Sem armas, Farc enfrenta corrida eleitoral tensa na Colômbia
Do comitê de campanha no 29º andar de um hotel cinco estrelas em Bogotá (Colômbia), a ex-guerrilheira Victoria Sandino observa o trânsito, mais caótico do que de costume. Assim como outros 74 ex-insurgentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), ela é candidata pela primeira vez na Colômbia, que vai às urnas em 11 de março para escolher deputados e senadores. No dia 27 de maio os colombianos vão escolher o novo presidente do país.
Lá embaixo, bombas cenográficas interditam a Carrera Séptima -- via com ares de Av. Ipiranga em São Paulo, ou de Av. Rio Branco, no Rio. Ironicamente, as explosões no Centro da capital colombiana são um sinal de que as coisas têm melhorado.
"Estão gravando mais um filme 'gringo'. Acabou o medo, viramos Hollywood", disse à reportagem do UOL o taxista Walter Linares. Com as negociações de paz, a Colômbia viu crescer as indústrias do cinema e do turismo nos últimos anos. Foram 28 títulos estrangeiros rodados no país desde 2012, e 6,5 milhões de visitantes internacionais no ano passado. O Brasil, no ano olímpico, teve 6,6 milhões.
Apesar de reconhecer os benefícios trazidos pelo acordo de paz, que pôs fim a um conflito cujo saldo estimado é de 220 mil mortes em 50 anos, a candidata Sandino relativiza o sucesso dessa implementação.
"O Estado não cumpre a sua parte, no que se refere à nossa proteção", disse a candidata ao UOL. Ela é também uma das líderes do partido que nasceu após o tratado de paz, com novo nome e mesma sigla: Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum).
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Com as armas entregues à ONU (Organização das Nações Unidas) há oito meses, o grupo afirma sofrer agressões. Ataques com ovos e pedras durante campanha pelo interior do país levaram o partido a suspender as atividades em vias públicas. E, até 19 de fevereiro, foram contabilizados 38 assassinatos de membros da organização.
Em meio à escalada de tensão, o ministro de Interior do país, Guilhermo Rivera, disse a jornalistas locais que "se forem necessários ajustes nas medidas de proteção para que eles continuem a campanha, serão feitos".
Já o presidente Juan Manuel Santos, em seu Twitter, fez um apelo à moderação. "Não repitamos a história, não voltemos às agressões físicas e verbais em épocas eleitorais. Condenamos todo tipo de violência contra candidatos ao Congresso ou à Presidência", publicou.
Eleitos mesmo sem votos
Apesar de tecnicamente ainda ser candidata, Victoria Sandino já é futura senadora na Colômbia. Isso porque o acordo de paz prevê ao menos dez dos 280 assentos do Congresso para a partido: cinco na Câmara de Deputados e cinco no Senado, a serem ocupados por líderes do partido Farc.
Caso os votos superem o proporcional aos assentos reservados (a votação é na legenda, e não nos candidatos), a Farc ampliará o número de representantes no Congresso. Daí a campanha a todo vapor, apesar dos assentos garantidos.
"Encontramos gente que nos admira e também que se recusa a conversar. Vamos mudar isso dialogando", disse Sandra Ramírez, a outra mulher com assento assegurado na bancada da Farc no Senado.
Viúva de um dos fundadores da guerrilha, Manuel "Tirofijo" Marulanda, Ramírez atribui à propaganda negativa as dificuldades da antiga guerrilha crescer nas pesquisas. Em quatro levantamentos para as eleições presidenciais, que ocorrem em maio, o líder do partido, Rodrigo "Timochenko" Londoño, tem entre 1% e 1,6% das intenções de voto. "Criaram um fantasma em torno de nós. Destruíram nossa imagem. Muitas vezes, precisamos provar que somos humanos", disse.
Nas ruas das grandes cidades, é fácil perceber que as feridas de um conflito que durou mais de 50 anos ainda são recentes.
"É um absurdo que essa gente tenha matado e cometido atentados e agora esteja fazendo política", disse o taxista Linares. "Eu mesmo perdi um primo que era policial", conta.
Desde janeiro, uma comissão formada por 51 magistrados colombianos e 14 juristas estrangeiros se debruça sobre denúncias de crimes cometidos não apenas pela guerrilha, mas também por membros do governo e pelas forças paramilitares. É um dos pontos centrais dentro do acordo de paz, que definiu que a chamada JEP (Jurisdição Especial para a Paz) deverá, nos próximos 15 anos, identificar culpados, vítimas e penas para o confronto armado mais longo do continente.
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