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Leilão de noiva adolescente no Sudão do Sul viraliza e provoca revolta

Família leiloa jovem no Sudão do Sul - Reprodução/Facebook
Família leiloa jovem no Sudão do Sul Imagem: Reprodução/Facebook

Sam Mednick

Da AP, em Juba (Sudão do Sul)

22/11/2018 21h26

Quinhentas vacas, dois carros de luxo, US$ 10 mil, duas bicicletas, um barco e alguns telefones celulares compuseram o preço final em uma disputa acirrada por uma noiva menor de idade no Sudão do Sul, em um caso que viralizou na internet depois que o leilão foi descoberto no Facebook. É o maior dote já pago no país devastado pela guerra civil, disse o governo.

O maior lance foi dado por um homem com três vezes a idade de 17 anos da adolescente. Pelo menos quatro outros homens no estado de Eastern Lakes competiram, disse Philips Anyang Ngong, um advogado de direitos humanos que tentou suspender o leilão no mês passado. Entre os licitantes estava o vice-governador do estado.

"Ela foi reduzida a uma mera mercadoria", disse Ngong à Associated Press, chamando o fato de "o maior teste de abuso infantil, tráfico e leilão de um ser humano". Todos os envolvidos devem ser responsabilizados, disse ele.

No início deste mês, a jovem Nyalong se tornou a nona mulher do homem. Fotos postadas no Facebook mostram a adolescente sentada ao lado do noivo, usando um vestido luxuoso e olhando desanimadamente para o chão. A AP está usando apenas o primeiro nome da garota para proteger sua identidade. O noivo não respondeu aos pedidos de comentário.

O Sudão do Sul tem uma prática cultural profundamente arraigada de pagamento de dotes para noivas, geralmente na forma de vacas. Também tem uma longa história de casamento infantil. Embora essa prática seja ilegal agora, 40% das meninas ainda se casam antes dos 18 anos, segundo o Fundo de População das Nações Unidas. A prática “ameaça a vida das meninas” e limita as perspectivas de seu futuro, disse a médica Mary Otieno, representante do país na agência.

A guerra de lances causou indignação local e internacional. Demorou vários dias para o Facebook remover o post que apresentava o leilão e depois foram retirados outros posts "glorificando" a situação, disse George Otim, diretor do Plan International South Sudan.

“Esse uso bárbaro de tecnologia é remanescente dos mercados de escravos dos últimos dias. Que uma menina possa ser vendida para se casar no maior site de rede social do mundo nos dias de hoje é inacreditável", disse ele. O leilão foi discutido, mas não foi realizado no site.

O Facebook não respondeu a um pedido de comentário.

Enquanto o governo do Sudão do Sul condena a prática do casamento infantil, as autoridades dizem que não podem regular as normas culturais das comunidades, especialmente em áreas remotas.

“Você não pode chamar de lance como se fosse um leilão. Não são lances. Se você vir isso com os olhos europeus, você vai chamar de leilão”, disse o porta-voz do governo Ateny Wek Ateny à AP. “Você tem que ver isso com um olho africano, já que é uma tradição que remonta a milhares de anos atrás. Não há palavras para isso em inglês."

Alguns legisladores e ativistas locais discordam. Em um comunicado divulgado nesta semana, a Aliança Nacional para Mulheres Advogadas no Sudão do Sul convocou autoridades para cumprir o plano do governo de acabar com o casamento infantil até 2030. Acabar com a prática inclui acabar com o leilão de meninas.

O chefe da luta contra o tráfico humano no Sudão do Sul chamou o caso de uma reminiscência de outros que ele viu em todo o país, em que as meninas são forçadas ou levadas a casar depois de terem dito que vão viver com parentes e ir à escola.

"É claro que algumas práticas de tráfico humano estão escondidas em nossa cultura", disse John Mading.

Em outros casos, algumas meninas que crescem na diáspora do Sudão do Sul são trazidas de volta ao país e obrigadas a se casar. A AP conversou com várias pessoas que conhecem garotas que chegaram para o que pensaram que era um período de férias, apenas para ter seus passaportes retirados e serem forçadas a se casar por suas famílias.

"Algumas famílias querem que as crianças se casem em seus países e em suas comunidades étnicas, mas a maioria faz isso se as crianças se comportarem mal", disse Esther Ikere Eluzai, subsecretária para o Ministério de Gênero do Sudão do Sul.