Integrantes de grupo do WhatsApp são acusados de "conspiração" na Índia
Por cerca de dois meses, vários membros do grupo no WhatsApp, que são integrantes da sociedade civil, foram chamados para depor na Índia. Eles foram convocados várias vezes, para depoimentos que às vezes duraram horas e, em várias ocasiões, seus telefones foram confiscados.
O foco da unidade especial de investigação da polícia de Déli no caso dos distúrbios no nordeste da cidade é um grupo formado por ativistas contrários à Lei de Emenda à Cidadania (LEC).
O prazo para polícia apresentar o resultado do inquérito, FIR 59/2020, era 14 de agosto. A importância do inquérito não se deve apenas à investigação da suposta conspiração, mas por ser o único caso onde foi invocada a rígida lei antiterror chamada Lei de Prevenção de Atividades Ilegais no país.
"The Quint" está em posse das conversas desse grupo no WhatsApp, desde o momento em que foi formado, em 28 de dezembro, até 9 de julho, quando outro membro o deixou.
Neste artigo iremos primeiro detalhar o que é o Grupo de Apoio ao Protesto em Déli (GAPD) e depois examinar as conversas específicas que a polícia está utilizando para rotular esses ativistas de "conspiradores".
A meta é assegurar que as conversas do grupo sejam lidas dentro de um contexto, para assim evitar uma leitura simples das discussões pelo WhatsApp.
Qual era o propósito do GAPD?
O GAPD se reuniu pela primeira vez em 26 de dezembro no Instituto Social Indiano em Déli. O grupo no WhatsApp foi formado dois dias depois. As primeiras mensagens postadas após a formação do grupo eram um esboço de seu propósito.
Esta reunião está sendo convocada apenas para facilitar as mobilizações em andamento, nas quais estudantes buscam continuar ocupando um espaço dominante.
A facilitação pode ser fornecida ao menos ao seguinte:
Haver menos sobreposição de eventos e os grupos não acabarem se cruzando em eventos uns dos outros, por saberem de antemão.
Também pode haver um esforço para disseminar uma ação pública por um período mais longo e identificar lacunas na mobilização, e pensar no que pode ser planejado para preenchimento dessas lacunas.
Como indicado acima, os membros do grupo não pretendiam se tornar líderes dos protestos locais. Repetidas discussões do grupo mostram que os membros encorajavam o espírito espontâneo e liderado pelos estudantes dos protestos contrários à LEC.
A leitura de aproximadamente 3.000 capturas de tela das conversas revela que o grupo era pró-ativo nas atividades de coordenação. Isso incluía o envio de comitês de checagem de fatos liderados por estudantes aos locais onde havia casos de brutalidade policial, a organização de discursos de especialistas e artistas e a realização de vários protestos sentados para engajar o público e assegurar o apoio legal toda vez que alguém fosse detido em um local de protesto.
Também foi devido à intervenção oportuna de um integrante do grupo, durante os distúrbios no nordeste de Déli, que durante uma audiência à meia-noite no tribunal superior de Déli, foi assegurado salvo-conduto de pacientes do Hospital Al Hind ao hospital GTB em 25 de fevereiro.
Então é crucial entender como um grupo que não exercia nenhuma liderança nos protestos contra à LEC parece ter se tornado foco da teoria da polícia de suposta conspiração.
Durante as horas que os membros do GAPD foram interrogados, "The Quint" soube que a polícia se concentrou em conversas específicas que ocorreram entre 17 e 23 de fevereiro. Vamos conferi-las.
17 de fevereiro: O debate sobre o bloquear uma estrada
A ideia de que algo problemático poderia ocorrer no nordeste de Déli foi primeiro apontada pelo grupo em 17 de fevereiro. Isso aconteceu quando integrantes discutiram a respeito de um bloqueio de estrada.
Mas o que uma leitura simples da conversa não esclarece é que não foi a primeira vez que debates em relação à estratégia dos protestos contra a LEC eram discutidos.
Esse era um debate recorrente nos locais de protesto em Chand Bagh e Seelampur (regiões de Déli). Várias conversas transcorreram por pelo menos um mês antes de 17 de fevereiro em relação às diferenças de opinião a respeito da estratégia. Em uma reunião nas noites de 16 e 17 de fevereiro, próxima do local de protesto em Chand Bagh, as mesmas preocupações foram levantadas.
