Topo

Barrados em outros países, brasileiros vivem incerteza sobre futuro

Natalia Miyaguti, pós-doutora em fisiologia pela Unicamp - Henrique Grandi/UOL
Natalia Miyaguti, pós-doutora em fisiologia pela Unicamp Imagem: Henrique Grandi/UOL

Ana Paula Bimbati e Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

18/07/2021 04h00Atualizada em 19/07/2021 10h29

A pesquisadora Natália Miyaguti, 32, já havia entregado a casa onde morava e retirado a matrícula da filha de 5 anos da escola quando a Alemanha anunciou a proibição de entrada de brasileiros devido à variante P1 (Gamma) do coronavírus. O sonho de um intercâmbio científico no país se tornou "um pesadelo" e agora a família busca se adaptar para o futuro.

Natália está terminando o pós-doutorado na Unicamp (Universidade de Campinas) e havia conseguido uma bolsa para trabalhar em um hospital-escola com um dos maiores nomes nos estudos de câncer da Europa. No último dia 7, porém, ela teve de cancelar a vaga.

"Eu fui pedindo alteração de vigência do visto todo mês e até dia 1 de julho estava esperando abrir a fronteira e não abriu". Com o pós-doutorado perto de acabar, ela já não terá vínculos com a Unicamp e não poderá mais usufruir do intercâmbio.

"Fomos morar numa quitinete para ver se íamos viajar ou não", conta. "Quando vimos que ia demorar, alugamos uma casa temporária onde ficamos mais três meses esperando. Vimos que não ia dar certo e mudamos de novo. Só neste ano mudamos três vezes por conta dessa incerteza."

Era um sonho e no meio de uma pandemia virou mais um pesadelo. A gente nas ciências já enfrenta muita dificuldade e aí teve mais isso que acabei embarcando com a família toda"
Natália Miyaguti, pesquisadora

Deixei o emprego e posso perder o contrato do próximo

Bruno Cesar Diniz, químico - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bruno Cesar Diniz, químico
Imagem: Arquivo pessoal

Bruno Cesar Diniz, 37, também precisou refazer todos os planos quando a Alemanha fechou as fronteiras. O químico recusou uma promoção em seu emprego anterior para trabalhar em uma indústria química no país europeu.

Mas até hoje não conseguiu receber o visto de trabalho. Se não conseguir entrar no país até outubro deste ano —quando termina seu contrato probatório— ele perderá a oportunidade.

"O que nos deixa muito impotentes é que sabemos das medidas que devem ser tomadas e estamos abertos a essas medidas", desabafa. "Podemos fazer a quarentena, fazemos o PCR quantas vezes quiserem para provar que estamos sem o coronavírus."

Assim como Natália, Bruno entregou a casa em que morava e a esposa saiu do trabalho. Sem certeza sobre o futuro, nem ele nem a esposa podem arrumar um novo trabalho no Brasil e estão vivendo atualmente de uma reserva financeira.

A gente só quer a chance de ir pra lá e desenvolver o nosso papel"
Bruno Cesar Diniz, químico

Bruno e Natália buscaram ajuda da frente Barred from Germany (Barrados da Alemanha, em português), que busca formas de ajudar os mais de 200 brasileiros na mesma situação. O movimento se juntou com outros sobre Dinamarca, Bélgica, Espanha, França e Itália que tentam negociar uma solução.

"Buscamos que o Itamaraty, assim como fez no caso dos estudantes brasileiros com destino aos Estados Unidos, nos representem e 'iniciem' esse movimento", conta Nicole Menezes, 27, que faz parte do Barred from Germany.

Nicole Menezes, da frente Barred from Germany (Barrados da Alemanha) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Nicole Menezes, da frente Barred from Germany (Barrados da Alemanha)
Imagem: Arquivo pessoal

Em abril deste ano, estudantes brasileiros que pretendiam estudar nos Estados Unidos pediram ajuda ao Itamaraty. Menos de uma semana depois, os vistos voltaram a ser expedidos no âmbito das Exceções de Interesse Nacional (NIE, na sigla em inglês).

"Recebo dezenas de mensagens pela página do Instagram de pessoas desesperadas". Para ela, a questão também é pessoal, pois busca o visto para serviço voluntário em uma igreja alemã. Conta que ser missionária foi sempre seu objetivo como cristã.

Já tenho seminários obrigatórios marcados e meus pastores estão me esperando há mais de um ano. Fiquei muito aflita. Nada funcionava. Suspendi minha OAB, recusei ofertas de emprego com medo de abrir a qualquer momento, estudei alemão rigorosamente."
Nicole Menezes, da frente Barred from Germany

A Alemanha classifica os países em três zonas: a de risco que exige apenas o PCR negativo, a de alta incidência que exige quarentena de dez dias e mutação que varia de quarentena de 14 dias a proibição de entrada. O Brasil foi incluído na lista de proibidos junto com Reino Unido, Índia, África do Sul e outros devido ao surgimento de variantes. Mas recentemente o país liberou a entrada dos países atingidos pela variante delta.

Segundo dados levantados pelo UOL com informações do Itamaraty, ao menos 14 países possuem restrições à entrada específica de brasileiros. A maioria deles na Europa e na América Latina. Outros exigem quarentena ou exame RT-PCR negativo, e a Suíça permite apenas brasileiros vacinados.

