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Em busca de equilíbrio: É hora de reconstruir a mente e o espírito

Michael Kimmelman

The New York Times

30/12/2010 07h01

A melhor ideia de 2010 veio do Butão, reino montanhoso no Himalaia. Diante de líderes mundiais na Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro, o primeiro-ministro Jigmi Thinley fez a pergunta econômica decisiva do nosso tempo: “Se todo o nosso povo for maior que as ameaças de sobrevivência básica, qual será o nosso esforço coletivo como uma sociedade progressiva?”

Ele propôs uma resposta. Vamos fazer, disse ele, “da busca consciente pela felicidade” um novo pilar de cooperação global, o “nono Objetivo de Desenvolvimento do Milênio”. Observando da lateral do salão, fiquei maravilhado com os gritos e aplausos espontâneos que agitaram a assembleia pela primeira vez em um longo dia de palestras.

O mundo, realmente, tem excesso de preocupações e carência de felicidade. O problema, como Thinley explicou incisivamente, não é realmente uma falta de bens materiais, mesmo em um ano de recessão econômica. O mundo está mais rico que nunca; certamente é essa a realidade nos países mais ricos, mesmo naqueles em retração cíclica. A felicidade, de acordo com a grande tradição do Butão de budismo himalaio, não vem da pura busca de renda, mas, nas palavras de Thinley, de um “equilíbrio sensato entre os ganhos em conforto material e o crescimento da mente e do espírito em um ambiente justo e sustentável”.

Nesse aspecto, o mundo está longe do equilíbrio. Por mais que os economistas tentem restaurar o equilíbrio para agregar oferta e demanda, ou aos valores relativos das moedas nacionais, os desequilíbrios em nossas sociedades são muito mais profundos que as idiossincrasias dos agregados macroeconômicos. Há muito pouco de sensato em nossa atual tentativa de equilibrar ganhos materiais e crescimento de mente e espírito. Menos ainda a humanidade demonstrou até agora a capacidade de equilibrar produção e sustentabilidade ambiental. O grande desafio para 2011 e depois é encontrar esse novo equilíbrio sensato.

Em nenhum lugar do mundo a sensação de desequilíbrio é tão grande quanto nos Estados Unidos. Com todos os problemas muito reais do estouro da bolha imobilária, do alto índice de desemprego e um déficit orçamentário fora de controle, os Estados Unidos continuam sendo a economia mais produtiva e dinâmica do mundo. As longas filas, dia e noite, do lado de fora das duas megastores da Apple em Manhattan refletem uma economia que ainda pode produzir em série a última novidade e assistir à sua disseminação como um incêndio se alastrando pela nação e pelo mundo. No entanto, mais que nunca os americanos estão com uma sensação de abandono. Os bens são numerosos, mas há uma oferta muito pequena de felicidade.

Parte do problema, evidentemente, é que os bens são numerosos na média, mas não é a realidade de dezenas de milhões de famílias em situação de pobreza ou cambaleando precariamente no limite da pobreza. A desigualdade de renda nos Estados Unidos é vacilante: o valor bruto do 1% de mais ricos é igual ao valor bruto dos 90% mais pobres. As desigualdades gritantes nos Estados Unidos hoje ultrapassam às que precederam a Grande Depressão, e provavelmente os excessos dos barões do roubo da Era Dourada no século 19.

Os pagamentos de fiança dos banqueiros e também os bancos durante 2009 lembraram aos americanos que a riqueza opulenta traz causas políticas opulentas o suficiente para um surto de infelicidade e uma séria necessidade de reforma política e econômica.

Mas os problemas vão ainda mais fundo. Os Estados Unidos caíram em sua própria armadilha, por vontade própria e com consentimento de adulto. Os americanos votaram em candidatos que prometiam cortar impostos para os ricos, retalhar os pagamentos de assistência social para os pobres e derrotar a legislação para combater as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos, para as quais os Estados Unidos estão entre as que mais contribuem no mundo. Os americanos apoiaram com firmeza as invasões do Afeganistão e do Iraque, até que viram azedar as violentas desventuras. As famílias americanas pediram empréstimos até o limite, até que as reversões do mercado levaram a uma epidemia de embargos imobiliários e falências pessoais.

E não é somente os Estados Unidos, claro. O mundo é o autor de seus excessos e dos crescentes desequilíbrios. Em sua busca pelo crescimento econômico super-humano, a China espoliou seu ar e seus rios. O Brasil e a Indonésia aceitaram a intolerável destruição do que restou de florestas tropicais no mundo.

E, apesar dos encontros anuais dos governos do mundo durante 16 anos desde que entrou em vigor o tratado sobre mudanças climáticas em 1994, o mundo como um todo não chegou a um acordo para um plano prático para combater o pior da mudança climática induzida pelo homem ou para se adaptar efetivamente às mudanças climáticas que já estão em curso.

O mundo mostrou negligência semelhante em proteger as pessoas mais vulneráveis. Existe um consolo no fato de que 140 líderes mundiais vieram às Nações Unidas em setembro para reiterar sua dedicação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, os objetivos acordados globalmente para combater a pobreza, a fome e doenças. Apesar da guerra, da agitação e da recessão, os objetivos mantiveram um lugar na política global e na consciência global.

No entanto, os países ricos, repetidamente, fizeram grandes promessas aos países pobres de apoio financeiro e logístico que nunca se materializou.

