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Um século depois, estudos descartam negligência como causa da destruição do Titanic

Primeira página da edição do The New York Times de 16 de abril de 1912, com a cobertura do naufrágio do Titanic - The New York Times
Primeira página da edição do The New York Times de 16 de abril de 1912, com a cobertura do naufrágio do Titanic Imagem: The New York Times

The New York Times

William J. Broad

13/04/2012 06h00

O motivo da destruição do Titanic é bem conhecido, pelo menos em linhas gerais. Numa noite sem lua no Atlântico Norte, o navio de cruzeiro atingiu um iceberg e naufragou deixando 1.500 mortos.

Centenas de livros, estudos e investigações oficiais trataram da questão mais profunda de como um navio que era tão caro e tão bem construído – um navio que se dizia impossível de afundar – pode ter tido um fim tão terrível. As teorias variam muito, e colocam a culpa em tudo, desde marinheiros ineptos até falhas na soldagem.

Agora, um século depois que o navio afundou nas primeiras horas de 15 de abril de 1912, dois novos estudos argumentam que circunstâncias raras da natureza tiveram um papel importante na catástrofe.

O primeiro diz que a proximidade da Terra em relação à lua e ao sol – uma proximidade que não se repetiu em mais de mil anos – resultou em marés recordes que ajudam a explicar porque o Titanic encontrou tanto gelo, inclusive o iceberg fatal.

E uma segunda, proposta por um historiador britânico do Titanic, defende que as águas geladas criaram as condições ideais para um tipo incomum de miragem que escondeu os icebergues e confundiu um navio próximo quanto à identidade do Titanic, atrasando os esforços de resgate durante horas.

O autor, Tim Maltin, disse que sua explicação ajuda a retirar a marca de negligência do que ele acredita que foi uma tragédia.

"Não houve heróis, nem vilões", disse Maltin numa entrevista. "Em vez disso, houve muitos seres humanos tentando fazer o seu melhor na situação, da forma como a viram". O título de seu novo livro, "Titanic: Uma Noite Muito Traiçoeira", a ser lançado esta semana como e-book, diz como as miragens podem ter causado o caos nas observações humanas.

Acadêmicos que estudam o Titanic, bem como cientistas, estão debatendo as novas teorias. Alguns questionam se os fatores naturais podem ser mais fortes do que o erro humano. Outros acham a explicação da miragem plausível – mas apenas em situações limitadas. No geral, entretanto, muitos especialistas estão aplaudindo as novas perspectivas.

"É uma informação nova e importante que pode ajudar a explicar alguns dos velhos mistérios", disse George M. Behe, autor de "A Bordo do R.M.S. Titanic", um livro de 2010 que faz uma crônica das cartas, cartões postais e relatos da tripulação e dos passageiros do navio.

O Titanic foi o maior e mais luxuoso navio de sua época, um ícone atraente da boa vida. Ele levava 10 milionários, incluindo Isidor Straus da Macy's, na época a maior loja de departamentos do mundo. Assim como centenas de outros passageiros, ele morreu quando o navio afundou – em meio às águas calmas e um céu iluminado por estrelas.

Desde o início, as notícias e investigações disseram que o gelo no Atlântico Norte estava incomumente ruim naquele ano. O The New York Times, num artigo publicado pouco depois do naufrágio, citou oficiais norte-americanos que disseram que o inverno havia produzido "uma safra enorme de icebergues".

Recentemente, uma equipe de pesquisadores da Texas State University-San Marcos e da revista Sky & Telescope encontraram uma explicação aparente nos céus. Eles publicaram suas descobertas na edição de abril da revista.

A equipe descobriu que a Terra havia ficado muito mais próxima do sol e da lua naquele inverno, aumentando a força gravitacional de ambos sobre o oceano e produzindo marés recordes. Essas órbitas raras aconteceram entre dezembro de 1911 e fevereiro de 1912 – cerca de dois meses antes do desastre.

Os pesquisadores sugerem que as marés altas desprenderam massas de icebergues que normalmente ficariam ao longo da costa de Labrador e Newfoundland e as lançaram à deriva nos corredores de navegação do Atlântico Norte.

"Não estamos dizendo que nossa ideia é conclusiva", disse Donald Olson, físico da Texas State, numa entrevista. Mas a equipe continua reunindo novas provas para apoiar a tese, acrescentou.

Olson disse que depois da publicação do estudo, "descobrimos que houve eventos notáveis de maré ao redor do mundo – na Inglaterra e na Nova Zelândia". Um jornal de Sydney, observou ele, deu uma manchete que falava em "marés recordes".

As águas geladas daquela noite criaram as condições ideais para um tipo incomum de miragem, de acordo com Maltin, que é dono de uma firma de relações públicas em Londres e escreveu três livros sobre o Titanic. Andrew T. Young, um astrônomo e especialista em miragens da San Diego State University, ajudou-o a refinar sua teoria.

A maioria das pessoas conhecem as miragens como um fenômeno natural causado quando o ar quente perto da superfície da Terra desvia os raios de luz para cima. Num deserto, o efeito faz com que viajantes perdidos confundam os trechos de céu azul com piscinas de água.

