'Rolezeiros' de França e Brasil querem ser incluídos, diz sociólogo francês
O sociólogo francês Fabien Truong, que pesquisou os deslocamentos dos jovens da periferia parisiense para a capital, fala sobre a relação entre os ‘rolezinhos’ no Brasil e os encontros dos jovens no bairro dos Halles.
Truong é coordenador do mestrado em sociologia da Université Paris VIII e autor de Des capuches et des hommes – Trajectoires de “jeunes des banlieues”(Os capuzes e os homens – Trajetórios dos jovens da periferia, em tradução livre).
O estudo dele revelou que a juventude de Seine Saint-Denis (93) não era um gueto enclausurado num espaço separado da capital, como se pensava. Em vez disso, estava presente na cidade, mas na Paris que escolheu ocupar: o bairro des Halles, onde se sentem menos apontados.
Segundo o francês, tanto os ‘rolezeiros’ brasileiros quanto os franceses estão à margem da sociedade, mas não vivem necessariamente essa situação. ‘O centro comercial permite uma inclusão por meio do consumo. Na sociedade capitalista atual, incluir-se, para muitos, é consumir. E o vestuário é um consumo especial porque tem um dimensão ostentatória’, afirma.
Leia a entrevista completa:
UOL: Há semelhanças entre os rolês da periferia parisiense e os do Brasil?
Fabien Truong: Algumas. São jovens que estão à margem da sociedade, mas que não vivem necessariamente essa situação enquanto tal. O centro comercial permite uma inclusão por meio do consumo. Na sociedade capitalista atual, incluir-se, para muitos, é consumir. E o vestuário é um consumo especial porque tem um dimensão ostentatória: “diga-me como estás vestido que eu te direi quem és!”. Envia-se uma imagem de si ao público na rua. A roupa é uma forma de se requalificar. Estudos do sociólogo Maurice Halbwachs sobre as classes operárias americana e francesa já mostravam como nos anos 1930, operários franceses consumiam mais vestimentos do que empregados em serviços. A lógica é a de que os operários, por estarem separados da vida social –ao contrário dos empregados– compensavam investindo no vestuário. O que pra mim é flagrante na reação da população brasileira no incômodo com a cohabitação é que ela vê esses jovens como excluídos, mas os jovens se veem como incluídos.
UOL: Na situação apontada por seu estudo, percebe-se um certo orgulho dos jovens ouvidos em fazer parte dessa sociedade, interagindo no centro da cidade…
Truong: Não exatamente. É contraditório. Há, de qualquer forma, uma grande estigmatização sobre esses jovens de bairros populares. Quando eles vêm ao Halles sabem que vão estar, majoritariamente, com pessoas do próprio bairro. Há essa tensão: ao mesmo tempo que estão no coração de Paris, ficam entre pares, pois sabem que a sociedade não os aceita completamente. Não se pode negligenciar que, como adolescentes, e deve ser semelhante ao que ocorre no Brasil, saindo do bairro eles vão poder paquerar sem estarem constragidos pela vizinhança, irmãos mais velhos ou os pais.
UOL: Você relata a preocupação de uma jovem em falar mais baixo quando chegava em Paris. No Brasil, a ideia é marcar presença…
Truong: Ela tem uma voz potente e baixava o tom quando estava no que chamo de “Paris Branca” (os museus, Saint-Germain des Près, as margens do Sena etc). Não nos Halles. No Brasil, há o efeito do espetáculo, ganha dimensão coletiva, são grandes encontros. Aqui, são pequenos grupos. A eloquência dos eventos no Brasil revela também que vocês são mais reivindicativos.
UOL: Por que o bairro des Halles?
Truong: Primeiro, pela facilidade de acesso com o RER (Rede Expressa Regional). Depois porque reúne muitas lojas, além do centro comercial Forum des Halles. Não é um lugar neutro. É nele que se compra as marcas, ainda que não seja necessairamente lá que os jovens de bairros populares façam suas compras. Para a população estigmatizada que estudei, Seine Saint-Denis, o bairro Les Halles é um ponto de entrada na capital. Eles, que poderiam se sentir ilegítimos e estigmatizados, ficam à vontade nesse espaço.
Les Halles é o coração de Paris, mas não é a Paris da Cultura. Estamos em Paris, sim, mas eles se reconhecem nas lojas de roupa, de música, em um universo que lhes é próximo. Quando estão na “Paris Branca”, não se sentem à vontade, pois a arquitetura e a cultura os remete à própria alteridade. O centro de Paris os deixa à vontade, estão autorizados a estar lá, no McDonald’s, no Quick, no Starbucks. Em um museu, mesmo gratuito, não estão à vontade, pois estão afastados da cultura exposta. Um jovem no shopping comprando é legítimo, mas um jovem que apenas passeie nesse mesmo espaço vira problema.
UOL: Por que o shopping não seria um espaço público?
Truong: Eis aí a ambiguidade do capitalismo contemporâneo. Os espaços públicos foram reduzidos, vendidos a empresas privadas, temos menos parques, menos praças. Alguns brasileiros parecem estar se sentindo incomodados pelos jovens no seu lazer de fim de semana, como se o shopping tivesse se tornado um espaço de lazer…
UOL: O lazer vem se reduzindo ao espaço dos centros comerciais no Brasil…
Truong: Mas qual é o lazer? O consumo. Estamos entre os dois, o público e o privado, ou tempo de lazer e tempo profissional… Esses jovens brasileiros parecem estar trazendo uma mensagem de revolta, de oposição, sim: temos um lugar e queremos pertencer a essa sociedade, que é de consumo. É interessante saber que o Partido Comunista do Brasil tentou conquistá-los, pois o que esses jovens querem, pelos menos os daqui, não é fazer revolução…
UOL: O engajamento agora é no consumo. Estamos bem longe de Maio de 1968… [greve geral que se instalou em Paris]
Truong: Mas é um engajamento. Até os jovens que estão no consumo, que jogam o jogo da consumo, o sabem. Eles são, de certa maneira, comportamentalmente ultracapitalistas, mas não ideologicamente. São apenas jovens, saídos das classes populares, com um pouco de dinheiro, estigmatizados e que tentam encontrar o lugar deles nessa sociedade.
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