Lula: Bolsonaro colocará sigilo de 100 anos em reportagem?; veja reações
A Justiça do Distrito Federal e dos Territórios censurou reportagens do UOL sobre o uso de dinheiro vivo em 51 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro nos últimos 30 anos.
A pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL), o desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti determinou que o UOL retire do ar duas reportagens e postagens em suas redes sociais com menção às reportagens. O UOL cumpriu a decisão liminar, mas vai recorrer. Políticos, autoridades e entidades reagiram ao atentado à liberdade de imprensa (veja a repercussão a seguir).
A primeira reportagem censurada, publicada em 30 de agosto, informa o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde o início dos anos 90.
A segunda reportagem, publicada em 9 de setembro, detalha as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.
À noite, o ministro do STF André Mendonça derrubou a decisão judicial. Em sua decisão, Mendonça - que foi indicado ao cargo de ministro do STF por Bolsonaro - diz que o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, não encontra guarida na Constituição Federal.
Veja a repercussão da decisão:
Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?"
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente e candidato do PT à Presidência
Trata-se de um claro atentado à liberdade de imprensa, um ato de censura que relembra os tempos da ditadura. Tenho certeza de que essa equivocada liminar concedida pelo desembargador será cassada rapidamente. (...) Mas seja como for nada vai conseguir ocultar a corrupção escancarada da família Bolsonaro. Basta lembrar que, segundo o Datafolha, 69% dos brasileiros consideram que há corrupção no governo."
Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência
A 'famíglia' é famosa pelas práticas da Casa Nostra. Tem um próspero banco imobiliário com 51 imóveis pagos em dinheiro vivo e pelos segredos, o pacto de silêncio. A Ormeta. Tudo que incomoda precisa de segredo secular ou é objeto de censura."
Renan Calheiros, senador (MDB-AL)
Não conheço os fundamentos da decisão. De início, prevalecem a liberdade de expressão, de manifestação. É sempre perigoso a censura prévia. Qualquer consequência do que veiculado considerada a honra do cidadão deve ser resolvida no campo da responsabilidade cível e penal, mediante ação individual."
Marco Aurélio Mello, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)
Considero como censura ao jornalismo investigativo. É evidente que uma coisa é o sigilo no processo de investigação, outra coisa é o sigilo do conteúdo. O conteúdo, no que está sendo investigado, jamais pode ter sigilo, porque é de interesse público, em especial. Estamos às vésperas do processo eleitoral, e é inaceitável que a sociedade não tenha acesso a todas as informações para tomar a decisão correta."
Reginaldo Lopes (PT-MG), líder do PT na Câmara e autor da LAI (Lei de Acesso à Informação)
A Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo] vê com muita preocupação uma decisão judicial que manda retirar um conteúdo que é baseado em fatos, em documentos. Não há nenhuma inverdade nesse conteúdo. A gente acha que o Judiciário extrapola quando toma esse tipo de decisão porque cerceia o debate e impede que as pessoas tenham acesso a informações importantes."
Katia Brembatti, presidente da Abraji
Mais uma vez Bolsonaro ataca a liberdade de imprensa e busca impedir que ela cumpra com seu dever de informar a população. O uso de dinheiro vivo para compra de imóveis por parte da família do presidente da República é um indício de muitas ilegalidades, as quais o povo brasileiro merece conhecer."
Sâmia Bomfim (PSOL-SP), líder do PSOL na Câmara
Eu não tive acesso à sentença, mas o material jornalístico revelado pelo UOL é de alta relevância e deve ser de conhecimento público --assim como a liberdade de imprensa deve ser respeitada."
Alessandro Vieira, senador (PSDB-SE)
Uma decisão estapafúrdia. (...) A verdade é que essa informação causou impacto no eleitorado do presidente e a família Bolsonaro não quer que isso seja do conhecimento da população. (...) Mesmo que o inquérito estivesse sob sigilo, se a imprensa teve acesso a uma informação, ela tem o direito de divulgar."
Humberto Costa, senador (PT-PE)
A censura, como já deixaram claro inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), é inconstitucional, ainda que determinada judicialmente (...) Diversos órgãos de imprensa também publicaram dados da denúncia ao longo de dois anos e não foram censurados anteriormente. Não é porque o Judiciário anulou a decisão que cessa o direito à informação. Especialmente, no caso de informações corretas e de interesse público".
ABI (Associação Brasileira de Imprensa) em nota
O pedido de censura veio de Flávio Bolsonaro, que comandou a lavanderia mais doce do Brasil. Depois da reportagem não houve uma única explicação sobre a imobiliária Bolsonaro. A única certeza que se tem é que o dinheiro é sujo, afinal foi tudo na surdina. (...) É inacreditável que um desembargador censure a imprensa em algo tão grave. Fica aqui meu repúdio à decisão e meu apoio ao jornalismo livre."
Joice Hasselmann, deputada federal (PSDB-SP)
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) repudia veementemente e questiona a decisão (...) O fato de os acontecimentos não terem passado ainda pelo crivo da Justiça não impede que o jornalismo aponte a suspeição dos mesmos, ainda mais quando envolvem pessoas públicas, ocupantes de cargos no Executivo e no Parlamento, cujas ações devem e podem estar sempre sujeitas ao escrutínio da imprensa e da sociedade."
SJPDF em nota
Essa censura que às vezes um aqui ou outro ali decide por uma liminar é sempre perigosa, porque a informação é fundamental para o fortalecimento da democracia. Espero que ele possa rever a decisão e que uma instância superior derrube logo essa decisão. O Brasil não pode passar a imagem que é um país que vem reduzindo as suas condições de liberdade, principalmente a liberdade de imprensa que é tão importante para que a sociedade tenha as informações corretas e com elas possa tomar suas decisões."
Rodrigo Maia (PSDB-RJ), ex-presidente da Câmara dos Deputados
A decisão judicial configura-se como censura. Trata-se de mais um grave atentado à liberdade de imprensa e ao direito da população de ser informada, cometido por quem deveria zelar pela Constituição, ou seja, pelo Judiciário. A família Bolsonaro que busque na Justiça a reparação de danos, se houver. Mas a retirada das matérias é censura e deve ser condenada por toda a sociedade, sobretudo nesse momento do debate público em torno das candidaturas à Presidência."
Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) em nota
A decisão fere o direito à informação da população sobre caso de relevante interesse público, sobretudo no contexto das eleições. (...) Silenciar a imprensa sobre condutas suspeitas de candidatos a nove dias do processo eleitoral não apenas impacta o direito do eleitor de fazer sua escolha de maneira informada como fomenta um ambiente já intimidatório para a atuação da imprensa no Brasil, com sérias consequências para a democracia."
Repórteres Sem Fronteiras em nota
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