Parceria PT-PSOL em SP fica em xeque após votação baixa de Boulos

Com votação abaixo do esperado, o desempenho de Guilherme Boulos nas urnas de São Paulo colocou em xeque a parceria do PT e do PSOL para as próximas eleições na cidade.

O que aconteceu

Derrota já seria fator suficiente para suscitar dúvida da continuidade. Mas foi a votação abaixo do esperado que, para representantes de ambos os lados, deve fazer com que a parceria seja reavaliada.

Ala do PT ouvida pelo UOL diz que a aliança não ajuda no diálogo com eleitores de centro. Eles avaliam que além da pecha de radical explorada por adversários de Boulos, a imagem atribuída ao PSOL como partido de "extrema esquerda" pesa na articulação política.

Os petistas também afirmam que o psolista teria atingido um teto de votos sem conseguir avançar para outros eleitorados. Em 2020, Boulos fechou o segundo turno com 2,1 milhões de votos. Neste ano, foram 2,3 milhões (leia mais abaixo).

O vice-presidente da legenda, Washington Quaquá, classificou a escolha por Boulos como "a crônica de uma morte anunciada". Ele é um dos petistas que defendem chapas "amplas" e cita como exemplo a eleição de Fortaleza (CE), onde Evandro Leitão (PT) venceu com uma vice do PSD. Quaquá, que foi eleito prefeito em Maricá (RJ), publicou as críticas ao partido nas redes sociais.

Aliados do deputado e psolistas ressaltam que o PT não tem um representante no estado que consiga atrair o mesmo número de votos. Eles ironizam ainda o resultado pífio de Jilmar Tatto nas eleições de 2020 — o secretário de comunicação do PT amargou o 6º lugar com 8,65% dos votos válidos na corrida municipal e atingiu a pior marca do partido na cidade.

As declarações de ambos os lados levaram a presidente nacional da sigla a se manifestar a favor do ex-líder do MTST. "Boulos esteve conosco nos piores momentos de nossas vidas", afirmou Gleisi Hoffmann, em referência ao impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e à prisão de Lula, em 2018. "Esteve ao nosso lado quando poderia ter disputado contra nós, pela esquerda", disse em entrevista à Folha de S.Paulo.

A presidente do PSOL, Paula Coradi, também procurou colocar panos quentes e destacou que a preocupação do momento é frear o avanço da extrema direita. "Primeiro, vamos ganhar a Presidência para depois nos preocuparmos com 2028", disse. Ela ressalta que a campanha de 2024 foi feita conjuntamente e ambos os lados cumpriram os acordos firmados.

Já o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, foi mais enfático ao afirmar que a parceria deve permanecer. "A derrota não vai nos afastar do Boulos. O PT considera que a campanha foi boa, apesar de muito difícil, e temos de ressaltar que essa eleição foi a eleição dos prefeitos, que se reelegeram em sua grande maioria", destacou, sem citar diretamente o pleito de 2028.

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Mas para que Boulos represente mais uma vez o PT na disputa paulistana, há aliados do psolista que defendem sua filiação ao partido. Neste ano, pela primeira vez, a legenda não teve candidato em São Paulo. O movimento é visto quase como "impossível" por interlocutores do PSOL, que têm em Boulos o principal nome do partido.

Até lá, aliados afirmam que cabe agora a Lula ajudar Boulos a mostrar sua capacidade de gestão, dando a ele o comando de um ministério. O prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB) explorou em debates e no horário eleitoral o fato de Boulos nunca ter exercido um cargo executivo nas gestões petistas.

Para especialistas, a avaliação é que o nome de Boulos não pode ser desperdiçado pelo PT. "Pensar em uma saída dele do PSOL pode criar um desgaste maior entre os partidos também", afirma Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas e membro do Observatório das Eleições.

Para o cientista político Claudio André de Souza, é importante que os dois partidos trabalhem na construção de uma oposição forte a Nunes. "Boulos também precisa entender como vai projetar sua carreira política de olho em 2026", afirma.

'Versão light' não rendeu mais votos

Aceno de deputado ao centro não rendeu aumento de votos e descaracterizou discurso do PSOL na avaliação de alguns correligionários. Interlocutores avaliam que a versão "light" de Boulos — levada às últimas consequências na sabatina online com Pablo Marçal (PRTB) às vésperas das eleições — pode até ter afastado uma parcela dos eleitores.

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Apesar de custeada majoritariamente pelo PT, com o aporte de R$ 44,1 milhões (54% do total), a campanha de Boulos foi desenvolvida por ambos os partidos. A decisão de tentar amenizar a imagem radical do então candidato foi avalizada também pela direção do PSOL.

A base, no entanto, gostaria de ter sido mais ouvida, especialmente no segundo turno. Interlocutores dizem que Boulos preteriu vereadores e militantes do PSOL para apostar quase que exclusivamente na força política de nomes nacionais, como a então candidata a vice, Marta Suplicy (PT), o atual vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e claro, o presidente Lula.

Estratégias em redes sociais também foram criticadas por ambos os lados. A conclusão é que perdeu-se muito tempo criticando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em uma disputa que deveria ter como foco os problemas da cidade e não temas tidos como ideológicos.

A presidente do PSOL comentou o resultado das urnas e disse que Boulos enfrentou uma campanha "muito violenta". "No primeiro turno, ele sofreu um ataque de laudo falso e depois, no dia do segundo turno, o governador fez uma fala criminosa sobre o crime organizado", ressaltou Coradi.

Em sua primeira publicação após a derrota, Boulos disse que "valores são inegociáveis". "Há aqueles que tirarão disso a conclusão de que a esquerda tem que recuar mais e ceder em nossas visões de mundo. Eu não. Aliás, não foi assim que o bolsonarismo ganhou parte importante da sociedade", escreveu.

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