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Crivella não deixou de ser bispo enquanto prefeito, diz professor da USP

Crivella faz oração ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido): imagem foi usada em programa eleitoral - Reprodução/ Youtube
Crivella faz oração ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido): imagem foi usada em programa eleitoral Imagem: Reprodução/ Youtube

Igor Mello

Do UOL, no Rio

06/12/2020 04h00

A derrota com ampla margem de Marcelo Crivella (Republicanos) frustrou não só os planos do atual prefeito do Rio, como será uma "mácula" para políticos evangélicos daqui em diante. Essa é a avaliação do sociólogo Ricardo Mariano, professor da USP (Universidade de São Paulo) e um dos maiores estudiosos do país da participação de evangélicos na política.

Para Mariano —autor de Neopentecostais, livro que analisou a expansão evangélica no país desde 1970—, Crivella e a Iurd (Igreja Universal do Reino de Deus) colheram um resultado negativo de sua passagem na Prefeitura do Rio, vista como uma vitrine para as pretensões políticas do segmento. Crivella é sobrinho de Edir Macedo, fundador da Iurd, e bispo licenciado da denominação religiosa.

Como o UOL revelou, Crivella se tornou o candidato menos votado do Rio em um 2º turno —teve 913.700 votos (35,93% do total). Ele também é o primeiro mandatário carioca a não se reeleger desde 2000, quando Luiz Paulo Conde (MDB) foi derrotado por Cesar Maia (DEM).

[O governo Crivella] É uma mácula e queima o filme dos evangélicos na política. Tem ainda essa estratégia eleitoral de Crivella no estilo guerra santa, baseado nesse dualismo bíblico de uma luta do bem contra o mal. Boa parte da população, que não é evangélica ou cristã conservadora, vê isso como uma interferência indevida da religião na política

Ricardo Mariano, sociólogo e professor da USP

Rejeição x Aparelhamento religioso

Mariano avalia que, além da gestão equivocada da pandemia de covid-19, Crivella pagou o preço de uma administração marcada pelo uso da máquina pública para beneficiar seu grupo religioso —fato que, em sua visão, contribuiu significativamente para a alta rejeição captada por pesquisas eleitorais.

"Teve um governo que produziu uma visibilidade pública altamente negativa não só pela gestão desastrosa do município. Crivella foi pego tentando privilegiar indevidamente o atendimento público de evangélicos na área de saúde. O 'fala com a Márcia' foi extremamente revelador. Realizou censos religiosos em órgãos públicos e ainda cedeu ou tentou ceder espaços públicos para a Igreja Universal", enumera.

Ou seja: Ele não deixou de ser bispo enquanto prefeito. Foi extremamente reacionário nas questões de costumes. Optou literalmente por uma guerra cultural de viés homofóbico e antifeminista contra o Carnaval e as minorias. Isso teve repercussão ao longo de quatro anos de seu governo.

Ricardo Mariano, sobre influência da religião na gestão Crivella

Concessões feitas por Eduardo Paes

Ricardo Mariano avalia que os ataques feitos por Crivella não surtiram o efeito de colar em Eduardo Paes (DEM) uma imagem de inimigo dos evangélicos. No entanto, diz que o prefeito eleito teve que fazer acenos e assumir compromissos com esse público conservador para sobreviver à tentativa de desconstrução.

A postura de Eduardo Paes reforça o crescente poder político dos evangélicos. Se ele impôs a Crivella e a boa parte do eleitorado evangélico uma derrota acachapante, ao mesmo tempo sua vitória foi obtida fazendo concessões aos conservadores. Paes se comprometeu em não implantar educação sexual nas escolas, por exemplo, fazendo uma opção educacional pela ignorância.

"Isso mostra para os políticos evangélicos o medo dos candidatos seculares e a disposição de ceder tudo que podem para não sofrer boicote ou rejeição", completa o sociólogo.

28.nov.2020 - Marcelo Crivella no último dia de campanha eleitoral no Rio - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
28.nov.2020 - Marcelo Crivella no último dia de campanha eleitoral no Rio
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Desgaste para candidatos evangélicos?

Mariano avalia que a gestão Crivella pode ser usada contra candidaturas de outros políticos oriundos de igrejas evangélicas. Contudo, vê certo risco para adversários que utilizem essa estratégia de desconstrução.

"É algo que poderá ser explorado pelos adversários políticos. Mas há um risco político e eleitoral de explorar esse desastre da gestão do Crivella. Porque a exploração disso pode ser ressignificada como uma forma de ataque às igrejas evangélicas", analisa.

Desgaste com o eleitorado evangélico

"Crivella não representa o conjunto dos evangélicos. O fato de ser sobrinho de Edir Macedo e bispo o identifica mais diretamente com a Igreja Universal, que tem a imagem pública mais negativa do que a de qualquer outra igreja evangélica no país. Contra Marcelo Freixo em 2016, com a imagem de comunista e a polarização antipetista, Crivella conseguiu conquistar 92% dos pentecostais e 80% dos protestantes, mas, depois de quatro anos de um governo problemático, perdeu parte considerável dos votos evangélicos", recorda.

Impacto das denúncias de corrupção

Crivella deixa o governo com o fantasma do QG da Propina, investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) sobre um suposto esquema de corrupção comandado por ele na prefeitura.

Contudo, Mariano avalia que as denúncias contra ele e outros próceres dos evangélicos na política —como Pastor Everaldo, presidente do PSC preso por suposto envolvimento em fraudes na saúde— não representam uma novidade para esse campo religioso.

Os políticos evangélicos estão envolvidos em corrupção há décadas. Sempre foram vinculados a partidos do Centrão, então o fisiologismo é uma marca central do ativismo político evangélico no Brasil.

"Nós tivemos 27 deputados federais evangélicos com envolvimento na Máfia dos Sanguessugas, boa parte da Assembleia de Deus e da Igreja Universal, justamente as igrejas com o maior número de parlamentares no Congresso. Na CPI dos Anões do Orçamento, agora mais recentemente com Eduardo Cunha, que está preso. O casal Garotinho, que também perdeu seus direitos políticos e chegou a ser preso. E agora mais recentemente o Pastor Everaldo. Esse moralismo reacionário nada tem a ver com ética na política. São coisas completamente diferentes", conclui.