Quase um ano após o terremoto devastador no Haiti, que deixou centenas de milhares de pessoas sem teto, o Congresso americano não alocou um centavo de fundos de reconstrução, apesar dos reiterados pedidos de ajuda aos EUA.

À medida que entramos no novo ano e na nova década, e os cinco anos finais para conquistar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio antes do prazo, um novo “equilíbrio sensato” deve ser nosso objetivo. A investida desesperada da década passada por lucros e ganhos militares nos levou para baixo. É hora de reconstruir a mente e o espírito. A chave é pensar muito mais claramente sobre carências e necessidades, e com isso reequilibrar nossas energias pessoais e políticas.

O primeiro reequilíbrio deve ser entre os ricos e os pobres. As tradicionais lacunas entre os mundos “desenvolvidos” e “em desenvolvimento” estão sendo cobertas, graças ao notável crescimento das economias emergentes. O pequeno clube dos países do G-8 – Estados Unidos, Europa e Japão – já abriu caminho para o grupo maior G-20, que inclui a China, a Índia, o Brasil e outros países emergentes. É urgente abrir ainda mais o círculo, de forma que os países mais pobres atualmente possam ganhar um ponto de partida para a prosperidade e participar plenamente da liderança global.

Dentro de nossas próprias sociedades divididas, obviamente devemos fazer o mesmo. A América e outras sociedades altamente desiguais precisam reequilibrar uma cultura de super-riqueza junto com a degradação da pobreza. Certamente não existem barreiras técnicas para garantir que toda criança, pobre ou rica, trilhe um caminho para saúde decente, educação de qualidade e total participação na economia. Os ricos da América têm uma riqueza além de suas necessidades mais extravagantes. Reunir o esforço para acabar com a pobreza daria um grande impulso a sua própria felicidade e à dos outros.

O segundo reequilíbrio deve ser entre o presente e o futuro. Nossa economia consumista e movida pela mídia alimentou a busca desenfreada pelo consumismo acima de qualquer coisa nos últimos 20 anos. No caminho para o crash financeiro, americanos e muitos outros pararam de economizar, e passaram a usar empréstimos de cartão de crédito e hipotecas subprime por oferta de credores irresponsáveis. Enquanto passamos a peneira nos escombros financeiros, vamos começar pensando melhor no futuro.

O terceiro reequilíbrio deve ser entre a produção e a natureza. Nossas contas do produto interno bruto registram, como rotina, cada árvore derrubada, aquífero sobrecarregado e captura excessiva de espécies marinhas em extinção como parte da nossa renda nacional, quando na realidade isso é simplesmente a depleção do capital da natureza. Atingimos os limites planetários da sobrevivência ecológica. É hora de atingir uma nova consciência de nossa própria força destrutiva e recuar antes que seja tarde demais.

O quarto reequilíbrio deve ser entre o trabalho e o lazer. Quando os grandes economistas e pensadores de melhorias sociais do passado tentavam prever um futuro de esplendor tecnológico, imaginavam que a humanidade iria “se redimir” com um tempo maior para o lazer e para contemplar os prazeres mais finos da vida: apreciar artes, aprender algo depois de adulto, tempo para amizade e mais recreação. No entanto, chegou o esplendor tecnológico, e estamos mais frenéticos que nunca, pelo menos nos Estados Unidos e outras economias hiperconsumistas. Se conseguirmos respirar e reduzir nossas horas de trabalho, pode haver uma melhor disseminação de serviços e uma consideração muito melhor por nossa saúde e bem-estar no longo prazo.

O quinto reequilíbrio deve ser em nosso conceito de segurança nacional. Os Estados Unidos atualmente dedicam cerca de US$ 750 bilhões anualmente aos seus militares, mas somente 15 bilhões para ajudar os países mais pobres do mundo a lidar com doenças, fome e miséria. No Afeganistão, cerca de US$ 100 bilhões de gastos militares foram acompanhados pelo número absurdamente baixo de US$ 1 bilhão - US$ 2 bilhões por ano no apoio ao desenvolvimento. A tragédia e ironia, evidentemente, é que a intranquilidade no Afeganistão, no Iêmen e na Somália, e por aí vai, tem raízes não na ideologia per se, mas na fome, no analfabetismo, na falta de emprego e no desespero. Todos os exércitos e mísseis barulhentos no mundo não construirão nunca os poços, hospitais, escolas e fazendas produtivas que, sozinhos, podem trazer a paz verdadeira em países hoje em situação de conflito.

Toda grande tradição religiosa no mundo oferece uma orientação parecida àquela tão maravilhosamente exposta pelo primeiro-ministro Thinley. Os evangelhos nos alertam, da mesma forma, que podemos ganhar o mundo, mas perder nossas almas. Entramos em 2011 confusos, desmoralizados e com a sensação de empobrecimento; no entanto, estamos vivendo no tempo da grande produtividade e prosperidade na história do homem. Nenhum problema hoje – pobreza, energia limpa e segurança nacional – está além dos nossos meios técnicos e intelectuais. Nossos problemas estão em outra parte, em nossa confusão sobre as fontes de felicidade definitiva. Se pudermos contemplar o poder de nossas ferramentas, e os anseios pelos prazes mais profundos da vida, então 2011 pode ser o começo de uma nova era de bem-estar. A escolha é nossa, e somente nossa.