Ninguém do governo me procurou, diz mãe de menino morto em ação da PM de SP
"Estou dilacerada. Não como, não durmo e meus filhos têm medo." É com os olhos baixos que Beatriz da Silva Rosa, 29, fala dos dias que se seguiram à morte do filho Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, em ação da Polícia Militar na noite da última terça-feira (5), em Santos, litoral paulista. "Ninguém do governo me procurou", disse ela ao UOL antes da missa celebrada em homenagem ao menino neste domingo (10) pelo padre Júlio Lancellotti em uma capela na Mooca, zona leste de São Paulo.
O que aconteceu
Ryan brincava na rua no Morro do São Bento momentos antes dos disparos. Estava com os irmãos quando foi atingido por um tiro na barriga. Ele chegou a ser levado à Santa Casa, mas não resistiu ao ferimento.
Beatriz diz ter sido muito difícil enfrentar a perda do filho. "Estou dilacerada. Eu estou... Eu não tenho nem palavras. Uma dor enorme. Não consigo dormir, não consigo comer", disse Beatriz, que tenta se recuperar para cuidar dos outros filhos, uma menina de 7 e um garoto de 10 anos. "Estou tentando passar dessa fase porque eu tenho os outros meus filhos, né? Os irmãos do Ryan."
Desde a morte de Ryan, os irmãos não saem de casa. "Além de tirar meu filho, o que aconteceu acabou com o psicológico das crianças. O psicológico dos irmãos está todo abalado. As crianças têm medo de sair na rua, está tudo bem complicado." Beatriz diz que a filha menor era muito ligada a Ryan. "Meu filho mais velho tenta continuar porque ele quer me dar força. Estamos tentando continuar agora."
Apesar do trauma, Beatriz diz que ela e as crianças não recebem acompanhamento psicológico e até agora não foram procurados pelo governo. "Ninguém me procurou ainda", disse ela ao ser questionada sobre o acolhimento por parte do estado e da PM.
A missa também foi um protesto contra a ação da polícia no velório de Ryan, na quinta-feira (7). Segundo relatos, os policiais tentaram impedir o cortejo fúnebre feito pelo morro, culminando com a presença ostensiva da polícia em frente ao velório, que gerou conflitos com familiares, parlamentares e até com o ouvidor da polícia, Claudio Silva, que declarou que a situação era "absurda".
"Foi horrível", disse a mãe. "Além de eles matarem o meu filho, que só tinha quatro aninhos, eles vieram e impediram um enterro. Pra mim foi horrível porque eu estava muito mal. Não conseguia nem sair do carro", lembra Beatriz.
Quero que eles paguem pelo que eles fizeram, eu quero que eles sejam presos e paguem pelo que eles fizeram. Isso não pode cair impune.
Não foi uma bala perdida. A gente sabe que não foi uma bala perdida, foi uma bala encontrada. Porque se matou meu filho, é porque foi uma bala encontrada.
A gente procura ter paz agora, né? O morro, a comunidade, agora pede paz. É o que a gente quer.
Beatriz da Silva Rosa, mãe de Ryan
"Violência descontrolada"
Durante a missa, padre Julio lembrou que o pai de Ryan, marido de Beatriz, também foi morto pela polícia no começo do ano. Leonel Andrade dos Santos foi fotografado ao lado de muletas uma hora antes de ser morto em uma ação policial em fevereiro deste ano também em Santos. A família nega confronto, mas a PM sempre afirmou que Leonel atirou contra os policiais.
Ao UOL, o padre defendeu limites ao governo e à polícia. "O Estado tem que colocar limites na ação para que seja uma ação constitucional ou uma ação que esteja dentro dos limites estabelecidos legalmente. Que as pessoas sejam respeitadas e se evitem esses problemas de que é tudo culpa de bala perdida, porque a repressão no enterro não era bala perdida, era a repressão mesmo", afirmou.
É uma coisa chocante que estamos vivenciando essa violência descontrolada. Uma violência do Estado, daqueles que tem de proteger a vida, especialmente dos mais pobres, dos abandonados, dos vulnerabilizados pelo sistema sociopolítico e econômico que vivemos.
Padre Julio Lancellotti
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A Polícia Civil disse ter aberto inquérito para apurar a origem do disparo. A SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que fará perícia nas armas apreendidas dos policiais militares envolvidos na ocorrência e no local onde a criança foi baleada. Segundo a PM, sete policiais envolvidos na ação foram afastados das ruas.
A PM disse que fazia patrulhamento quando foi atacada por um grupo de dez suspeitos e revidou disparos. Além de Ryan, um adolescente de 17 anos morreu e outro de 15 foi baleado na ação. Moradores contestam a versão da PM e negam o confronto.
Mãe de menino disse que tinha uma medida de proteção contra a PM após a morte do marido. Questionada, a SSP não se posicionou sobre o caso. Assim que houver manifestação, ela será incluída nesta reportagem.
Secretário da Segurança disse que a morte de Ryan está sendo usada como "vitimismo barato". A declaração de Guilherme Derrite foi feita em resposta ao questionamento durante um sessão na Assembleia Legislativa, no último dia 6. "Lamento que uma deputada estadual faça um vitimismo barato na Assembleia Legislativa, usando a morte de um menino de 4 anos para fazer politicagem. Não vou falar sobre a ocorrência, quem tem que falar sobre a ocorrência é o inquérito da Polícia Militar que foi instaurado", afirmou.
Não teve confronto, os 'meninos' só fugiram [suspeitos de envolvimento com o tráfico ao perceber a aproximação policial]. A gente estava na rua, as crianças estavam brincando. Quando a polícia começou a atirar, a gente saiu correndo. Quando vi, tinha muito sangue no chão. E era do meu filho, que tinha sido baleado. Estou arrasada, eu perdi um pedaço de mim.
Beatriz da Silva Rosa, mãe de Ryan
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