Ele 'desenha' com frutas e faz mercadinho na Bahia virar galeria de arte
As visitas cotidianas a um mercado da cidade baiana de Luís Eduardo Magalhães ficaram mais alegres depois que o repositor de estoque Warlen Junior, 26, começou a emprestar seu talento artístico.
Ele cria desenhos de personagens da cultura pop com os produtos nas prateleiras e bancadas.
A inspiração veio de trabalhos semelhantes que ele via em um grupo de Facebook com colegas de profissão. "O pessoal gosta", conta Warlen sobre a repercussão de seu trabalho de repositor e promotor de vendas entre clientes. "É um trabalho diferenciado, uma técnica para chamar mais a atenção do cliente."
Warlen se dedica há três anos à técnica. Hoje, também é administrador do grupo "Repositores da depressão", que reúne 111 mil membros no Facebook.
E foi assim que o trabalho dele ultrapassou as fronteiras da cidade baiana de 116 mil habitantes onde vive e passou a circular também em outros estados.
Mas nada é tão simples quanto parece. Os desenhos exigem preparo e estudo. Antes de o desenho ganhar vida em uma prateleira, Warlen faz o esboço no papel —um trabalho que dura até 3 dias.
Depois, vem a parte de montar o desenho com as embalagens ou ou os produtos do mercado, como frutas e legumes. Segundo ele, montar o desenho é a parte mais fácil e leva cerca de duas horas para ficar pronto.
Começou com biscoitos
Warlen nasceu na cidade de Água Boa, em Mato Grosso, mas aos 4 anos se mudou com a família para Lucas do Rio Verde, a 360 km da capital Cuiabá. Foi lá que ele começou sua carreira em supermercados, aos 16 anos, como embalador e depois repositor de verduras. "Eu também ajudava meu avô a vender caldo de cana e espetinho. Sempre trabalhei desde pequeno."
Por meio das redes sociais, conheceu a esposa, que é baiana, e se mudou para Luís Eduardo Magalhães. Foi quando ele voltou a trabalhar em mercados e começou a carreira como repositor criativo.
Um dia a gerente me pediu para colocar uns biscoitos nas pontas das gôndolas. Eu não tinha pensado em nada ainda, mas aí comecei a colocar em uma forma espiral. Ela gostou, me deu espaço no mercado e me incentivou bastante.
Warlen Junior
"Gosto de usar pasta de dente, verdura, caixa de cerveja... O que você imaginar que tem no mercado eu gosto de usar para chamar a atenção de clientes", diz ele.
A mente criativa de Warlen esbarra nas limitações do mercado. "Queria fazer um carro de Fórmula 1 com caixas de cerveja, mas infelizmente o espaço do mercado onde trabalho atualmente não é muito grande. Às vezes, tenho o trabalho pronto na mente, mas infelizmente não consigo fazer por causa do espaço."
Os trabalhos de Warlen costumam ficar uma semana expostos na loja. Ele faz sempre às segundas-feiras.
"O pessoal elogia bastante, tem cliente que vai toda semana para olhar, pergunta como faz, quer saber quem fez... Elogiam muito. Não tem coisa melhor do que você receber elogio. Então, para mim, é sinal de que estou no caminho certo, quero continuar fazendo isso e quero ir mais longe."
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Quero receber'Muito esmero'
A inventividade de Warlen chamou a atenção de quem gosta de arte. Filipe Grimaldi, professor-letrista e artista visual, costuma comentar o trabalho de outros artistas na sua conta do Instagram e ficou famoso pelos bordões "chora, fotoxópi!" e "esmero e manualidade".
Segundo ele, a arte de Warlen vem de uma tradição em países como México e Colômbia, onde há outros artistas que trabalham nas gôndolas de produtos.
"Quando a gente estuda a arte popular, percebe que isso passa muito pelo mercado. Tem outra profissão, a de cartazista, que também é um artista trabalhando no supermercado", diz Grimaldi
"[A figura do] repositor, o cara que arruma as gôndolas e faz os desenhos das frutas, vem crescendo com as redes sociais. Dá para arrumar [as prateleiras], fotografar, colocar na internet para a galera interagir. Existe uma 'escola' latino-americana de trabalhar com desenhos de frutas. Você vê um pouquinho na Colômbia, no México."
Para Grimaldi, o mérito de Warlen é o trabalho artístico para reproduzir fielmente os desenhos de personagens famosos.
"Eu vi o trabalho do Warlen e é genial. Ele deve ser o melhor brasileiro que trabalha com desenhos de frutas. Achei muito legal, porque é dentro do espaço de uma profissão muitas vezes popular, que tem em qualquer lugar. Em qualquer periferia, você vai encontrar um mercadinho e, nessa função de repositor, pode desenvolver um lado artístico."
Ele pinta os alhos, embala as frutas com papel de uma cor, se esforça para fazer um trabalho muito legal. É muito esmero e manualidade pensar as cores dos personagens e reproduzir muito fielmente.
Filipe Grimaldi
Inspiração
Warlen conta que se inspira em artistas que exploram a técnica de mosaico, como o jovem Husan Mirzahabibov, que mora no Uzbequistão. "Quero chegar ao nível dele."
Mas, até lá, Warlen aproveita o reconhecimento dos clientes, da gerência do mercado e de algumas marcas, que até já mandaram mimos para o artista. "Me sinto completo por dentro."
"Pretendo virar um artista conhecido. Não pretendo mudar de profissão, mas quero me aperfeiçoar na técnica de mosaico", afirma.
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