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União da Crimeia à Rússia foi decidida sob ameaça armada, diz embaixador da Ucrânia no Brasil

Bruna Borges

Do UOL, em Brasília

08/03/2014 06h00

O embaixador da Ucrânia no Brasil Rostyslav Tronenko afirmou nesta sexta-feira (7) que a decisão do Parlamento da região autônoma da Crimeia de incorporar seu território à Rússia foi feita sob ameaça armada e é ilegítima.

“O Parlamento da Crimeia está totalmente controlado por militares do Exército da Federação da Rússia. As decisões sobre a adesão da Crimeia à Rússia e sobre o referendo [sobre a] questão [foram] tomadas pelos deputados do Parlamento da Crimeia sob a pressão de pessoas armadas e são ilegítimas”, disse o embaixador.

Em entrevista ao UOL, o embaixador explica que de acordo com o artigo 73 da Constituição da Ucrânia, as questões relacionadas à fronteira e à alteração do território do país só podem ser determinadas após referendo nacional.

Para Tronenko, a solução para crise devem ocorrer por meios diplomáticos. Ele disse ainda esperar que o Brasil apoie o governo ucraniano no conflito. 

“Temos esperança de que o Brasil também apoiará as aspirações do povo ucraniano para buscar a solução pacífica do conflito”, afirmou.

O embaixador afirmou ainda que a mudança de governo contribuiu para a  redução da tensão na Ucrânia. Segundo ele, a intervenção russa no país é o principal impulsionador da crise.

10 links para entender a crise na Ucrânia e suas possíveis consequências

“Quero ressaltar que após a destituição de Viktor Yanukovich [ex-presidente, em 22 de fevereiro], a tensão político-social no país começou a diminuir. A única razão para a atual crise na Ucrânia é a intervenção externa de um país estrangeiro nas questões internas do nosso Estado”, defendeu Tronenko.

A reportagem tentou realizar entrevista também com o embaixador da Rússia no Brasil para comentar a crise. Após dois dias de tentativas, por telefone, um funcionário pela embaixada informou que o responsável pela imprensa só atenderá ao pedido na próxima terça-feira (11).

Confira a íntegra da entrevista com o embaixador ucraniano:

UOL: Que solução o senhor acredita que pode ser encontrada para a crise que vive a Ucrânia?
Rostyslav Tronenko: Buscamos a solução pacífica do conflito, preservando a soberania e integridade territorial da Ucrânia, bem como a necessidade de esforço comum para evitar uma nova escala de conflito, que ameace a paz e segurança na Europa e possa resultar em crise sócio-política e econômica na região.

Estou convicto de que na política de não ingerência externa nas decisões soberanas dos países, da solução pacífica dos conflitos e da não intervenção devem prevalecer.

Qual é a expectativa do governo da Ucrânia sobre a interferência da União Europeia e dos Estados Unidos sobre as tensões vividas pelo país? O governo acredita no avanço das negociações por meios diplomáticos envolvendo a ONU (Organização das Nações Unidas)?
A comunidade internacional atua ativamente para ajudar a Ucrânia proteger sua soberania e integridade territorial.  Hoje em dia os altos representantes da ONU estão com visitas na Ucrânia, Organização de Segurança e Cooperação na Europa e Conselho da Europa com a finalidade de coletar a informação sobre os acontecimentos na República Autônoma da Crimeia.

O secretário de Estado americano, John Kerry, e o secretário das Relações Exteriores do Reino Unido, William Hauge, visitaram a Ucrânia durante essa semana, confirmando o apoio à soberania e integridade territorial do nosso país.

O primeiro-ministro da Ucrânia Sr. Arseniy Yatsenyuk também visitou Bruxelas e encontrou-se com a chefia da União Europeia. Estamos muito agradecidos a nossos parceiros para sua firme posição.

A situação na Crimeia também foi discutida pelo Conselho da Segurança e Conselho de Direitos Humanos da ONU. Durante as reuniões dos órgãos mencionados, a maioria dos Estados-Membros da ONU expressaram seu incontestável apoio a integridade territorial e soberania da Ucrânia.

Em sua opinião, quais são os interesses russos na Ucrânia?
Cada país tem seus interesses nas relações com outros países. Interesses políticos, econômicos, culturais, entre outros. Mas a obtenção [desses interesses] não pode violar a independência, soberania, integridade territorial de outro país, assim como [determina] o estatuto da ONU, acordos bilaterais vigentes e o direito internacional.


Autoridades da Crimeia declararam que a região agora faz parte da Rússia. Como o senhor vê isso?
De acordo com a Constituição da Ucrânia, o território da Ucrânia é unido, indivisível, inviolável e íntegro. Segundo a Constituição Ucraniana, qualquer alteração no território da Ucrânia e nas suas fronteiras nacionais não são permitidas. A questão das alterações do território da Ucrânia só pode ser definido exclusivamente por referendo nacional e não regional.

