Carta para Papai Noel vira símbolo consumista, e instituição inglesa pede fim de tradição
Vista em boa parte do mundo como um dos símbolos do Natal, a cartinha para o Papai Noel está em xeque na Inglaterra. De retrato das aspirações inocentes de uma criança, esse bilhetinho se transformou, ao longo dos anos, em uma extensa lista de presentes capaz de causar uma série de problemas familiares, de acordo com a instituição de caridade internacional Mothers’ Union (em português, União das Mães).
O movimento de mães cristãs lançou neste ano o livro "Labelled for Life" ("Rotulados para a Vida", em tradução livre para o português) e campanha pedindo aos pais que façam seus filhos abandonarem a “carta endereçada ao bom velhinho” como forma de conter o consumo desenfreado nesta época.
A campanha se baseou em dados de uma pesquisa feita pela consultoria inglesa ComRes a pedido da instituição. O estudo conclui que 72% dos pais ingleses compraram sem ter como pagar ao menos um dos presentes que estava na lista de seus filhos. O mesmo percentual de pais disse se preocupar em como pagará as contas no mês de janeiro. Já 46% afirmaram ter feito um empréstimo ou estar em dificuldade financeira só para dar à família um “bom Natal”. Cerca de 36% contaram que se sentiram pressionados a comprar um presente que acreditavam ser inadequado para idade de seus filhos e, desse total, 59% confirmaram tê-lo comprado mesmo assim. Outro dado indicativo de excesso foi que 84% dos pais compraram, de última hora, presentes extras para seus filhos porque acharam que a pilha embaixo da árvore não estava grande o suficiente.
Para Alex Criado, coordenador-executivo do movimento Aliança para Infância no Brasil, campanhas como a da Mothers’ Union são importantes porque funcionam como um primeiro passo para repensar a sociedade. “A prática do consumo lida com a criança de forma muito cruel porque ela não tem senso crítico. A criança apresenta suas demandas e os pais querem agradar. Aí, quando não agradam, são os carrascos. Isso gera um conflito.”
Ana Maria Wilheim, diretora-executiva do Instituto Akatu (organização não-governamental que trabalha pelo consumo consciente), diz ver o problema hoje como uma “doença”. “No Natal, a gente projeta nossos desejos, sonhos. Mas estão pegando tudo isso e jogando num produto. A gente não está mais valorizando a relação entra as pessoas.”
Consumo também no Brasil
Segundo Carlos Henrique de Almeida, economista do Serasa Experian, “o Natal é realmente um período em que o consumidor acaba extrapolando”, e esse seria um comportamento praticamente mundial. “É um período de maior apelo de marketing para maiores gastos e as promoções e produtos parcelados também induzem o consumo.”
De acordo com dados da Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo), no Brasil, o índice de endividamento das pessoas aumenta em média de 2% a 3% em dezembro, janeiro e fevereiro em relação aos demais meses. Isso ocorre, em grande parte, devido ao consumo exagerado do Natal.
Psicóloga do Instituto Alana, Laís Fontenelle critica a mercantilização da festa. “O Natal, assim como a Páscoa, é uma data que ficou totalmente comercializada. No dia 24 (de dezembro), tem a figura do Papai Noel industrializada. Você listar presentes é mais um símbolo de que a data foi mercantilizada.”
Espírito do Natal
Discutir o consumo, porém, é focar em apenas um dos lados da festa, de acordo com Mário Ernesto René Schweriner, coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios das Ciências do Consumo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Para ele, se por um lado há a compulsão extenuante pelo consumo, de outro, existe uma celebração bonita, de aumento do altruísmo. “O Natal, em boa parte, é um rito esquizofrênico. É bipolar.”
A própria cartinha para o Papai Noel, segundo Schweriner, conteria essa dualidade. Enquanto, em algumas situações, ela pode ser encarada apenas como uma expressão consumista, em outras é um símbolo de solidariedade. É o caso, por exemplo, dos bilhetinhos enviados por crianças carentes do país aos Correios.
Há 23 anos, a instituição criou a “Campanha Papai Noel dos Correios” por iniciativa de funcionários. Eles passaram a se reunir para responder às crianças e atender, dentro do possível, aos pedidos de presentes. Só entre 2009 e 2011, a instituição recebeu 4.396.941 cartas do tipo, sendo que 1.459.927 foram adotadas por voluntários que fizeram o Natal de uma criança pobre mais feliz. A ação é tão importante que, em 2010, foi vinculada aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas) e também a preceitos de responsabilidade social empresarial.
“Não é demonizar a cartinha, mas será que nela a gente tem que listar só itens, objetos de consumo? A gente pode desejar pedidos mais humanos e poéticos”, afirma Fontenelle.
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