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Caracas pode ter falta de luz com queda nível de hidrelétrica

Juan Barreto/AFP
Imagem: Juan Barreto/AFP

Fabiola Zerpa

31/03/2016 18h33

Nos últimos três anos, os venezuelanos sofreram com a escassez de alimentos, água, papel higiênico e medicamentos. Em algumas áreas da Venezuela, tem sido registrados cortes de eletricidade.

Agora, poderá faltar luz na capital do país.

Uma seca prolongada, cuja culpa é atribuída ao fenômeno climático El Niño, reduziu os níveis de água a um limite crítico na hidrelétrica de Guri, que gera a maior parte da eletricidade consumida em Caracas.

Sem chuva, pode haver apagões na maior cidade da Venezuela a partir do final de abril, disse César Cardozo, engenheiro aposentado que gerenciava as turbinas da instalação nos anos 1980.

Se os blecautes se concretizarem, poderão minar ainda mais a confiança no governo do presidente Nicolás Maduro, segundo a empresa de pesquisa e consultoria global Eurasia Group.

Em 2015, a economia do país –amplamente dependente da venda de petróleo– teve uma contração de 10% e deverá encolher mais 6% neste ano. A moeda perdeu 98% de seu valor no mercado negro desde que Maduro assumiu a presidência em 2013.

'Descontentamento social'

"A usina de Guri gera 75% da energia consumida em Caracas, por isso a capital –antes protegida de problemas como interrupções e racionamentos devido à sua importância política– está extremamente vulnerável", disse a Eurasia, em um relatório de 21 de março. A frequência maior de cortes de energia "aumentará os já elevados níveis de descontentamento social".

O nível de água do reservatório, localizado no Estado de Bolívar, no sul do país, caiu para 244,9 metros acima do nível do mar em 29 de março, segundo dados da Corpoelec, a empresa estatal de energia.

Quando o nível fica abaixo de 240 metros, podem formar-se vórtices capazes de danificar as turbinas, disse Miguel Lara, ex-diretor da rede de energia da Venezuela.

"No ritmo atual, o nível mínimo para operar as oito turbinas pode ser atingido em 30 de abril", disse Cardozo, em entrevista. "Essa data pode se estender para maio se for implementado um racionamento mais severo".

Victor Poleo, ex-vice-ministro de eletricidade que tem sido crítico com o governo, culpou o planejamento ruim da administração e a falta de manutenção da Corpoelec na usina hidrelétrica.

"O governo foi irresponsável ao não colocar em funcionamento" outros métodos para a geração de eletricidade, disse Poleo, em entrevista. "Agora atingimos um ponto em que a única opção será o racionamento".

Sabotagem

Um porta-voz da Corpoelec preferiu não fazer comentários, dizendo que nenhuma pessoa preparada estava disponível para entrevista por causa das horas reduzidas de trabalho adotadas nas repartições do governo para economizar energia. Anteriormente, o partido socialista de Maduro atribuiu a escassez de água e eletricidade a uma combinação entre o El Niño e "sabotagem" de inimigos políticos.

"Os protestos começaram no mesmo momento em que o sistema elétrico foi atacado", disse o atual ministro de eletricidade, Luis Motta Domínguez, em 12 de março, em referência aos protestos e ao corte de energia que ocorreram nos arredores da capital. "Que coincidência, não? Algum plano foi colocado em prática".

Em março, Maduro estendeu o feriado da Páscoa para cinco dias em uma tentativa de economizar eletricidade após uma ação similar do ex-presidente Hugo Chávez, em 2010, quando o país enfrentava um momento semelhante de seca.

"Temos esperança de que, se Deus quiser, as chuvas virão", disse Maduro, em discurso à nação na ocasião. "Estamos chegando a um ponto difícil com o qual estamos tentando lidar".

Bacia cilíndrica

Não ajudou. No início deste ano, o nível da usina, que guarda o maior reservatório de água doce do país, vinha caindo cerca de 15 centímetros por dia, segundo José Aguilar, analista de eletricidade independente que estuda a Venezuela. A bacia, contudo, é cilíndrica: fica menor quando mais profunda e as perdas se tornam maiores.

Em 29 e 30 de março, a água caiu 18 centímetros, disse Aguilar, em entrevista por telefone.

"Essa é a primeira vez que o Guri operou em um nível tão baixo", disse Aguilar. "Estudos técnicos desenvolvidos para a usina recomendam não operá-la se os níveis de água estão abaixo de 240 metros. A palavra 'colapso' aparece na documentação da usina".