terceiro Comando puro
Alvaro Malaquias Santa Rosa conhecido como Peixão e considerado o chefe do TCP Terceiro Comando puro Imagem: Reprodução/Redes sociais

Papel da religião

Pregação religiosa é uma das marcas da Tropa do Arão. A facção exige conversão e práticas religiosas específicas para adesão e permanência na organização.

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Inspirado na "gramática pentecostal", o grupo adotou referências bíblicas. Símbolos religiosos, como a estrela de Davi, versículos da Bíblia e imagens de Cristo, são amplamente exibidos na região, incluindo um neon de grandes proporções na comunidade Cidade Alta. Grupo também usa a bandeira de Israel para marcar território.

Risco de intolerância religiosa e expulsão de membros de territórios dominados. Sob o comando da Tropa do Arão, vários templos de religiões de matriz africana e até igrejas católicas têm sido alvo dos criminosos e até dos moradores dessas regiões.

Alguns pesquisadores se referem ao fenômeno que acontece no Complexo de Israel como "narcopentecostalismo". Os integrantes da facção não apenas se declaram evangélicos, como também deixam as escolhas religiosas influenciarem nas atividades criminosas do grupo — com um papel estratégico na disputa por territórios no Rio de Janeiro.

Mas, afinal, a tropa é composta por traficantes que se tornaram evangélicos ou evangélicos que se tornaram traficantes? Os ideais se misturam. Segundo estudiosos, seus membros são traficantes que participam da "vida do crime" e da vida religiosa evangélica. Eles participam de cultos, pagam o dízimo e até patrocinam apresentações de artistas gospel na comunidade.

*Com reportagem publicada em 13/03/2024

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