Apesar de haver um lado querendo bloquear a estrada, havia outro que não queria. Uma testemunha da reunião contou a "The Quint" o que aconteceu sob a condição de anonimato:
"Aqueles que queriam bloquear a estrada tinham suas razões. Eles diziam que estavam fartos por nada estar acontecendo com a realização apenas de protestos sentados. De que estavam ficando sem recursos e que estava se tornando mais difícil mobilizar as pessoas. Eles queriam fazer algo grande para chamar a atenção. O outro lado estava preocupado que o bloqueio da estrada, que liga Déli ao oeste de Uttar Pradesh, poderia levar a violência na região."
Esses debates se acirraram quando a política local entrou na história. Havia "campanhas de boatos" e grupos supostamente começaram a falar mal uns dos outros.
Apesar do prosseguimento do debate sobre se o bloqueio da estrada era ou não um meio eficaz de protesto, em inquéritos sucessivos a polícia tem construído um caso ao dizer repetidamente que o bloqueio de estrada foi usado como trampolim para violência. É esse bloqueio que é mencionado repetidamente na cronologia de todos os inquéritos.
Ao se concentrar repetidamente no pedido de bloqueio de estradas no nordeste de Déli, a polícia parece ter eliminado da investigação todos os outros elementos.
Isso inclui a campanha tóxica contra os protestos à LEC por líderes do Partido Bharatiya Janata (BJP) antes das eleições em Déli, o discurso do líder do partido, Kapil Mishra em Maujpur, em 23 de fevereiro, que foi seguido por casos de apedrejamento, ou encontrar os culpados da violência que prosseguiu por dias em vários locais no distrito do nordeste.
22 de fevereiro: O bloqueio começa, discussões prosseguem
De volta ao grupo do WhatsApp, o debate em torno das estratégias prosseguia. Cartazes foram apresentados em 22 de fevereiro anunciando uma marcha juntamente com o chefe do Exército, Chandrashekhar Azad, em solidariedade ao bloqueio à ordem de cotas para imigrantes da Suprema Corte.
Preocupado com a forma como essa marcha transcorreria, um integrante do grupo se manifestou de novo, acusando um dos organizadores do protesto de culpabilidade caso algo saísse errado.
Vocês todos estão colocando as vidas dos moradores locais em perigo.
Seu desejo insano por publicidade fácil nos custará caro.
Apesar de haver aqueles que eram ferrenhamente contrários à ideia de um bloqueio, várias pessoas disseram a este repórter que como o modelo de Shaheen Bagh de um bloqueio de estrada tinha sido bem-sucedido, muitos esperavam que seriam capazes de reproduzi-lo em outras áreas de Déli.
O debate em torno da estratégia de bloqueio
Dois membros do grupo começaram a se opor fortemente ao momento da decisão de bloqueio da estrada Jaffrabad.
O plano de bloqueio de estrada em Seelampur parece ser um plano orquestrado para sabotar a audiência da Suprema Corte sobre Shaheen Bhag na segunda-feira, 24 de fevereiro. Trata-se de um plano completamente suicida. A Corte, apesar de reconhecer o direito de protestar e o direito a um espaço para protesto, claramente se opõe ao bloqueio de vias públicas. Quando tentativas são feitas para solucionar amigavelmente a situação em Shaheen Bagh, aumentar o problema com mais bloqueios de estrada seria totalmente contraproducente.
Outro integrante novamente levantou preocupações e perguntou:
O que vocês estão fazendo conosco? Minha mãe, minha irmã, tias e sobrinha vão diariamente ao local de protesto em Seelampur.
23 de fevereiro: O discurso de Kapil Mishra e o início do distúrbio
Naquela manhã havia milhares de mulheres em Jaffrabad. À tarde, Kapil Mishra, do Partido do Povo Indiano, chegou em Maujpur, a pouco menos de um quilômetro de onde os manifestantes contra a LEC protestavam sentados, onde deu um ultimato na presença de policiais. Ele ameaçou abertamente remover o bloqueio à força caso a polícia não o fizesse.