Sendo assim, a decisão do parlamento da República Autônoma da Crimeia é inconstitucional. Atualmente as autoridades judiciais da Ucrânia, por iniciativa da Procuradoria-Geral da Ucrânia, aprovaram a resolução de suspender a decisão mencionada.

É importante compreender, que o Parlamento da Crimeia está totalmente controlado por militares do exército da Federação da Rússia. As decisões sobre a adesão da Crimeia à Rússia e sobre o referendo [sobre a] questão [foram] tomadas pelos deputados do Parlamento da Crimeia sob a pressão de pessoas armadas e são ilegítimas. De acordo com o artigo 73, da Constituição da Ucrânia, as questões relacionadas à fronteira e alteração do território da Ucrânia podem ser consideradas apenas no referendo nacional.

Concretamente, como o governo da Ucrânia pode impedir que haja uma sucessão da Crimeia ou sua anexação pela Rússia?
O que agora acontece na Crimeia – bloqueio dos estabelecimentos administrativos locais, de objetos da infraestrutura e de unidades das Forças Armadas da Ucrânia – tudo isso tem os índices do ato de agressão por parte da Federação Russa, como é definido pela resolução da Assembléia Geral da ONU nº3314 (XXIX) de 14/12/1974. De acordo com o parágrafo 3 º do artigo 5 º do Anexo à esta Resolução, nenhuma aquisição territorial ou vantagens especiais resultantes de um ato de agressão serão reconhecidos como legítimas.

A Ucrânia insiste que esta crise seja resolvida exclusivamente dentro do quadro legal vigente e pelos meios pacíficos de acordo com as normas de direito internacional. Nós queremos agradecer a toda comunidade internacional pelo apoio à paz, soberania e integridade territorial da Ucrânia, expresso tanto nos níveis bilaterais quanto no âmbito dos fóruns internacionais como Conselho da Europa, OSCE e ONU.

Temos esperança que o Brasil também apoiará as aspirações do povo ucraniano para buscar a solução pacífica do conflito.

O governo da Ucrânia tem receio de que as tensões entre o país e a Rússia possam afetar o abastecimento de gás na região?
O fornecimento de gás sempre foi uma ferramenta forte de pressão russa à Ucrânia e outros Estados europeus. No que depende de nosso país, quero ressaltar que a Ucrânia garante e garantirá o trânsito ininterrupto de gás russo para a Europa.

O Ministro da Energia e Indústria de Carvão da Ucrânia, durante uma sessão no Parlamento ucraniano, na segunda-feira passada (3), já fez o comunicado que a situação que está agora na Crimeia não afetará o trânsito de gás.

Essa crise é em parte resultado de divisões internas no país sobre seu alinhamento político internacional. Como resolver esse impasse no longo prazo?
A ideia sobre a divisão interna da Ucrânia é um mito criado artificialmente. Ao longo de mais de 20 anos de independência do nosso país, diferentes forças políticas usavam as peculiaridades regionais para fortalecer o seu alicerce eleitoral especulando com os temas da língua, cultura, entendimento dos vários acontecimentos históricos.

As peculiaridades regionais similares existem em qualquer país, até nos Estados bem menores do que a Ucrânia. É óbvio que o período de eleições e o de turbulências políticas são época mais frutífera para tais mitos crescerem.

O que aconteceu recentemente em Kiev, capital da Ucrânia, e o que acontece agora por todo o território do país, ao contrário, mostra que esta ideia da divisão não coincide com a realidade.

O movimento da manifestação que surgiu inicialmente do protesto contra a decisão do governo anterior de recusar-se no curso pró-europeu, evoluiu-se em sequência num protesto contra a corrupção, repressão e violação dos direitos humanos, o que uniu todas as regiões do país.

As manifestações em apoio à integridade territorial da Ucrânia que nestes dias acontecem nas regiões de Donetsk, Dnipropetrovsk, Odessa, Kharhiv – que tradicionalmente se consideravam orientados para Rússia – são muito mais numerosas do que as manifestações pró-russas. Isto é uma prova mais evidente do que a nação ucraniana não é dividida.

Quero ressaltar, que após a demissão de Viktor Yanukovich, a tensão político-social no país começou a diminuir. A única razão da atual crise na Ucrânia é a intervenção externa do país estrangeiro nas questões internas do nosso Estado.

Qual a opinião do governo sobre manifestantes ucranianos que são favoráveis à aproximação com a União Europeia? O grande número de manifestantes mortos e feridos preocupa o governo?
Os acontecimentos que levaram a um grande número de mortos e feridos é uma grande tragédia. A história da nossa nação tem muitas páginas tristes. O povo ucraniano lutava pela sua independência e liberdade durante séculos.

Mas na história do Estado Ucraniano moderno, independente os acontecimentos dos últimos meses são mais cruéis e sangrentos. Todos nós rezamos pelas almas dos mortos e expressamos nossas condolências aos amigos e familiares das vítimas de ambos os lados do confronto.

Quanto à aproximação com a União Européia, quero informar que o novo governo da Ucrânia já declarou o retorno ao trabalho sobre a preparação da assinatura do Acordo de Associação com a UE.