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'Duplamente desprezados': como estão os eleitores nordestinos evangélicos

Gyordano, Franklin e Matheus são nordestinos e evangélicos; nas eleições, ouviram ataques da esquerda e da direita - Arquivo pessoal
Gyordano, Franklin e Matheus são nordestinos e evangélicos; nas eleições, ouviram ataques da esquerda e da direita Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Marques

Do UOL, em São Paulo

08/10/2022 04h00

Atacados de um lado e de outro na política, nordestinos evangélicos rejeitam os estereótipos. No fim do primeiro turno das eleições, ouviram críticas tanto de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto de eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"É um fogo cruzado", diz o servidor público Franklin Muniz, 39. Natural de Natal e morador de Maceió, ele frequenta uma igreja adventista, denominação cristã protestante.

De apoiadores de Bolsonaro, Muniz escutou que nordestinos votam em Lula por causa do assistencialismo. De defensores de Lula, ouviu que os evangélicos estão todos fechados com Bolsonaro.

No primeiro turno das eleições, apenas cinco pontos percentuais separaram as votações de Lula e Bolsonaro em todo o Brasil. Considerando o recorte apenas da região Nordeste, porém, a diferença foi maior: 67% para o petista contra 26,8% para o atual presidente.

Por isso, Bolsonaro tem intensificado sua estratégia de campanha no segundo turno no Nordeste. Na outra ponta, a equipe de Lula busca lideranças evangélicas mirando apoios no segmento — os evangélicos representam 31% da população brasileira.

"Na igreja que eu frequento, você não vê um pastor lá na frente dizendo que temos de votar no Bolsonaro", diz Muniz, que também afirma que nem todos os evangélicos são contrários a pautas mais progressistas, como os direitos de homossexuais.

"Vejo que o pessoal generaliza como se todos os evangélicos pensassem dessa forma", reclama. "São muitas nuances."

Ele conta que apoiou o atual presidente na eleição de 2018, com a esperança de uma mudança na política, mas se arrependeu logo no início do governo e diz que não apoiará Bolsonaro de novo. Também tem críticas a Lula e ainda não sabe o que vai fazer no segundo turno. "São estereótipos dos dois lados."

Pastor de uma igreja anglicana em João Pessoa (PB), Gyordano Brasilino, 32, se reconhece como evangélico e se sente "duplamente desprezado".

"Vi pessoas criticando nordestinos, especialmente pessoas que são eleitores de Bolsonaro ou que apoiam algo que ele defende. Isso não é coisa de hoje", diz ele, natural de Piancó, no sertão paraibano.

"Também vi pessoas criticando os evangélicos porque houve grande apoio dos evangélicos ao candidato Bolsonaro."

Cristãos de segunda categoria

Para o pastor, a tensão cresceu e agora, no segundo turno, a tendência é de maior polarização. Na igreja que frequenta, Brasilino diz não prestar apoio a nenhum candidato — ele não declara seu voto.

E, por não se posicionar politicamente, afirma o pastor, a igreja em João Pessoa vem recebendo fiéis de outros templos, que preferem estar em um espaço de neutralidade.

"Pessoas têm nos procurado em busca de um lugar com melhor convivência", diz o pastor. "Elas têm se sentido hostilizadas, diminuídas como se fossem cristãos de segunda categoria."

Para o estudante de direito Matheus Serravalle, 19, falta à esquerda reconhecer que boa parte do Brasil é cristã (oito em cada dez são católicos ou evangélicos) e que pautas como aborto e a descriminalização das drogas são impopulares entre esses segmentos.

Soteropolitano e frequentador de uma igreja batista em Salvador, ele é contrário a Lula, acredita que houve "instrumentalização da pobreza" — o que também não significa que vote Bolsonaro.

"Ele (Bolsonaro) conseguiu instrumentalizar a religião em seu próprio favor, se coloca como se fosse um representante da igreja." No segundo turno, Serravalle planeja anular o voto.