É óbvio àquela altura que havia pessoas no grupo no WhatsApp tanto à favor e contra o bloqueio da estrada, enquanto várias outras podiam ter uma opinião, mas preferiram não compartilhá-la.
Na noite de 23 de fevereiro, um integrante, enquanto respondia à crítica de outro membro em relação ao início de um novo protesto na Velha Déli, disse:
É precisamente devido à falta de um impacto perceptível dos protestos sentados que as pessoas tentarão novas estratégias. O bloqueio de estradas será a primeira estratégia óbvia. Há certo desespero em ser ouvido e reconhecido. A próxima fase deste movimento será confrontativa e teremos que esperar e ver os resultados.
A preocupação em relação à violência prosseguia enquanto membros compartilhavam detalhes do que estavam ouvindo e vendo na rede social.
O que precisa ser assegurado em todos os protestos é que não descambe para um confronto coletivo. E esse será o maior perigo à medida que esta segunda fase se torne mais confrontativa.
Ele então alertou as pessoas no grupo, dizendo:
Seria sensível dar dois passos para trás caso haja algum risco de uma conflagração coletiva. A brigada Hindutva está extremamente inquieta e confusa com a natureza e linguagem dos protestos até agora. Ela também sabe quão fundamental é o boicote ao NPR (Registro Nacional da População) para o movimento e fará todo o possível para trazer isso para o campo em que se sente mais confortável, o da tensão e divisão coletiva. Este movimento precisa se manter hiperconsciente dessa probabilidade e não permitir que aconteça.
Talvez valha a pena considerar o contexto a esta altura.
O comentário sobre não permitir que os protestos descambem em um confronto geral ocorre após uma campanha eleitoral tensa para a Assembleia Legislativa de Déli, onde os líderes do BJP visaram repetidamente os manifestantes contra a LEC, assim como havia repetidos casos de protestos em Jamia e Shaheen Bagh serem alvo de pessoas armadas.
Naquele mesmo dia, Kapil Mishra deu um ultimato para a remoção do bloqueio em Jaffrabad, após o qual houve incidentes de apedrejamento na área de Jaffrabad-Maujpur. Na noite anterior houve um bate-boca entre a polícia e os manifestantes.
Ao mesmo tempo, deve-se manter em mente que um alto risco de incidente coletivo não se traduz automaticamente em responsabilidade legal e criminal dos integrantes do grupo de WhatsApp por um distúrbio, a menos e até que alguma ação ilegal seja tomada para incitar ou instigar a violência subsequente.
O interrogatório pela polícia de Déli
Agora, em sua investigação da suposta conspiração, a polícia de Déli tem perguntado às pessoas por que não levaram a sério as mensagens sobre uma possível violência.
Algumas das perguntas feitas repetidamente pela polícia de Déli são:
"Essa apreensão com a possibilidade de violência foi postada no grupo. Por que não responderam a ela?"
"Como não responderam, vocês também devem ser considerados cúmplices do que aconteceu depois?"
Apesar de ter feito repetidamente essas perguntas, em vários casos instilando medo nos membros, a polícia parece ter optado por abandonar o debate maior que originou essa conversa. Lendo-o sem contexto, foram feitas tentativas de rotular de conspirador qualquer um que não se opôs abertamente ao bloqueio no grupo no WhatsApp.
Ao final da leitura das 3.000 páginas dessas conversas, "The Quint" não encontrou qualquer referência direta à incitação de violência, antes, durante e depois dos distúrbios, nas conversas no grupo do GAPD no WhatsApp.
Assim, apesar de alguns membros do grupo manifestarem apreensão em relação a uma violência resultante de um bloqueio da estrada, as mensagens dos membros do GAPD não representam incitação de violência.
UOL participa do World News Day
Nesta segunda-feira (28) a redação de UOL Notícias participa do World News Day, projeto que une este ano cerca de uma centena de veículos jornalísticos num único dia, compartilhando e publicando reportagens de vários pontos do globo. A iniciativa é liderada pela The Canadian Journalism Foundation (CJF) e pelo World Editors Forum (WEF), com apoio do Google News Initiative.
O UOL participa com reportagem do colunista Rubens Valente, "Ação sigilosa do governo mira professores e policiais antifascistas", que foi traduzida para o inglês e deve ser distribuída por veículos participantes do projeto.
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