Situação de cada país para entrada de brasileiros -  -

Vendi meu carro e ainda posso perder minha bolsa

Quem teme viver a mesma situação de Natália é a bióloga Luiza Catapani, 25, que conseguiu uma bolsa para fazer seu mestrado na Espanha. "Em 2020 não sabia que teria restrições, nem que poderia ter problemas. Quando consegui a bolsa em 2020 fiz muita conta para saber se ia dar ou não", conta.

Juntei todo meu dinheiro, vendi meu carro, saí do meu emprego, mas até agora não consegui o visto"
Luiza Catapani, bióloga

A Espanha faz uma classificação semelhante à da Alemanha sobre o Brasil e a África do Sul, apesar de haver liberado o turismo para vacinados de quase todos os países do mundo. Apenas residentes legais e cidadãos espanhóis têm permissão para entrar no país partindo do Brasil. A restrição, antes prevista para acabar em 20 de julho, foi estendida para 3 de agosto.

Luiza faz parte do movimento Estudiar es Esencial (estudar é essencial, em português), que reúne mais de 320 estudantes com o mesmo problemas que ela. Deste total, 51% são bolsistas e 71% já devem tomar a primeira dose da vacina contra covid-19 até agosto.

A bióloga conseguiu adiar a ida para Espanha até outubro. "Não temos conseguido a liberação do visto em si. Muitos artigos científicos já apontam que é seguro fazer a quarentena em outro lugar, apresentar os testes, não nos recusamos a nada disso", explica.

Outros países como a França também têm movimentos de estudantes que conseguiram bolsas, mas enfrentam dificuldades.

Um ano de saudade

Paulo Luis Crocomo, Leila Zimmermann Crocomo e Paola Zimmermann Crocomo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paulo Luis Crocomo, Leila Zimmermann Crocomo e Paola Zimmermann Crocomo
Imagem: Arquivo pessoal

O fechamento das fronteiras atrapalhou a vida de quem planejava se mudar e também aumentou a saudade de quem já está separado há muito tempo. Desde que a filha de Paulo Luis Crocomo, 58, foi estudar na Polônia, ele e a esposa planejavam ir vê-la. A viagem estava programada para abril de 2020, mas até hoje não aconteceu.

As passagens já estavam compradas e foram remarcadas duas vezes, a última para junho deste ano. Paulo e a esposa Leila Zimmermann Crocomo já não acreditam que devem ver a filha Paola este ano.

"Enquanto isso os pais ficam na saudade", lamenta Paulo. "Ainda bem que tem a internet que ameniza um pouquinho os problemas. Mas é difícil. Faz quase dois anos que a gente não se encontra."

O importante é que está todo mundo bem, mas a saudade fica grande"
Paulo Luis Crocomo, pai de uma estudante na Polônia

A família de Helena Ribeiro, 39, teve mais sucesso. Morando na França, ela costumava ver os pais, que moram em Minas Gerais, pelo menos uma vez ao ano. Eles iam para Paris e depois visitavam os dois outros filhos que moram na Suíça.

Com a pandemia, decidiram que o melhor era eles irem apenas para a Suíça, e Helena os encontraria lá em abril de 2020. Mas não foi possível com o fechamento das fronteiras.

"O que para mim sempre foi desesperador foi saber que a fronteira estava fechada", conta Helena. "Ou seja, não havia o que ser feito se acontecesse qualquer coisa. Situações de emergência você até consegue resolver, mas o problema é que tem poucos voos."

O país até liberou a entrada de estrangeiros vacinados, seus pais foram imunizados com a CoronaVac, até então não aprovada na Suíça, sede da OMS (Organização Mundial da Saúde). Quando a aprovação veio, a família correu para comprar as passagens.

Quando a minha mãe me mandou o email com as passagens eu tive uma crise de choro. É uma coisa inexplicável"
Helena Ribeiro, que mora na França

O reencontro aconteceu na última sexta-feira (16), em um voo direto entre Brasil e Suíça, sem a necessidade de fazer quarentena. Helena comemorou o "final feliz" e conta que os pais finalmente puderam conhecer a neta, Luiza, filha da sua irmã, que nasceu ano passado na Suíça.

Outros lados

Em nota enviada ao UOL, o Ministério das Relações Exteriores disse acompanhar "a evolução das exigências para ingresso de cidadãos brasileiros em países estrangeiros." E acrescenta que "as medidas restritivas ao ingresso de estrangeiros adotadas no contexto da pandemia de covid-19 são prerrogativa soberana de cada governo."

Sobre o caso de estudantes e trabalhadores, o Itamaraty disse fazer, por meio das embaixadas do Brasil na Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França e Itália, "o possível para alcançar solução satisfatória que atenda ao pleito dos estudantes e seguirá realizando contatos com autoridades competentes para que considerem a medidas alternativas que permitam a retomada da emissão de vistos a estudantes e acadêmicos brasileiros."

O consulado da Alemanha em São Paulo chamou de dolorosa a situação de brasileiros que "não conseguem concretizar seus planos na Alemanha por enquanto" e afirma que "a decisão sobre a entrada na Alemanha é tomada com base em critérios epidemiológicos".

"Em primeiro lugar, as autoridades alemãs consideram a ocorrência de variantes do vírus (no caso concreto, a variante "Gamma" do vírus). Além disso, o alto número de infecções e de mortes no Brasil nos meses passados gera uma grande preocupação na Alemanha e na Europa como um todo."

Procurada, a embaixada da Espanha não respondeu até a conclusão desta reportagem. O espaço fica aberto para seu posicionamento.