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O que acontece com a saída dos EUA do acordo nuclear com o Irã?

O iraniano Hassan Rouhani disse no domingo que os EUA se arrependeriam "como nunca" por sair do acordo - Ebrahim Noroozi/AP
O iraniano Hassan Rouhani disse no domingo que os EUA se arrependeriam "como nunca" por sair do acordo Imagem: Ebrahim Noroozi/AP

Do UOL, em São Paulo

08/05/2018 15h31Atualizada em 08/05/2018 19h20

Com a saída dos EUA do acordo nuclear com o Irã e a "retomada de sanções em níveis mais altos" anunciada nesta terça-feira (8), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abre caminho para diversos cenários possíveis envolvendo Teerã e a comunidade internacional, especialmente os signatários europeus do acordo. 

O anúncio de Trump fará os países europeus decidirem se fazem frente aos Estados Unidos - Macron, o presidente francês, já expressou que França, Alemanha e Reino Unido "lamentam a decisão" americana. Assinam também o acordo Rússia e China.

O Irã tenta salvar o acordo --o presidente da república islâmica, Hassan Rouhani, ordenou que seu ministro de Relações Exteriores negocie diretamente com os outros signatários, e deixou claro que, se as negociações falharem, o programa nuclear pode ser retomado. "Vamos esperar algumas semanas antes e vamos negociar com nossos amigos, aliados e partes que firmaram o acordo", diz presidente do Irã

O processo de implementação das sanções será realizado entre 90 e 180 dias, segundo o Tesouro norte-americano. Trump não detalhou quais serão as sanções e nem como elas serão aplicadas. Segundo o assessor de Segurança Nacional americano, John Bolton, as sanções dos Estados Unidos serão efetivadas "imediatamente" para novos contratos, acrescentando que as companhias estrangeiras terão meses para sair do Irã. Bolton acrescentou que Washington estava pronto para discutir uma solução muito mais ampla em torno deste tema sensível, mas também indicou ser possível a adoção de sanções adicionais contra Teerã.

O acordo nuclear iraniano, chamado de Plano de Ação Conjunto Global (em inglês, JCPOA -- Joint Comprehensive Plan of Action), prevê um período para que as empresas possam se retirar do Irã no caso de o acordo falhar --resta saber se Trump vai manter este compromisso.

Trabalhadores iranianos na usina nuclear de Bushehr, a 1.200 km de Teerã - Majid Asgaripour/Mehr News Agency/Reuters/Arquivo - Majid Asgaripour/Mehr News Agency/Reuters/Arquivo
Trabalhadores iranianos na usina nuclear de Bushehr, a 1.200 km de Teerã
Imagem: Majid Asgaripour/Mehr News Agency/Reuters/Arquivo

O petróleo

Desde que as sanções contra o Irã foram suspensas, no começo de 2016, as exportações de petróleo de Teerã se recuperaram, atingindo cerca de 2 milhões de barris por dia em 2017. O maior comprador é a China, seguida de Índia, Coreia do Sul, Japão e vários países europeus --considerando as recentes tensões entre Pequim e Washington e o enfoque prioritário do governo chinês em sua economia, é improvável que a China reduza suas compras de petróleo iraniano.

O preço do valor do barril de petróleo vem subindo e bateu na segunda (7) o maior valor desde 2014: US$ 70.

Segundo a revista "Foreign Affairs", entre 2015 e 2017, as importações europeias aumentaram quase 800% --principalmente com a compra de petróleo. Grandes empresas europeias também investiram no Irã: a francesa Total, por exemplo, anunciou planos de investir mais de US$ 1 bilhão em gás.

Há ainda um acordo com a francesa Renault para a produção de até 300 mil carros por ano em solo iraniano em parceria com o governo e uma empresa iraniana. 

Merkel visitou Donald Trump no final de abril - Mandel Ngan / AFP - Mandel Ngan / AFP
Merkel visitou Donald Trump no final de abril
Imagem: Mandel Ngan / AFP

Um plano B feito pelos europeus

A decisão de Trump pode causar uma séria ruptura entre os aliados europeus e a Casa Branca --a relação entre eles já vinha sendo abalada pelas negociações das tarifas de importação de aço e pela saída do acordo climático de Paris. Signatários do pacto iraniano, França, Alemanha e Reino Unido já disseram que pretendem manter o acordo com Teerã e estariam dispostos a proteger companhias europeias de sanções norte-americanas utilizando uma legislação europeia da década de 1990, que impede que a UE cumpra sanções norte-americanas, consideradas extraterritoriais.

A "regulamentação de bloqueio", que isentou a Europa de cumprir leis de sanções dos EUA em 1996, foi criada no contexto de medidas aprovadas pelo Congresso norte-americano contra Cuba, Irã e Líbia. A lei Helms-Burton, por exemplo, fortalece o embargo americano e tenta impedir que empesas estrangeiras façam negócios com Cuba; já o Ato de Sanções Irã-Líbia (ILSA, Iran-Libya  Sanctions  Act em inglês) impõe sanções contra empresas que comercializavam com os dois países. Em resposta aos EUA, a UE criou a "regulamentação de bloqueio", que basicamente proíbe empresas europeias de cumprir as sanções dos EUA, dando a elas liberação para negociar com estes países. 

Caso a UE queira aplicar a tal "regulamentação de bloqueio" a novas sanções norte-americanas, será preciso reunir o conselho do bloco europeu e incluir uma emenda à regulamentação.

O fato é que as sanções dos EUA podem forçar empresas europeias a escolher entre manter o mercado norte-americano ou o iraniano --e, nesta disputa, o Irã sai perdendo, fazendo com que a economia iraniana volte a ser atingida --o principal interesse do Irã na assinatura do pacto eram seus problemas econômicos.

A pressão econômica precisaria ainda ser negociada com dois países com quem os EUA não têm mantido boas relações: Rússia e Turquia.

Segundo a revista "Foreign Policy", Trump precisaria convencer o presidente russo, Vladimir Putin, a suspender os planos de investir bilhões de dólares no setor de petróleo e gás do Irã --vale lembrar que os dois países são os virtuais vencedores da disputa na Síria, já que ambos apoiam militarmente o presidente Bashar al-Assad. A Turquia, por sua vez, servia como apoio para o Irã burlar suas sanções antes do acordo nuclear ser assinado, facilitando o contrabando de ouro e a realização de transações financeiras.

Presidente do Irã, Hassan Rouhani, discursa na cidade de Sabzevar - Presidência iraniana/AFP - Presidência iraniana/AFP
Presidente do Irã, Hassan Rouhani, discursa na cidade de Sabzevar
Imagem: Presidência iraniana/AFP

Retomada do programa --e da retórica-- nuclear

Outra opção iraniana com o fim do acordo seria a retomada de seu programa nuclear, violando os limites impostos pelo pacto para o enriquecimento de urânio e outras atividades nucleares, visando seu programa bélico. Entre as consequências estão ainda a possível expulsão dos inspetores internacionais da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à ONU), e até mesmo a saíra do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Estimativas com base no atual estoque de urânio apostam que o Irã poderia construir uma bomba nuclear em cerca de um ano --em um momento em que a Coreia do Norte começa a negociar seu acordo nuclear com os EUA depois de uma série de testes nucleares e com mísseis balísticos. No ano passado, o Irã realizou testes com mísseis de médio alcance.

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AFP