Trump quer ser o melhor da história, mas chances são poucas, diz biógrafo
O repórter norte-americano David Cay Johnston, 68, autor da biografia "The Making of Donald Trump", se diz muito pessimista com as perspectivas da Presidência de Donald Trump, 70, mas pondera que o 45º presidente dos Estados Unidos almeja ser mais do que bem-sucedido.
"Trump quer que a história o chame de o maior presidente de todos os tempos. Ele não quer falhar, ele não quer ser uma piada", afirma Johnston, por telefone, de Nova York. Para o jornalista, contudo, as chances de um governo exitoso de Trump são muito reduzidas, e por causa da personalidade singular do ocupante do cargo: imatura, insegura e narcisista.
"Emocionalmente, ele é um garoto de 13 anos. Eis por que fala das mulheres do modo como faz, tão inseguro, e ataca pessoas trivialmente."
Sobre a relação dos Estados Unidos com o Brasil sob Trump, Johnston avalia que não haverá mudanças significativas, uma vez que o saldo da balança comercial com o Brasil é positivo para os americanos.
"O foco comercial de Trump está naquilo que ele chama de maus acordos, pelos quais os Estados Unidos importam mais do que exportam, como com a China e o México."
Johnston fala do ponto de vista de quem conhece seu tema muito bem: como repórter especializado em finanças, cobre Trump e seus negócios há quase 30 anos, desde junho de 1988.
Na biografia "The Making of Donald Trump" (A Formação de Donald Trump, em tradução livre, Melville House, 2016), não lançada no Brasil, o autor aproveita a experiência de longa data para detalhar a trajetória de Trump e da família, além da carreira dele como empresário.
A perspectiva é crítica e o conteúdo, muitas vezes alarmante, listando casos e negócios no mínimo sombrios. Trump teria ramificações de negócios com máfias internacionais, acusações que o magnata rechaça e credita a perseguições do que chama de "mídia desonesta".
Johnston venceu o mais importante prêmio da imprensa nos Estados Unidos, o Pulitzer, em 2001, quando era repórter do jornal "The New York Times". Também escreveu livros em que revela como o sistema econômico americano favorece deliberadamente a concentração de renda nas mãos dos mais ricos, empobrecendo a imensa maioria.
"Trump representa o lado corrupto desse capitalismo", aponta.
Ele atua hoje como jornalista independente e está em campanha para viabilizar o projeto de jornalismo colaborativo e cidadão DCReport, de modo a fiscalizar o poder público próxima e continuamente. Algo que, diz, a imprensa dos Estados Unidos tem falhado ou deixado de fazer. Ele tem um sonho.
Leia a seguir trechos da entrevista de David Cay Johnston ao UOL:
"Toda a sua campanha foi feita com mentiras"
A eleição de Donald Trump não é uma surpresa, mas é chocante. Trump vem falando em se lançar candidato há mais de 30 anos. O chocante é que toda a sua campanha foi feita com mentiras e ele conseguiu [ser eleito]. Ele ganhou porque a grande mídia dos Estados Unidos não fez apropriadamente uma investigação de seu retrospecto. Os grandes jornais e canais de TV nunca contaram para as pessoas sobre seu envolvimento profundo e de longa data com os maiores criminosos e mafiosos, como os oligarcas da Rússia. O que precisa ser entendido é que, quando alguém concorre a presidente dos Estados Unidos, os grandes jornais normalmente colocam repórteres atrás da pessoa para checar o que ela fez no passado. E eles não fizeram isso dessa vez. Antes de tudo, porque há 60% menos jornalistas hoje nos Estados Unidos do que no ano 2000. Esse é o problema verdadeiro.
Em segundo lugar, Trump ameaçou processar todo mundo, em qualquer lugar. E embora muitas dessas organizações de mídia estivessem conscientes das conexões de Donald Trump com criminosos, porque [as denúncias] vinham de registros oficiais do governo, e ele não pudesse processar com êxito em relação a isso, nada se divulgou. Donald Trump enganou o povo americano, e jornalistas de grandes organizações falharam ao não dizer quem de fato Trump é.
Trump ataca jornalistas e os chama de desonestos na esperança de escapar das próprias mentiras. Ele persuade as pessoas a não acreditar nas empresas de comunicação. Então, quando os jornalistas apontam as mentiras dele, as pessoas dizem: "Eu não acredito em você". Aí ele pode continuar mentindo. Não há campo de jogo, disputa, há inteiramente apenas um lado de ataque, de Trump contra o jornalismo honesto.
"Ele acredita ser geneticamente superior."
Primeiro de tudo, Trump é um narcisista de marca maior. Ele acredita ser geneticamente superior. Em segundo lugar, não tem um núcleo moral. Em um dos capítulos do meu livro, lembro de uma passagem em que ele colocou em risco a vida de uma criança por dinheiro. Quem coloca a vida de uma criança em risco para ganhar mais dinheiro? Em terceiro, emocionalmente, ele é um garoto de 13 anos num corpo de um homem de 70 anos. Psicologicamente, Trump está preso naquele ano. Eis por que ele fala das mulheres do modo como ele faz, tão inseguro, e ataca pessoas trivialmente. E na verdade tenho certa simpatia por ele nesse caso, porque deve ser horrível permanecer assim por tanto tempo. O quarto ponto é que Donald é só aparência.
