Cruzando a floresta e com medo da covid: o voto em locais de difícil acesso
Caminhadas por longos trechos a pé no meio da floresta, viagens por rios tortuosos que são as estradas amazônicas e quebra do isolamento social. Votar e dar acesso ao voto no dia 15 de novembro no Amazonas é um desafio que mobiliza recursos humanos e financeiros diferentes de todo o Brasil.
Seções de difícil acesso chegam a 324 no Amazonas, segundo o TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas), mas totalizam mais de mil em todo o país. Estado recordista em pontos de votação de difícil acesso, reúne dificuldades de deslocamento mesmo em seções sem essa classificação. A tarefa piorou com a pandemia de covid-19.
"Nossa preocupação é grande em sair da nossa comunidade, mas a gente precisa sair e fazer a nossa voz falar para os representantes municipais com o nosso voto", diz Marlete Cambeba, 35, liderança indígena que vive na aldeia Tururukari-uka, a 500 m de uma das vicinais da rodovia AM-070, em Manacapuru (AM).
A cidade fica a 70 km de Manaus, distância considerada próxima, até por conta do acesso por estrada. Os 20 eleitores da aldeia Tururukari-uka votam numa vila rural de Manacapuru, para onde se deslocam em grupo e a pé.
Marlete afirma que comunidades mais distantes enfrentarão até três dias de rabeta (uma canoa com motor de baixa potência) para chegar às seções eleitorais.
É o caso dos indígenas da aldeia Jatuarana, que ainda têm de lidar a seca dos rios. "Para votar, vão quebrar o isolamento. Já estão avisados: têm que chegar à cidade com máscaras, álcool em gel, não pode comer com a colher do outro nem tomar no mesmo copo. Tem que ter cuidado para evitar adoecer. Tem gente grave na UTI", disse ela.
O Amazonas é o maior estado em extensão territorial do Brasil, mas sua baixa densidade populacional faz a eleição envolver esforços desafiadores. Urnas, funcionários do TRE e eleitores chegam a encarar dias de viagens a barco.
Também há casos de uso de helicópteros para instalação de seções em localidades chamadas de dificílimo acesso, onde, até por rio, o caminho não é possível.
"O custo da votação no Amazonas é alto e chega a R$ 7,2 milhões. Envolve equipamentos, pessoal e transporte", disse Jander Valente, chefe de TI (Tecnologia da Informação) do TRE-AM.
A 1.000 km das comunidades em Manacapuru, está Atalaia do Norte, extremo norte, onde vive o indígena e professor Pixi Kata Matis, 27. Ele conta que não vê sua família desde o início da pandemia, isolada na aldeia Tawaya, no Vale do Javari, onde fica a maior reserva de índios isolados do mundo.
O indígena afirma que são quatro aldeias matis com cerca de 300 indígenas. Cerca de metade são eleitores. Numa das aldeias, será instalada uma das seções consideradas de difícil ou dificílimo acesso no Amazonas.
Na nossa aldeia ainda não entrou covid-19. Todo mundo vai votar porque é obrigatório e porque é direito nosso. Queremos ter um representante na Câmara
Pixi Kata Matis, professor
A 685 km de Atalaia do Norte, outro rincão se prepara para a votação de pessoas que vivem isoladas no meio da floresta, no município de Canutama.
O juiz Luiz Cláudio Chaves visitou as localidades há dez dias. Viajou de Manaus para Porto Velho de avião. Lá, foi de picape pela BR-319 e rodou 40 km para dentro da floresta numa estrada de terra. "Ora estávamos no território do município de Canutama, ora de Humaitá. Porque a estrada serpenteia por esses municípios", afirmou.
"As pessoas, mesmo isoladas, dão essa importância ao voto. Esse esforço que fazem para votar me comove. Porque elas acreditam na democracia", disse o juiz.
Índios abandonados e contaminados
Nas eleições de 2012, 1.200 indígenas foram enganados por candidatos não indígenas e atraídos para votar na cidade em troca de gasolina e outros presentes. O resultado foi desastroso.
Foram abandonados e, sem terem como voltar para as aldeias, contraíram infecção por rotavírus. Duzentos adoeceram e quatro crianças morreram. Ao retornarem, houve mais cuidado para que a doença não se alastrasse.
O procurador eleitoral Rafael Rocha afirmou que garantir o voto e a segurança sanitária das aldeias é foco principal.
Além dos protocolos de higiene, há a proibição da entrada de não indígenas em aldeias. No dia 15, os mesários serão indígenas.
"Ficaremos atentos para assegurar o direito de voto aos indígenas e a proteção deles para que não haja expansão da pandemia."
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