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Igual no Brasil? Como é a campanha da brasileira que quer ser eleita nos EUA

"Santinho" da brasileira Renata Castro Alves, que tenta se eleger vereadora na Flórida - Arquivo pessoal
'Santinho' da brasileira Renata Castro Alves, que tenta se eleger vereadora na Flórida Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

05/11/2016 06h00

Há 15 anos, a fluminense Renata Castro Alves, de São Gonçalo (RJ), chegou aos Estados Unidos e se estabeleceu na Flórida, onde se formou como advogada e se especializou em representar imigrantes que moram no país. Na próxima terça-feira (8) ela tenta iniciar um novo caminho, concorrendo a uma vaga de vereadora na cidade de Margate, a 60 km de Miami, uma localidade com cerca de 58 mil habitantes e 33 mil eleitores registrados.

Renata é um dos brasileiros que estão nas muitas disputas eleitorais dos Estados Unidos, em meio a um cenário político concentrado no duelo entre Donald Trump e Hillary Clinton. Democrata atuante, ela começou a se interessar pela vida pública ainda na faculdade, ao perceber a falta de representatividade das minorias na política local.

"Minha cidade é desenvolvida para pessoas com mais de 55 anos, mas hoje a idade média dos cidadãos é de 42 anos e está caindo. A falta de diversidade é muito frustrante. Se eu não ganhar, não haverá uma minoria representada entre os cinco vereadores. Há uma grande desconexão entre os que ditam a direção da cidade e os moradores", conta.

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Caso tenha sucesso na carreira política, a advogada pensa em uma carreira onde possa chegar até o cargo de deputada estadual. "Não passaria daí, porque senão teria que largar o meu escritório, que é algo que não quero fazer. Aqui, político não ganha dinheiro. Mas se eu for mais útil [na política], quem sabe não posso mudar minha posição?"

Ao UOL, ela contou como está sendo a campanha para a eleição. Na Flórida, a votação antecipada acontece entre 24 de outubro e 6 de novembro, e a boca de urna é permitida. O dia da votação é o mesmo da eleição presidencial: 8 de novembro.

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"Um político do Brasil não duraria uma semana aqui, porque é muito cansativo. Você fica das 7h às 19h perto dos colégios eleitorais. Os eleitores de Margate podem votar em qualquer local de votação dentro de um grupo de umas 20 cidades da região. É muito complicado ter voluntários em todos esses lugares. Então ficamos o dia inteiro perguntando de onde a pessoa é, apertando a mão, beijando crianças."

A brasileira concorre ao comissionado de Margate contra três outros candidatos, todos mais velhos e nascidos nos Estados Unidos: Arlene Schwartz, 67, ex- vereadora e da cidade, Frank Messana, 61, e Todd Angier, 63. Em Margate, são cinco cadeiras de vereador, e duas estarão na disputa esse ano; os candidatos concorrem a uma cadeira específica. O mandato dura quatro anos, com limite de 12, e os vereadores também se revezam na cadeira de prefeito - a cidade não elege prefeitos. Segundo ela, o vereador-prefeito é efetivamente um "mestre de cerimônias" da cidade.

Leia abaixo o relato de Renata Alves ao UOL sobre como é a rotina de campanha de sua candidatura:

A campanha

Eu dei início a minha campanha em 31 de janeiro, quando descobri que uma das vereadoras não seria candidata à reeleição. Escolhi tentar a cadeira 2, dessa vereadora que irá sair, porque acho que tenho mais chances do que na cadeira 1, a outra em disputa. Dependendo da cadeira, você pode vencer com mais ou menos votos, porque nem todo mundo vota para as duas.

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Na cadeira 2, concorro com uma senhora que já foi vereadora, de quem o pessoal não parece ter boas referências, um candidato republicano que não parece ter muitas chances [Messana] e um democrata de tendências de direita, evangélico [Angier]. Acho que a disputa está entre eu e o Angier. Rodamos os mesmos círculos e, apesar da disputa, me dou bem com eles. Tenho bom humor, faço muitas piadas. Somos oponentes, não inimigos.

Essa parte final da campanha é trabalho de boca de urna o tempo inteiro. Treze horas no sol falando com eleitores. Nos últimos dois dias de campanha, quando a votação antecipada estiver encerrada, vou atrás de eleitores registrados que ainda não votaram - temos uma lista com essas informações - e bater de porta em porta pedindo votos.

