Topo

Arquivos militares vazados mostram abusos dos EUA na guerra do Iraque

Soldados dos EUA verificam o corpo de um iraquiano morto, em 13.12.2003 -  Maurício Lima/France Presse
Soldados dos EUA verificam o corpo de um iraquiano morto, em 13.12.2003 Imagem: Maurício Lima/France Presse

Do UOL Notícias

Em São Paulo

22/10/2010 19h12Atualizada em 22/10/2010 21h29

Os Estados Unidos recorreram a práticas de tortura, execução sumária e crimes de guerra durante suas ações no Iraque, de acordo com os 391.832 documentos militares divulgados nesta sexta-feira (22) pelo site WikiLeaks, no maior vazamento de dados secretos da história militar dos EUA.

Os arquivos são compostos por fichas SIGACTS ("significant activity"), relatórios de incidentes escritos pelos militares no local, nos quais são descritos atentados, trocas de tiro, prisões e ações de violência contra os civis.

Julian Assange, criador do WikiLeaks

  • Leon Neal/AFP

    O australiano Julian Assange, que tornou-se famoso divulgando milhares de documentos confidenciais americanos sobre a guerra no Afeganistão, voltou à cena nesta sexta-feira, com uma série de documentos sobre a guerra do Iraque; mas em relação à própria vida é um verdadeiro partidário da arte do segredo

"Assim como na primeira divulgação -- cerca de 92 mil relatórios cobrindo seis anos de guerra no Afeganistão -- os documentos sobre o Iraque não fornecem revelações bombásticas, mas eles oferecem detalhe, textura e contexto das pessoas que realmente lutavam a guerra", escreve o jornal norte-americano "The New York Times", ao publicar o conteúdo dos relatórios.

Apesar de não confirmarem a autenticidade dos documentos, os veículos de imprensa que receberam o material com antecedência (entre os quais o "NYT", a revista alemã "Der Spiegel", o jornal francês "Le Monde", o britânico "Guardian" e a rede árabe "Al Jazeera") indicaram hoje que os documentos detalham atrocidades piores do que as que o mundo conheceu sobre a prisão de Abu Ghraib.

Alguns destaques dos documentos:

Morte de civis: Ao menos 109 mil pessoas teriam morrido no Iraque do início da invasão americana, em março de 2003, até o final do conflito, em 2009. As mortes de civis, que seriam 63% das vítimas, aparecem em número maior do que o número divulgado pela administração de George W. Bush.

Pelo menos 121.649 civis iraquianos e forças de segurança ficaram feridos, de acordo com o informe, enquanto 3.592 soldados da coalizão foram mortos e 30.068 se feriram.

São relatados casos nos quais civis aparecem entre as vítimas de ataques feitos por helicópteros ou em checkpoints. "Tais assassinatos são uma razão central pela qual os iraquianos se viraram contra a presença dos norte-americanos em seu país, uma situação que agora se repete no Afeganistão".

Participação do Irã: A intervenção iraniana no conflito, contra as forças lideradas pelos EUA, seria maior e mais direta do que se tinha notícia.

O NYT destaca relatos de militantes iraquianos que teriam recebido treinamento de agentes ligados ao Hezbollah e à Guarda Revolucionária Islâmica.

Os documentos registram ainda envio ilegal de armas para milícias iraquianas por parte do Irã.

Guerra do Iraque em imagens

  • AFP

    21 de março de 2003 - Fumaça cobre o palácio presidencial e prédios públicos durante ataque contra o Iraque em Bagdá

  • Reuters

    9 de abril de 2003 - Estátua de Saddam Hussein é derrubada por moradores com a ajuda de soldados americanos na praça central de Bagdá

  • AP

    6 de maio de 2004 - Fotos mostram soldados dos Estados Unidos humilhando prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib em Bagdá, no Iraque

Tortura: Denuncia-se a presença de prisões secretas e tortura contra prisioneiros por parte das forças americanas.

O "Guardian" reproduz um caso em que um policial baleou um prisioneiro na perna, e que depois disso o detento sofreu abusos que resultaram em costelas fraturadas, múltiplas lacerações e marcas por causa de golpes dados com um bastão e uma mangueira em suas costas.

"O resultado: nenhuma investigação adicional", escreve o jornal britânico.

O jornal NYT afirma que "embora alguns casos de abusos tenham sido investigadores pelos norte-americanos, a maioria [dos casos] no arquivo parece ter sido ignorada."

Resposta dos EUA

O governo dos Estados Unidos, que já havia pedido aos jornalistas que não divulgassem o material, reiterou sua repúdia ao vazamento em uma declaração feita por Geoff Morrell, um porta-voz do Departamento de Defesa.

"Deploramos WikiLeaks por induzir indivíduos a violar a lei, vazar documentos secretos e depois arrogantemente compartilhar aquela informação secreta com o mundo, incluindo nossos inimigos", afirmou. "Sabemos que organizações terroristas estão vasculhando informação nos documentos vazados sobre o Afeganistão para usar contra nós -- e esse vazamento é quatro vezes maior".

"Ao tornar pública tal informação, o WikiLeaks continua a colocar em risco as vidas de nossos soldados, dos parceiros em nossa coalizão e aqueles iraquianos e afegãos trabalhando conosco. A única ação responsável para o WikiLeaks neste momento seria devolver o material roubado e retirá-lo do seu site o mais rápido possível", acrescenta.

"Condenamos fortemente a divulgação de informação confidencial e não comentaremos esses documentos vazados -- apenas indicamos que relatórios de 'significant activities' são iniciais, observações brutas de unidades táticas. Eles são essencialmente imagens do momento de eventos ao mesmo tempo trágicos e humanos, e não contam a história toda", afirma.

"Isso posto, o período referente aos relatórios tem sido bem coberto nas notícias, livros e filmes, e a divulgação desses relatórios de campo não traz novo entendimento sobre o passado do Iraque", argumenta.

*Com informações da Al Jazeera, NYT, Der Spiegel, Le Monde e Guardian

THE WAR LOGS: Veja as coberturas especiais (em inglês)