Conta que ganha bilhões de dólares, mas não há nenhuma evidência independente e verificável de que ganhe um único bilhão de dólares. No livro, aponto que, em dias de junho e julho de 2015, ele disse ter US$ 8,7 bilhões, US$ 10 bilhões e mais de US$ 10 bilhões e em um caso US$ 11 bilhões, e ninguém varia tanto de valor assim nesse período. Trump inventou esses números. Ele faz isso o tempo inteiro. Em várias oportunidades, fui checar o que ele dizia e mostrei que não era verdade. O cara que escreveu para ele o primeiro livro, "A arte da negociação" [publicado no Brasil], Tony Shards, disse que Donald mente com absoluta facilidade. E eu tenho uma frase para isto:
Donald cria a sua própria realidade.
"Trump representa o lado corrupto desse capitalismo"
O que Trump representa é o todo corrupto do capitalismo e a falha do governo em combater as más condutas do sistema. Boa parte do dinheiro que Trump tem vem de subsídios do governo. Nos Estados Unidos, nós damos subsídios maciços aos super-ricos. Eis sobre o que meus livros tratam: "Perfectly legal" [Perfeitamente legal, em tradução livre], sobre impostos; "Free lunch" [Almoço grátis], sobre subsídios aos ricos; e "Fine print" [Texto legal], sobre monopólios. O fato é que, para as pessoas muito ricas nos Estados Unidos, impostos não são um grande peso. Donald Trump pagou de imposto de renda, no ano passado, US$ 1.977 [cerca de R$ 6.300]. Trump representa o lado corrupto desse capitalismo. O capitalismo só funciona se se controlam as partes ruins e se obtêm os benefícios do lado positivo. Infelizmente, nos Estados Unidos, nós esquecemos dessa lição.
Quais as chances de Trump ser bom presidente?
Donald Trump quer ser bem-sucedido. Ele quer que a história o chame de o maior presidente de todos os tempos. Ele não quer falhar, ele não quer ser uma piada. E certamente não quer sofrer impeachment. Ele fará algumas coisas que são boas e precisam ser feitas. Por exemplo, deverá investir uma boa quantia de dinheiro em reconstruir a infraestrutura dos Estados Unidos, como rodovias e pontes. Coisa que Obama queria fazer, mas que republicanos no Congresso não deixaram. Isso será uma coisa boa.
De modo geral, a grande preocupação é que, por causa de sua imaturidade e insegurança, assim que assuma o posto e os pesos do trabalho se coloquem sobre ele, o comportamento de Trump se torne instável. Porque ele não tem o núcleo moral e a autoconfiança para gerenciar as coisas com as quais poderá lidar quando se tornar presidente.
E será também muito autoritário com jornalistas que mostrem que ele está mentindo. Há milhões de meios de a Presidência de Trump se dar mal e muito poucos de fazer os Estados Unidos e o mundo melhores. Ele é manifestamente desqualificado para ser o presidente. Nunca ocupou nenhum cargo público.
Eu cuido de oito filhos com um salário de jornalista. Então eu devo ser otimista. Mas estou muito pessimista em relação aos próximos quatro anos. E muito preocupado sobre o futuro da democracia nos Estados Unidos.
Trump: o "violino" de Putin
Vladimir Putin [presidente da Rússia] vem tocando Trump como se fosse um violino. Se um romancista americano tentasse vender um romance dois anos atrás sobre um presidente republicano que denegrisse as agências americanas de inteligência, CIA [Agência Central de Inteligência], NSA [Agência de Segurança Nacional] etc., e expressasse admiração pelo líder em Moscou, nenhum editor compraria o livro. Eles diriam: "Isso é insano. É tão fora da realidade". Mas é exatamente o que está acontecendo agora.
Ele é republicano, pelo menos diz ser, mas não é de verdade. Isto é surpreendente. Donald tem relações profundas com os oligarcas russos, que são uma rede de criminosos.
Com relação à China, Trump está profundamente endividado com o governo chinês, pessoalmente. [Um dossiê com supostas ligações estreitas de Trump com autoridades russas veio à tona nas últimas semanas, gerando alvoroço. As denúncias, que incluiriam orgias com prostitutas, não foram confirmadas pela imprensa internacional.]
"O Brasil é um grande parceiro comercial"
Donald não dá a mínima [para o Brasil e a América Latina]. Ele não tem uma filosofia política. Sua filosofia é só a glorificação da autoproclamada superioridade genética. Ele divide o mundo em dois grupos de pessoas: aquelas que são absolutamente leais a ele e acreditam e o glorificam e as demais, que ele chama de perdedores.
O Brasil é um grande parceiro comercial dos Estados Unidos e um dos poucos países grandes com o qual os Estados Unidos têm um saldo positivo, vendendo ao Brasil mais do que importa.
[Em 2016, segundo dados do governo brasileiro, o Brasil exportou para os Estados Unidos US$ 23,156 bilhões em bens, enquanto importou dos americanos US$ 23,802 bilhões, um saldo positivo para os Estados Unidos de US$ 646 milhões. Os Estados Unidos, junto com a China, são os principais parceiros comerciais do Brasil].
O foco comercial de Trump está naquilo que ele chama de maus acordos, pelos quais os Estados Unidos importam mais do que exportam, como com a China e o México. Uma vez que o saldo dos Estados Unidos é positivo com o Brasil, duvido de que Trump preste muita atenção no comércio bilateral entre os países, muito embora o Brasil seja a sétima maior economia do mundo.
Se Trump sabe onde fica o Brasil? Boa pergunta. Estou certo de que ele conhece o Rio, mas saber que Brasília é a capital ou ter alguma ideia do que Rondônia é... Duvidoso.
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