Além disso, participamos em encontros com clubes - os EUA têm muitos desses clubes, onde as pessoas discutem assuntos específicos. Eu e meus adversários fizemos três debates em condomínios. Os condomínios às vezes são limitados a moradores com mais de 55 anos. Pensei que fosse enfrentar resistência, mas foi o contrário: as pessoas consideram que é bom ter uma pessoa jovem concorrendo. Precisamos de sangue novo, eles dizem.

Aqui, os eleitores cobram muito mais dos políticos. Eu ando com uma cópia do orçamento proposto de 2017 para a cidade, com 300 páginas. Porque os eleitores chegam e perguntam: "por que temos que gastar US$ 1 milhão em uma nova planta de água se a atual custa US$ 200 mil para reformar?" A maioria tem conhecimento minucioso do funcionamento da cidade. Para os vereadores eleitos, eles ligam no escritório, cobram retorno.

Quem apoia

Recebi muitas ligações de brasileiro, mas sempre assim: "Você vai precisar de suplente?" "Vai me pagar para fazer boca de urna?" Me pedem tudo: facilitação de visto etc. Não que os brasileiros não votem, mas eles não são engajados. Aqui é muito diferente do Brasil. As pessoas são voluntárias e se envolvem na campanha porque acreditam nela. Não para conseguir benefícios. Essas coisas não funcionam. Um vereador da minha cidade foi preso porque recebeu uma propina de US$ 3.700, e vai passar seis anos na cadeia.

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Mas estou surpresa com a quantidade de pessoas apoiando minha campanha. Às vezes, as pessoas me veem e dão abraços, dizem que estão me acompanhando, admiram meu trabalho. A recepção tem sido muito boa. O pessoal fala muito em mudança, dizem que estão cansados do mesmo. Acho que a possibilidade de eu ser eleita é grande.

Eu aprendi a falar em creole porque tem muito haitiano em Margate. E falo em português e espanhol com eleitores imigrantes, e os outros [candidatos] não conversam com eles. Acham que não têm chance, que esses eleitores vão votar em mim porque eu falo a língua deles. Eu não acho que a linguagem que é a barreira; a atitude dos candidatos é meio que "não vou perder meu tempo com esse eleitor". É quase uma esnobada mesmo. O fato de ele falar creole não significa que ele não fala inglês fluentemente. E ele não vai votar em mim só porque sou imigrante.

Trump x Hillary e a atuação como democrata

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Sou uma democrata muito ativa. Meu escritório está sendo utilizado como ponto de encontro para os democratas em campanha e estou hospedando um voluntário da campanha da Hillary. Sou bem engajada no partido. Mas a nossa eleição em Margate, particularmente, é apartidária. Concorro com dois democratas e um republicano e não levantamos as bandeiras dos partidos.

Sobre a eleição presidencial, confesso que estou preocupada. Está muito próximo da linha de chegada para a Hillary ficar aqui no condado de Broward fazendo campanha [Hillary discursou no local em 30 de outubro]. Isso é um sinal de preocupação. Para o Trump ganhar dela, ele precisa ganhar em Broward, que é o meu distrito. Foi esse distrito [o segundo maior da Flórida] que determinou a vitória do George W. Bush em 2000, por causa de 500 votos.

A Flórida é um swing state muito importante. Não dá para dizer quem está na frente, até porque o pessoal do Trump faz muito barulho e a turma da Hillary é mais comedida. Aliás, algumas pessoas que apoiam o Trump são tão agressivas que acabam brigando entre si. Mas muitos outros são respeitosos.

O que vejo é que tem muito casal em que a mulher vota na Hillary e o homem vota no Trump. Alguns votam no Trump por causa da xenofobia e do radicalismo. E tem a grande verdade que ninguém quer falar: os americanos, em grande maioria, não estão prontos para ter uma presidente mulher. São dois pesos e duas medidas. A misoginia do Trump é aceitável, ele falar o que falou das mulheres é 'papo de brother', mas criticam a Hillary porque ela defendeu um estuprador - é o trabalho dela, ela é uma advogada. Tem gente que diz que ela permitia que o Bill Clinton tivesse casos e abusasse de mulheres, uma loucura. Mas é tudo porque ela é mulher. O Trump é promíscuo, mas ele pode, é homem, seu caráter nunca é questionado.