Marçal perde após campanha agressiva que forjou laudo na reta final
O influenciador Pablo Marçal (PRTB) ficou de fora do segundo turno, derrotado por Guilherme Boulos (PSOL) e pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que fazem o segundo turno no dia 27. Após uma campanha agressiva em que ganhou destaque com um discurso antissistema e de golpes abaixo da cintura dos adversários, Marçal foi rejeitado nas urnas, embora tenha tido uma boa votação para um estreante nas urnas.
O que aconteceu
Ex-coach saiu das urnas com mais de 1,7 milhão de votos. Com 100% das urnas apuradas, ele havia conseguido 1.719.274 votos. Ele saiu de uma intenção de votos de um dígito para 26% neste sábado, segundo o Datafolha. Empatado tecnicamente com Boulos e Nunes, Marçal parecia ter um cenário seguro para ir ao segundo turno com um leve crescimento na última semana — mas, a dois dias da votação, o candidato decidiu forjar um laudo falso contra Boulos.
Marçal ainda não era candidato à Prefeitura de São Paulo quando publicou um vídeo, em maio deste ano, acusando o governo do Rio Grande do Sul de barrar caminhões com comida para a população atingida pelas enchentes. A notícia falsa foi logo desmentida, mas deu uma pista de como ele disputaria as eleições na maior metrópole do país.
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Marçal traçou a estratégia de atacar os adversários a nível pessoal, com mentiras, exageros ou distorções, para alavancar o engajamento nas redes sociais, sua grande plataforma de campanha. A participação em debates — foram 11 no primeiro turno, um número recorde — foi marcada por provocações, desrespeito às regras, discussões aos gritos e episódios de violência física.
"Eu sei que ainda sou visto como um imbecil" disse o candidato após debate do canal Flow. "Só que, se eu não chamasse a atenção do jeito que estou chamando, não teria como nem competir com esses caras", declarou o influenciador após o debate do canal Flow, em 23 de setembro. Essa a justificativa dele para alimentar o antagonismo aos adversários nas redes: por estar filiado ao PRTB, um partido sem cadeiras no Congresso, Marçal não teve acesso à propaganda gratuita no rádio e na TV.
O debate no Flow foi um exemplo de como ele obtinha essa atenção. Após ser advertido várias vezes pelo moderador por usar apelidos pejorativos contra os oponentes, Marçal acabou expulso do programa. Na confusão que se instalou em seguida, seu aliado Nahuel Medina deu um soco em Duda Lima, marqueteiro do prefeito Ricardo Nunes (MDB), e foi parar na delegacia.
Marçal começou a corrida eleitoral com o objetivo declarado de atrapalhar Guilherme Boulos (PSOL), principal nome de esquerda na disputa. Em entrevista ao UOL em 9 de junho, ainda na pré-campanha, ele afirmou que "teria pensado muito mais" antes de concorrer se o psolista não estivesse no páreo. Desde então, o empresário tentou por várias vezes colar no deputado a imagem de usuário de cocaína, o que culminou com a divulgação de um laudo médico falso às vésperas das eleições.
O laudo falso, feito com assinatura de um médico morto e com aparente ajuda de um amigo de Marçal, foi visto com um "suicídio eleitoral" do candidato. Depois de ganhar milhões como palestrante e dando cursos, a estratégia foi vista como um caminho para se tornar nacionalmente conhecido e seguir faturando, mais ainda, como empresário. Até pelo menos 2026, quando deve repetir a investida política.
A campanha do Marçal usa várias táticas da extrema direita, mas a principal ferramenta dele é a mentira. Ele mesmo já admitiu que mentiu várias vezes. E a justificativa é que na eleição vale tudo, que a eleição é um jogo.
Jorge Chaloub, professor de ciência política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
O especialista vê semelhanças no comportamento de Marçal e de políticos como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas considera que o ex-coach se diferencia pelo atrevimento. "O Bolsonaro se elegeu usando a mentira como ferramenta de campanha? Sem dúvida. Mas me parece que o Marçal tem uma desfaçatez maior", analisa.
'Compre a sua pipoca, que o pau vai quebrar'
Marçal foi lançado como pré-candidato em 25 de maio. Quatro dias depois, quando foi mencionado na pesquisa Datafolha, ele apareceu com 7% dos votos, em empate técnico com Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB). A partir dali, e ainda antes do início oficial da campanha, passou a atacar os futuros adversários, a quem ele chamava de "consórcio comunista".
O primeiro alvo foi Boulos. No início de junho, Marçal foi à Câmara dos Deputados e conseguiu um broche de parlamentar para acompanhar a sessão do Conselho de Ética que julgava André Janones (Avante-MG) por suspeitas de rachadinha. O objetivo, segundo ele, era "colocar pressão" sobre Boulos, relator do caso, e os dois bateram boca pela primeira vez.
Um mês depois, em entrevista a um podcast da revista IstoÉ, Marçal atacou Tabata Amaral (PSB) ao falar sobre o suicídio do pai dela, em 2012. Além de culpar a deputada pela tragédia, o empresário mentiu ao dizer que ela tinha viajado aos Estados Unidos e abandonado a família na ocasião. Meses depois, já na campanha, o influenciador pediu desculpas pela atitude.
Marçal foi oficializado como candidato no início de agosto. No evento, afirmou aos apoiadores que faria revelações no debate da Band, o primeiro da corrida eleitoral, dali a quatro dias. "Compre a sua pipoca, que o pau vai quebrar", prometeu o empresário.
No debate, Marçal fez a primeira tentativa de rotular Boulos como usuário de drogas. Disse que o rival "frequentava biqueiras" e o apelidou de "comedor de açúcar". No debate seguinte, do Estadão/Terra/FAAP, o influenciador tirou Boulos do sério ao afirmar que ele nunca trabalhou. Quando os dois se sentaram, Marçal mostrou uma carteira de trabalho ao oponente em tom de zombaria, e Boulos tentou arrancar o documento das mãos dele. A imagem viralizou e virou munição para os apoiadores do ex-coach.
Em meados de agosto, Marçal crescia nas pesquisas e as campanhas dos concorrentes estavam desnorteadas. Boulos, Nunes e Datena escolheram não ir ao debate da Veja, no dia 19, para não dar palco ao influenciador, mas a estratégia deu errado: Marçal e Tabata roubaram a cena, e os líderes na disputa decidiram não faltar a mais nenhum encontro na TV.
A escalada da baixaria
A Justiça tomou a primeira medida concreta contra Marçal em 21 de agosto. Atendendo a um pedido de Tabata, o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) mandou tirar do ar as redes sociais do influenciador, por suspeita de que ele pagava seguidores para produzirem e divulgarem vídeos do candidato em ação.
A medida teve pouco efeito prático. Além de abrir novos perfis nas redes, que acumularam milhões de seguidores nos primeiros dias, Marçal dobrou a aposta na agressividade e prometeu "tocar o terror" nos debates.