Fome e pandemia acentuam crise e levam debate sobre embargo às ruas de Cuba
Nos supermercados de Cuba, encontrar um pacote de arroz e feijão ou ovos nas prateleiras não são tarefa fácil desde que o embargo econômico estabelecido pelos Estados Unidos passou a vigorar, em 1962.
No ano seguinte, o governo de Fidel Castro criou até uma "caderneta da alimentação", que raciona a venda e o preço dos alimentos aos cubanos e existe até os dias de hoje.
Apesar de já ter vivido picos de crises econômicas nas últimas décadas, desde 2019, a ilha tem visto as insatisfações populares aumentarem pela falta de alimentos e insumos básicos. A pandemia de covid trouxe à tona um novo problema: a falta de medicamentos em hospitais.
Diante disso, cubanos contrários ao governo republicano-socialista, agora presidido por Miguel Díaz-Canel, foram às ruas no último domingo (11), pediram o fim do regime e reacenderam o debate sobre as razões e consequências do embargo econômico dos EUA.
Como foi apertado o bloqueio?
Apontado como principal causa dos problemas econômicos de Cuba, o bloqueio ou embargo dos estadunidenses começou centralizado na proibição da venda de armamentos em 1958, durante o embate entre as tropas de Fidel Castro e Fulgencio Batista, e foi sendo ampliado por meio de leis e decretos a partir de 1959, quando Castro destituiu o governo de Batista e assumiu o poder da ilha.
Cuba se manteve firme até 1991, quando a União Soviética, seu principal parceiro econômico, sucumbiu.
O bloqueio econômico norte-americano ainda foi reforçado durante o governo de John F. Kennedy, chegando a proibir empresas estrangeiras de negociar com os EUA caso estivessem inseridas no mercado cubano.
Os empresários desembarcaram da ilha, grande parte das importações de alimentos e produtos foi interrompida e a vida em Cuba passou a ficar cada vez mais inviável.
Covid piora situação
O surgimento do novo coronavirus piorou a crise cubana, explica o historiador Luiz Bernardo Pericás, formado pela George Washington University (EUA) e professor da USP (Universidade de São Paulo).
"Há um problema econômico em Cuba. Não quer dizer que Cuba não tenha passado por outros momentos difíceis em outras oportunidades. Isso não é novidade. Mas, hoje em dia, o PIB encolheu em quase 11%, Cuba também importa a maior parte do que consome, há escassez de alimentos, de remédios. É um conjunto de problemas", disse.
As restrições da covid-19 fecharam os aeroportos e tiraram dos cubanos a principal fonte de renda do país nos últimos anos: o turismo.
"Cuba depende muito do turismo internacional e, como as pessoas não podem viajar, o impacto disso é brutal. Qualquer país que dependa do turismo está sofrendo uma perda intensa. Outras fontes de dólares também ficaram escassas. O principal produto agrícola de Cuba, que é a cana de açúcar, teve uma safra ruim nos últimos tempos e impactou de maneira muito negativa no país", afirmou o professor Mauricio Santoro, de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
O sistema público de saúde cubano, apesar de elogiado internacionalmente e bem estruturado, sofreu impactos graves diante da alta demanda por leitos de internação e a dificuldade de importar medicamentos simples, como aspirina.
"A resposta cubana ao coronavírus está sendo boa. O país conseguiu controlar bem o surto de casos e mortes causados pela pandemia e desenvolveu uma vacina própria. O problema não é a covid-19, mas o atendimento médico, os remédios, a escassez", completou Santoro, autor de "Ditaduras contemporâneas" (editora FGV).
Se as pessoas estão indo para as ruas é porque há uma situação política muito grave.
Mauricio Santoro, professor de relações internacionais da Uerj
Situação da esquerda na América Latina
Ainda segundo Santoro, nos últimos anos, outros governos de esquerda, antes parceiros do regime da ilha, perderam as eleições para candidatos à direita do espectro político e poucos simpáticos a Cuba.
"O cenário internacional, hoje, é mais difícil para Cuba do que era nos anos 2000. Boa parte dos países da América Latina tinham governos de esquerda, isso não existe mais. A Venezuela, que ainda segue com regime de esquerda e é importante parceira no setor de energia de Cuba, está afundada em sua própria crise. No caso da China, Cuba não é nem de longe uma prioridade em parcerias", explicou.
O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, no entanto, discorda que ausência de regimes de esquerda seja algo tão prejudicial a Cuba. Ele pontua que o embargo dos EUA é o pilar responsável pela situação complicada da ilha.
"O fim de governos de esquerda ocorreu, mas não é a causa. No caso do Brasil, o país financiou e recebeu pagamento de volta pela aquisição de alimentos. Nunca foi ajuda, mas comércio, pago e pago com juros. A situação de Cuba se agravou nos últimos anos com as sanções crescentes dos EUA. No final da administração de Donald Trump, ainda houve sanções adicionais de estado promotor do terrorismo. Não se pode ter essa postura imperial", disse.
O historiador Luiz Bernardo Pericás autor de "Che Guevara e o Debate Econômico em Cuba" (Boitempo), concorda: "O bloqueio cria dificuldades enormes para que Cuba possa levar adiante qualquer coisa que queira fazer. Todo projeto político-econômico do país leva em conta o bloqueio, que causa prejuízos, dificulta importações de alimentos e medicamentos. Somado à pandemia do coronavírus, piorou o cenário".
Santoro ressalta a falta de apoio e força política do regime e do atual presidente é fator importante para a população ter ido às ruas. "Díaz-Canel é o primeiro líder cubano desde 1959 que não é da família Castro, que não lutou em Sierra Maestra, não fez parte da guerrilha, nem de longe tem o mesmo carisma e legitimidade histórica. Essa falta de política dele também se manifesta de maneira presente na dificuldade de controlar os protestos."
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