Mas outro tipo de miragem acontece quando o ar frio desvia os raios de luz para baixo. Nesse caso, os observadores podem ver objetos e lugares que estão bem além do horizonte. As imagens normalmente passam por distorções rápidas – e apresentam reflexos parecidos com ondas, como num espelho que distorce a imagem.

Numa entrevista, Maltin disse que ficou sabendo da possibilidade de miragens no frio quando leu uma pesquisa britânica de 1992 sobre o naufrágio do Titanic. Ela sugeria que as águas geladas poderiam ter resfriado o ar ao redor e distorcido as imagens, confundindo o Californian, um navio próximo que poderia ter ido em direção ao Titanic para ajudar, mas que em vez disso não fez nada.

Fascinado, Maltin, que velejava na juventude, mergulhou nos registros de navegação e descobriu que tanto o Californian quanto o Titanic haviam entrado na fria Corrente de Labrador naquela noite e encontrado condições ideais para miragens frias. Ele então procurou em resmas de testemunhos oficiais e não oficiais para ver o que as pessoas diziam – ou o que elas achavam que tinham visto.

Um drama de percepções equivocadas emergiu. O livro de Maltin mostra como as miragens podem ter criado horizontes falsos que esconderam o iceberg dos marinheiros do Titanic. Segundo essa teoria, a intersecção do mar escuro com o céu estrelado pode ter aparecido borrada, reduzindo o contraste com o icebergue.

Maltin cita três vigias do Titanic que, apesar da claridade significativa da noite, testemunharam terem visto uma névoa incomum no horizonte.

George Symons descreveu a visão distante como "um tanto enevoada". Frederick Fleet contou numa investigação oficial sobre uma "névoa leve" no horizonte antes de o Titanic bater no icebergue. Ele disse que foi significativa o bastante para ele ter comentado com um colega.

Reginald Lee, seu colega de navio, descreveu o iceberg como "uma massa escura que surgiu daquela névoa".

Maltin sugere que o Titanic, que acelerava, teria reduzido sua velocidade se sua tripulação e funcionários tivessem entendido como a noite fria estava refratando a luz de maneira confusa.

Quanto à falha no resgate, Maltin citou um testemunho que, segundo ele, revela o papel do truque da natureza. O Californian – um modesto navio a vapor com uma chaminé pequena – sabia que o cruzeiro de luxo estava próximo, mas disse que não avistou suas luzes ou foguetes de alerta.

Maltin calcula que os dois navios estavam a cerca de 16 quilômetros de distância quando ambos pararam e começaram a entrar na Corrente de Labrador. Mas as miragens frias, diz ele, fizeram com que a tripulação visse o outro navio bem mais próximo – a cerca de 8 quilômetros. Um oficial do Titanic disse que podia ver as luzes das portinholas do Californian.

Esta sensação de proximidade – bem como as distorções inerentes às miragens – ajudaram a criar uma série desastrosa de falsas impressões, argumenta Maltin.

Por exemplo, ele diz que as miragens teriam provavelmente alterado a visão do Californian em relação ao formato geral do Titanic, e ilustra seu ponto com fotografias de navios modernos vistos em distorções de miragem. Uma série revela o casco de um navio extremamente expandido enquanto seus mastros e estrutura superior quase desaparecem.

Ele também cita evidências apoiadas pelas investigações. "Não havia nada próximo que lembrasse um navio de passageiros", testemunhou James Gibson do Californian.

O capitão do Californian, Stanley Lord, disse que o navio próximo parecia ser um barco a vapor de tamanho médio, em vez de um cruzeiro de passageiros imenso que tinha quatro chaminés gigantes. "Tenho certeza", testemunhou, "não era o Titanic".

Alguns historiadores chegaram ao ponto de admitir a presença de um navio misterioso – uma suposição desnecessária, de acordo com Maltin e sua teoria das miragens.

Ele diz que o truque óptico também confundiu a visão que o Californian teve dos foguetes de sinalização do Titanic. Navios da época costumavam usar foguetes para identificar e sinalizar. Alguns membros da tripulação do Californian testemunharam que o brilho do navio próximo parecia estranho.

"Esses foguetes não parecem ir muito alto", lembrou-se Herbert Stone, segundo oficial do navio. "Eles chegavam apenas a cerca de metade da altura da luz do mastro principal do navio."

Mas essas percepções, diz Maltin, podem ter sido causadas por uma miragem: os foguetes do Titanic podem ter de fato ido bem alto, mas simplesmente pareceram estar mais embaixo em comparação com a miragem do navio.

O capitão do Californian costuma ser considerado um vilão por conta de irresponsabilidade e negligência criminosa. Mas Maltin diz que Lord pode ter de fato confundido o transatlântico gigante com um pequeno navio.

O título do livro de Maltin vem das observações conclusivas que o capitão ofereceu quando foi questionado numa investigação sobre as causas do desastre.

"Foi uma noite muito traiçoeira", disse ele.